Aos 81, Mauricio de Sousa é um pai superlativo: seus filhos de carne e osso são dez (um deles morreu), de quatro mulheres diferentes. Os do papel já chegam a 500 e é praticamente certo que você, assim como qualquer brasileiro, conheça um bom punhado deles pelas revistinhas da Turma da Mônica.
Boa parte desse enredo (os filhos, as mulheres, as personagens) está sendo contada na autobiografia “A História que Não Está no Gibi”, livro divertido, direto e bem escrito -o texto e a reportagem adicional são do jornalista Luís Colombini, em cima de depoimentos semanais de Mauricio, por cerca de um ano.
Falando em superlativo, tanto o livro quanto essa reportagem poderiam seguir parágrafos sem fim desfiando os números de Mauricio de Sousa e seus estúdios, como o de revistas já publicadas (1 bilhão), visualizações de desenhos no YouTube (2,2 bilhões) ou produtos licenciados (3.000).
Melhor ir logo ao que interessa: as histórias que não estão no gibi.
Mauricio passou a maior parte da infância e juventude em Mogi das Cruzes, a 57 km do centro de São Paulo. Seu pai, Antonio, era uma figura: tinha uma barbearia com gráfica subversiva nos fundos (jornais “A Vespa” e “A Caveira”), devidamente destruída pelas autoridades do Estado Novo em 1940. (Alguns anos mais tarde, o seu Antonio daria apelidos a dois meninos que brincavam ali na rua: Cascão e Cebolinha, conhecidos assim até hoje lá em Mogi.)
Mauricio viu quadrinhos pela primeira vez numa lata de lixo em um posto de gasolina. Joca Marvel. Super-Coelho. O menino gamou.
Passou anos colecionando, aprendendo. Aos 19, bateu na redação da “Folha da Manhã” (que se tornaria a Folha) querendo ser ilustrador. Não conseguiu, mas ganhou a vaga de redator e, meses depois, a de repórter policial.
Exercendo a profissão com garbo, de sobretudo e chapéu (vide foto no livro), conheceu a primeira mulher na delegacia: uma fotógrafa suspeita de sequestrar uma criança numa festa infantil (vá lá, a polícia convocou todas as fotógrafas de festas infantis da cidade).
Como Marilene Spada não era a tal, não foi presa, o amor prosseguiu e puderam se casar, gerando em escadinha Mariângela (que mais tarde inspiraria a personagem Maria Cebolinha), Mônica (ela mesma) e Magali (você também sabe quem).
Em 1959, Mauricio publicou sua primeira tira, já com Franjinha e Bidu, na extinta “Folha da Tarde”. Logo se tornaria um sucesso, com as tiras sendo republicadas em mais de cem jornais do país.
“Gostei tanto de fazer esse livro que já penso em fazer o segundo e até o terceiro. Ficou muita coisa de fora”, conta ele. Mesmo com muitos cortes, a obra surpreende em alguns momentos pela franqueza.
Um dos capítulos, por exemplo, descreve em detalhes o sequestro de seu caçula em 2008. Além disso, é curto e grosso: “Nascido em 1998, [o caçula] é fruto do relacionamento com uma ex-funcionária, Marinalva Pereira, que me custou uma crise no casamento com Alice”. Os leitores agradecem.
E O LOUCO?
Não está lá, entretanto, algo que Mauricio revelou sobre o personagem Louco na entrevista que deu à Folha. É algo muito estranho para os leitores da Turma da Mônica, sombrio até:
“O Louco? Só Cebolinha vê o Louco. Será ilusão do Cebolinha?! Veja, um passante pode interagir com o Louco, mas pode ser outra ilusão. Na turminha, só o Cebolinha o vê. Talvez o Louco não exista. Talvez o Cebolinha tenha algum problema. E sabe o que é o pior? Não foi de propósito. Percebi recentemente que isso sempre aconteceu.”