Em quase cinco horas de depoimento ao juiz Sergio Moro no processo em que é acusado de receber propina da OAS, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou que tenha recebido vantagens indevidas da empreiteira e se disse perseguido pelo Ministério Público Federal e pelo Judiciário. Foi o primeiro depoimento de Lula a Moro como réu.
A Procuradoria diz que o petista participou do esquema de desvios na estatal e recebeu da OAS um total de R$ 3,7 milhões em vantagens indevidas – parte desse valor teria sido pago com a reserva de um tríplex em Guarujá (SP) e em benfeitorias nesse imóvel.
Lula disse a Moro que nunca teve intenção de adquirir o tríplex e atribuiu decisões sobre o imóvel à ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em fevereiro.
“Fui ver o apartamento, coloquei 500 defeitos no apartamento, voltei e nunca mais conversei com o Léo [Pinheiro, ex-presidente da OAS] sobre o apartamento”.
O juiz então questionou Lula sobre visita ao imóvel feita pela mulher do petista em 2014, época em que ele diz que já havia desistido da compra. “Eu não sabia que tinha tido visita. Não sei se o senhor tem mulher, mas nem sempre ela pergunta para a gente o que vai fazer”, afirmou Lula.
Sobre a outra acusação a que responde neste processo, de que a OAS pagou R$ 1,3 milhão em serviços pelo armazenamento de bens do ex-presidente, como presentes recebidos em seus mandatos, Lula disse que não sabia o tamanho do acervo formado ao longo de seu governo e que somente depois ficou sabendo papel da OAS na armazenagem do material.
Citou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e acrescentou: “Somente quem foi presidente é que sabe o que acontece. Eu nunca entrei nos porões do Palácio do Alvorada para saber se tinha uma, duas ou mil caixas.”
Lula repetidamente disse que não há provas contra ele no processo e chegou a alfinetar Moro ao longo da audiência. Afirmou que uma das causas da morte de Marisa foi “a pressão que ela sofreu” e questionou a divulgação de conversas de sua família, em 2016.
Em um momento, o petista disse que o juiz “soltou” o doleiro Alberto Youssef, que havia firmado acordo de colaboração no caso do Banestado, na década passada, e que voltou a ser detido na Lava Jato.
O petista reclamou do que chamou de “mês Lula” -acusações feitas nas últimas semanas por réus já condenados. “Foi o mês em que vocês trabalharam, sobretudo o Ministério Público, para trazer todo mundo para falar uma senha chamada Lula. O objetivo era dizer Lula. Se não dissesse Lula, não valia.”
Moro então pergunta se ele se acha vítima de conspiração. Resposta: “Não, eu entendo e acompanho pela imprensa, que pessoas como Léo Pinheiro, que está já há algum tempo querendo fazer delação. Primeiro ele foi condenado a 23 anos de cadeia. Depois se mostra na televisão como se vive a vida de nababo dos delatores. […] Delatar virou quase o alvará de soltura.”
As críticas dele à Lava Jato foram da apresentação de um PowerPoint em entrevista coletiva no ano passado até a não devolução de tablets de seus netos que foram apreendidos em uma ação de busca, também em 2016.
Lula se recusou a responder perguntas sobre o escândalo do mensalão, sentenciado no Supremo Tribunal Federal em 2012, e afirmou que já foi “julgado” nas urnas.
Afirmou que estava “encerrando” sua carreira política antes da Lava Jato, mas decidiu voltar a concorrer. “Depois de tudo o que está acontecendo, estou dizendo em alto e bom som que vou querer ser candidato em 2018.”
Ao fim, ele fez também um alerta ao juiz: “Esses mesmos que me atacam hoje, se tiverem sinais de que eu serei absolvido, prepare-se, porque os ataques ao senhor vão ser muito mais fortes”.
Moro disse: “Já sou atacado por bastante gente, inclusive por blogs que supostamente patrocinam o senhor”.
Os advogados de Lula, em entrevista coletiva, afirmaram que as perguntas feitas por Moro foram “perseguição política” e “ilegítimas”.
Para a defesa, as questões abordaram temas de fora da ação, como o sítio de Atibaia (SP) e o mensalão. (Folhapress)