Texto publicado originalmente no Tribuna do Planalto, com texto de Filemon Pereira e Murilo Soares

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‘Iris me disse para ser firme’

Na terça-feira, 1 de outubro, o deputado estadual e presidente do PMDB, Samuel Belchior, interrompeu um silêncio de dez dias e se defendeu das acusações de envolvimento com o esquema do doleiro Fayed Treboulsi – de se beneficiar de transações com prefeituras e outros órgãos públicos envolvendo títulos de previdência de servidores. A empresa de Fayed negociava títulos previdenciários “podres”, e oferecia propina a agentes públicos para conseguir as contas. Samuel, que se envolveu com Luciane Hoerpes, uma das agentes de Fayed, negou as acusações de envolvimento com o grupo. Segundo ele, teve apenas contato com a mulher, sem participar de nenhum negócio. Samuel Belchior afirmou que continua na presidência do PMDB e que hoje sua principal preocupação é “limpar seu nome”. O peemedebista disse ter obtido apoio do ex-governador Iris Rezende e que espera se livrar das acusações rapidamente. O deputado visitou a redação da Tribuna na quarta-feira, 2.

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Tribuna do Planalto – Em pronunciamento na Assembleia o senhor se defendeu das acusações envolvendo a Operação Miqueias. Como o sr. avalia a reação ao pronunciamento na Assembleia, tanto no partido quanto externamente?
Samuel Belchior – Internamente recebi apoio de todos desde o início. Eles conhecem o jogo político e sabem do que a política é capaz. Não estou dizendo que estou sendo investigado devido a um jogo político; respeito a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal. Mas, dali pra frente, o jogo é todo político: a divulgação, a forma e a velocidade em que as coisas vazam. Externamente também recebi muito apoio e isso me fortaleceu muito. Eu, assim como minha família, no início, ficamos muito abalados e nunca escondi isso. Tive de me recompor emocionalmente e melhorar minha situação em casa para depois ficar tranquilo para fazer o que estou fazendo agora: prestar todos os esclarecimentos que forem necessários.

O envolvimento do sr. nesse caso se dá exclusivamente porque o sr. conheceu e teve contato com Luciane Hoepers?
Somente isso. E digo mais, que também disse para a PF, além de tê-la conhecido, nunca a levei em nenhum prefeito, gestor previdenciário, nem governador – porque tem investigações de Estado também. Nem a levei, ela não fez algo por meu intermédio, também não me beneficiei de nada disso.  É uma situação totalmente desconecta dos fatos.

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Toda a investigação da PF aconteceu entre 2009 e 2012?
Não. De 2009 até agora. Mas a maioria dos negócios aconteceu de dezembro de 2012 pra trás. Até disse que fiquei muito abalado com o Jornal Nacional, da TV Globo. Lá, não saiu o nome de nenhum proprietário de empresa e de nenhum dos 122 que foram grampeados, mas saiu o meu nome como se fosse o lobista do grupo em Goiás. Percebi, nesse dia, que existia uma manipulação nas informações para que meu nome fosse exposto. Até mesmo porque, alguns dias depois, começou a vir a tona quem era quem no processo. Está no inquérito. Quem tiver interesse é só ler, porque já está em todos os meios de comunicação. Lá, aparece quem levou quem em qual prefeitura, quem apresentou quem e quem fez o que. Estou muito sossegado em relação a isso. O que disse à PF continuo dizendo e estou convicto: não levei, não agendei, não apresentei, que é o que deve ser considerado no que tange as investigações policial e judicial.

O sr. conheceu a Luciane esse ano?
Em março deste ano, em Campo Grande (MS). Por coincidência, há uma imobiliária que está fazendo uma parceria comigo lá, pois tenho uma empresa que desenvolve projetos de desenvolvimento urbano, e estávamos tentando – ainda estamos – fazer parcerias na cidade. Visitando uma série de terrenos, na hora do almoço, um amigo, que é militante do PMDB e estava com outros militantes, fez um telefonema e disse que estava comigo. Eles me disseram que estavam com um pessoal de Brasília e nos chamou para almoçar com eles. Foi nesse almoço que conheci a Luciane, alguns dias antes daquele almoço da fotografia da Polícia Federal, em que estou com os deputados Daniel Vilela e Leandro Vilela.

No inquérito diz 27 de março de 2012. Essa data está errada?
Está errado. Foi esse ano. Acredito que tudo tenha acontecido realmente no dia 27 de março, até porque em uma gravação do inquérito, na página 843, em que a Luciane conversa com uma moça chamada Cíntia, que data de 26/03/13 (Luciane comenta do almoço que terá com Samuel, em Brasília).

