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Categorias: Notícias do Estado
| Em 6 anos atrás

Marcelo Yuka, letrista d’O Rappa e vítima da violência no Rio, morre aos 53 anos

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O músico Marcelo Yuka, ex-baterista, ex-letrista e fundador do grupo carioca O Rappa, morreu na noite desta sexta-feira (18), às 23h40, aos 53 anos.
Yuka estava internado há duas semanas no hospital Quinta D’Or, zona norte do Rio de Janeiro, para tratar infecções.
Na sexta-feira (4), contudo, o quadro do músico piorou, gerando boatos – posteriormente não confirmados – de que ele teria morrido.
Segundo Geraldinho Magalhães, empresário do artista, o músico ainda estava vivo e foi colocado em coma induzido após ter sofrido um AVC. A causa da morte foi um episódio de AVC isquêmico.
Marcelo Fontes do Nascimento Viana de Santa Ana nasceu no Rio de Janeiro, em 31 de dezembro de 1965.
Ele foi o baterista e o compositor de sucessos como “Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)”, do grupo O Rappa, que fundou em 1993 com o baixista Nelson Meirelles, o tecladista Marcello Lobatto e o guitarrista Alexandre Meneses.
A eles se somaria o cantor Marcelo Falcão, integrado ao grupo após ver um anúncio da banda em um jornal e ser aprovado em testes. No ano seguinte, a banda lançou o álbum “O Rappa”.
A partir de 1996, Yuka alcançaria sucesso nacional com o segundo álbum da banda, “Rappa Mundi”, de músicas como “Pescador de Ilusões” e a versão de “Vapor Barato”, de Waly Salomão e Jards Macalé.
As ótimas receptividades de público e crítica se repetiram no terceiro disco do grupo, “Lado B Lado A”, de temas como “Me Deixa”.
Àquela altura, a mescla de estilos como rock, reggae, rap e samba já faziam d’O Rappa uma das principais bandas do rock brasileiro.
Seus integrantes passaram a ser compreendidos como porta-vozes de um discurso que reverberava as injustiças sociais cometidas cotidianamente nas periferias e a efervescência política do Rio de Janeiro do fim do século 20, como na música “Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro”.
Em 9 de novembro de 2000, Marcelo Yuka tornou-se vítima da violência no Rio, uma das mazelas da qual tornou-se cronista.
Naquela noite, o músico ficou paraplégico após ser atingido por nove tiros ao tentar impedir que bandidos assaltassem o carro de uma mulher na frente do seu.
Depois disso, ficou impossibilitado de tocar bateria e passou a enfrentar a depressão.
“Eu não sei muito bem o que aconteceu. Eu só sei que eu sou baterista, tomei tiros, tô paraplégico e minha vida acabou”, rememorou o músico em entrevista para o documentário “Marcelo Yuka no Caminho das Setas” (2011), da diretora Daniela Broitman.
“A minha grande pergunta é: o que eu preciso para viver em paz?”
Na obra, ele afirma ainda: “Eu não conseguia ver O Rappa apenas como uma banda de música e cumprindo só o papel de uma banda pop.”
Em 2001, o músico foi expulso d’O Rappa após brigar com os demais membros – a banda anunciaria seu término no ano passado, após uma turnê de despedida marcada por evidências de um racha entre os músicos, que já não se falavam nem em cima do palco.
“Muitos do que estão no Rappa fui eu que coloquei. Quando tomei os tiros, tinha 34 anos, mas, sinceramente, parece algo que vivi na adolescência. Não me interesso sobre isso, brigas, se a qualidade do som é boa ou ruim, se estão com grana ou não. Isso não quer dizer que eu queira mal. Só não tenho interesse”, disse o músico à Folha de S.Paulo sobre o fim da banda que ajudou a fundar.
Depois disso, passou a se dedicar à banda Furto, sigla para Frente Urbana de Trabalhos Organizados e nome também de um projeto social que empreendeu.
Nos últimos anos, Yuka acumulou diversos problemas de saúde, como crises renais, infecções e acidentes vasculares.
Em novembro de 2016, ele passou semanas internado em uma UTI graças a um quadro infeccioso.
“O Marcelo Yuka está no CTI há duas semanas, em estado grave”, escreveu, à época, a diretora Broitman.
Em uma rede social, ela afirmou que, apesar de o músico não gostar de “ter sua dor exposta”, resolvera divulgar a informação por acreditar que “a causa é muito maior do que qualquer melindre”.
Também se dedicou aos movimentos sociais, principalmente aqueles ligados à habitação, e à política.
Em 2012, Yuka foi candidato a vice-prefeito do Rio pelo Psol, na chapa de Marcelo Freixo – Eduardo Paes, hoje no DEM e então no MDB, venceu no primeiro turno.
Essas e outras experiências ativistas foram revistas pelo músico na autobiografia “Não se Preocupe Comigo”, lançada em 2014.
Em 2017, Yuka lançou seu primeiro álbum, “Canções para Depois do Ódio”, com parcerias com Céu, Black Alien e Seu Jorge, entre outros.
No trabalho, uniu ritmos afro-brasileiros e dub e versou críticas à ascensão conservadora no mundo, então concentrada na figura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“É triste ver como os fascistas parecem estar ganhando, então criei um universo pra depois disso. Tudo vale, menos o ódio. Acho que está muito pesado, então fiz um disco contra o fascismo”, disse, à época.
A produção e a divulgação do álbum contudo, foram atrapalhadas por problemas de saúde que o fizeram ser internado em várias ocasiões.
Naquele contexto, pensou em desistir várias vezes – da carreira, mesmo da vida -, mas teve uma espécie de epifania: “Apesar de tudo, eu quero ser músico”.
“Meu corpo se expressa pouco, mas a melhor defesa é o ataque. Tenho que propor algum tipo de movimento para que eu não fique tão estático”, disse o músico em julho de 2018, quando finalmente se preparava para divulgar ao vivo essa estreia solo.
“Esse é o grande desafio do cadeirante: eu tô imóvel, mas não tô estático. Estar voltando agora é isso.”
Depois disso, passou a ensaiar com uma nova banda, na qual tocava tambores eletrônicos, e se dedicou à pintura.
Em agosto de 2018, Yuka sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) e ficou internado por algumas semanas.
Após se recuperar, questionado pelo repórter Marco Aurélio Canônico se estava feliz, ele respondeu:
“Estou. Há muito, muito tempo não me sinto como hoje. A gente tem resultado de acordo com aquilo em que foca. Eu acredito mais no trabalho do que na boa sorte. Estou focado em me restabelecer e voltar a trabalhar. Acho que isso vai me trazer dignidade. Não tenho aposentadoria, o que me leva a ter de trabalhar até o último dia de vida. Por outro lado, sempre imaginei ter a felicidade de morrer tocando, fazendo o que eu mais gosto. Passado meio século de vida, eu quero viver.” (RAFAEL GREGORIO, SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

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Domingos Ketelbey

Jornalista e editor do Diário de Goiás. Escreve sobre tudo e também sobre mobilidade urbana, cultura e política. Apaixonado por jornalismo literário, cafés e conversas de botequim.