Os resultados preliminares das eleições francesas deste domingo (23) sugerem que tanto o centrista independente Emmanuel Macron quanto a ultradireitista Marine Le Pen se classificaram para o segundo turno em 7 de maio.
Diferentemente do que mostravam pesquisas de boca de urna, a apuração das primeiras urnas mostra Le Pen ligeiramente à frente de Macron, mas os dois seguem qualificados para disputar o desempate.
Com 34% das urnas apuradas, a ultradireitista aparece com 24,6% dos votos, enquanto Macron tem 21,6%. A contagem inicial se concentra majoritariamente nas urnas do interior da França, mais conservador, enquanto os votos dos grandes centros urbanos, que tendem a ser mais liberais, são contados posteriormente. As pesquisas de boca de urna indicavam que Macron receberia 23,7% dos votos enquanto Le Pen teria 21,7%.
Pela contagem oficial, o candidato da centro-direita François Fillon aparece com 19,7% dos votos, seguido pelo nome da extrema esquerda Jean-Luc Mélenchon com 18,4%.
A vitória de Macron e Le Pen será um golpe aos tradicionais Partido Socialista, atualmente no governo, e Republicanos (centro-direita), do ex-presidente Nicolas Sarkozy. Rejeitados nas urnas, eles agora abrem espaço para testar outras forças políticas.
Se confirmado nas próximas horas, o resultado encerra um período de grande incerteza política no país -e abre uma segunda etapa, marcada pela discussão da própria identidade francesa.
O cenário da disputa entre Macron e Le Pen no segundo turno, já testado em pesquisas de opinião nos últimos meses, será provavelmente vencido pelo candidato centrista, ex-ministro da Economia -nunca antes eleito a um cargo público. Ele receberá 61% dos votos contra 39%, afirma o instituto Ipsos.
A campanha presidencial foi marcada por mudanças radicais. Há meses, era possível a vitória do conservador Nicolas Sarkozy e do socialista François Hollande, que nem chegaram a concorrer.
Sarkozy foi derrotado nas primárias de seu partido e Hollande, extremamente impopular, não se candidatou.
Sondagens colocavam os quatro candidatos tão próximos na intenção de voto que os institutos de pesquisa não se arriscavam a prever o resultado do primeiro turno.
A incerteza era alimentada também pelo fato de que 31% dos eleitores não sabiam, às vésperas, em quem votar -resultado da desintegração do espectro político francês, em meio à desilusão com o governo socialista e aos escândalos de corrupção no partido conservador.
Estas eleições francesas são um dos pleitos mais importantes do ano no cenário global e terão um efeito decisivo no futuro da Europa.
Macron e Le Pen divergem em um assunto fundamental para a região: a União Europeia. Ele defende mais integração, mas ela quer um referendo para deixar o bloco econômico, a exemplo do “brexit” do Reino Unido.
Eles discordam também sobre a Otan, a aliança militar ocidental: Le Pen quer sair e Macron quer ficar.
A França é uma das principais economias da União Europeia e um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU com poder de veto.
Cerca de 47 milhões de pessoas puderam votar. No exterior havia 1,3 milhão de eleitores registrados. Em alguns dos pontos, como em Montréal, no Canadá, as filas se alongaram por horas.
As eleições foram realizadas em meio a um ostensivo aparato de segurança, após um tiroteio deixar um policial morto na quinta-feira em Champs-Élysées. O ataque, reivindicado pela organização terrorista Estado Islâmico, apesar de sem provas, pode contribuir à campanha de Le Pen, com aversão a ambos a migração e ao islã.
O presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou durante a semana em uma entrevista à agência de notícias Associated Press que a insegurança favoreceria Le Pen. Ele escreveu em seu Twitter, durante o domingo: “eleições muito interessantes estão sendo realizadas na França”.
Os 67 mil locais de votação, abertos às 8h locais (às 3h em Brasília), foram monitoradas por mais de 50 mil policiais e de 7.000 soldados.
Uma seção foi esvaziada em Besançon, no leste do país, após um veículo roubado ser abandonado nos arredores com o motor ainda ligado. Houve um incidente parecido em Saint-Omer, no norte, e outro em Haguenau, na Alsácia. Nenhum tinha relações com terrorismo.
A França está em estado de emergência desde o ataque que deixou 130 mortos em Paris, em novembro de 2015. Houve uma série de outros atentados desde então.
Não há evidências, por outro lado de, que o tiroteio de quinta-feira teve um impacto nas intenções de voto.
A França votou em outros períodos na sequência de atentados, sem efeito. Mesmo o ataque a um soldado no Museu do Louvre, recentemente, não transpareceu depois nessas pesquisas.
Os quartéis-generais dos candidatos, onde eram esperados para comentar os resultados, estavam cercados por diversas camadas de segurança. A reportagem da Folha foi revistada três vezes para chegar ao escritório do centrista Macron, em Paris.
A segurança é de fato um dos temas mais importantes ao eleitor francês. Mas a questão principal, segundo uma pesquisa do instituto OpinionWay, é o desemprego de cerca de 10%, citado por 57% dos entrevistadas.
A economia, em má forma, explica por que o governista Partido Socialista sofreu uma derrota histórica. O candidato Benoît Hamon não chegou à final, o que será recebido como uma crise existencial à sigla.
O presidente francês, François Hollande, havia prometido reduzir o desemprego, e o incumprimento da promessa frustra seu eleitorado, que migrou a candidatos como o centrista Macron e o esquerdista Mélenchon.
A economia francesa cresceu 1,2% em 2016. A Alemanha e o Reino Unido cresceram respectivamente 1,9% e 1,8% no mesmo período.
A corrida presidencial francesa tinha 11 candidatos, dois quais apenas Macron e Le Pen poderão disputar o segundo turno de 7 de maio.
Os outros dois concorrentes de peso, o conservador Fillon e o esquerdista Mélenchon, também haviam sido cotados para chegar à final. A proximidade das porcentagens impossibilitava a certeza até esta tarde.
Fillon, em especial, foi considerado por meses como o favorito à Presidência. Sua candidatura, no entanto, afundou após um semanário satírico publicar a acusação de que ele contratou a mulher para um cargo público que ela nunca exerceu.
Ele nega, mas a suspeita teve um grande impacto em sua campanha. Ele havia sido eleito durante as primárias da direita como um candidato particularmente limpo -contra Alain Juppé e Nicolas Sarkozy, que já foram acusados anteriormente.
Le Pen também enfrentou acusações, mas de menos impacto em seu eleitorado. A ultra direitista teria utilizado verbas europeias de maneira ilegal em seu partido, a Frente Nacional, remunerando um guarda costas como assessor parlamentar. (Folhapress)