Esse almoço de Brasília chegou a ser marcado com antecedência?
Uns dois dias antes. Quem falou com ela fui eu, que já a havia conhecido. Avisei que estaríamos em Brasília e sugeri um almoço.

Ficou um ruído entre o que o sr. disse e o que o Daniel disse. Ele, de fato, a conheceu pessoalmente apenas no dia do almoço?
Pessoalmente, lá. O que eu disse, que foi bobeira, é que eu não sabia se ele a conhecia como artista, mas isso é irrelevante. Ele a conheceu pessoalmente lá, o que também é irrelevante. O que interessa aqui é se ele a levou em Aparecida de Goiânia, se ela fez algo por intermédio dele e se o que ele fez é irregular. E isso não aconteceu.

Nas prefeituras que fizeram negócios com esse grupo, há prefeituras que são de suas bases eleitorais?
Não, nenhuma. Não conheço nenhum dos prefeitos. Até poderia ter alguma base minha, pois fui o deputado mais votado da oposição nas eleições passadas. Mas não há nenhuma.

Duas falas tiveram muita repercussão: em uma determinada conversa o sr. a chamou de “chefa”; e, em outro momento, o sr. diz estar “trabalhando bonito” para ela.
“Chefe” é um habito que eu tenho. Chamo todos assim. É um chavão, um hábito comum na política. A questão do “trabalhando bonito” é a seguinte: no dia do almoço, por coincidência, Jamil, sobrinnho do Jardel (Sebba, prefeito de Catalão), estava sentado em uma mesa próxima à nossa, almoçando com alguns amigos. Então, ele, que é nosso amigo, sentou um pouco conosco e acabou conhecendo-a também. Então,  ela me ligou um dia e perguntou se eu tinha visto o Jamil e pediu para que quando o visse, a avisasse. Passados alguns dias, ele me fez uma visita na minha empresa e, conversando, lembrei-me do pedido dela e ele disse para que eu ligasse. Quando ela atendeu, fiz uma brincadeira, dizendo “estou te ligando e você não me atende. Estou trabalhando bonito para você”. Foi uma brincadeira que eu fiz.

O sr. avalia que errou naquele primeiro momento ao minimizar a situação, dizendo que tinha ido espontaneamente à PF e que não era investigado?
Na verdade, nunca tive muita prática com termos técnicos, que podem ter saído errado. E, agora, os conheço melhor por estar vivendo esta situação. Eu realmente não fui intimado coercitivamente, fui convidado. E, dentro de todo o inquérito, não sou indiciado, estou sendo investigado. Não me atinei a esses detalhes e certas coisas acabaram com outro sentido. Não foi de maneira intencional, foi por falta de conhecimento.

O sr. ficou envolvido nisso durante duas semanas e o partido ficou meio acéfalo. Em algum momento o sr. pensou em deixar o comando do partido?
Nunca pensei nisso, porque desde o início recebi muitas ligações da cúpula do partido me dando apoio. Fiquei muito à vontade e não tenho pensado em me afastar do partido. Meu projeto hoje é ajudar a organizar o PMDB para as eleições de 2014 e meu projeto político pessoal é somente limpar meu nome.

O sr. continua cuidando das filiações?
Não parei hora nenhuma. Avançamos muito. Filiamos muita gente e, nessa reta final, conseguimos consolidar muitas candidatura em minicípios que já não lançam candidato há muito tempo. Há uma boa chapa de deputados estaduais e também de federais, bem melhor do que tivemos em eleições passadas. Nesse ponto estou animado e motivado. O que temos de fazer agora é definir um calendário para esse resto de ano e ano que vem, o que será feito no dia 14 de Outubro.

O sr. avalia que consegue um salvo conduto da PF de forma rápida?
Não digo salvo conduto, mas acho que o inquérito andará rápido. Ou então tomará o caminho que precisa tomar. Tem muitas autoridades importantes envolvidas que ainda não foram nem citadas ou interrogadas. Acho que ainda pode ter uma sequência e um desdobramento.

Outras lideranças chegaram a cogitar que o sr. deixasse o partido?
Comigo, não. Quem me ligou sempre me deu apoio. Às vezes um ou outro pensou e divulgou a ideia em algum meio de comunicação, mas não sei. Seria um pouco fora de hora, porque o pessoal do partido, mais do que ninguém, sabe o que tá acontecendo.

Há uma tentativa de empatar essa questão de escândalos?
Pode haver. Não vamos descartar essa possibilidade. Hoje pode existir isso, mas daqui uns dias pode não existir mais, porque as coisas vão clareando e eles vão entendendo. O que está acontecendo comigo é completamente diferente. Conheci uma mulher em março deste ano, conversei com ela algumas vezes. Não a apresentei para ninguém, nem intermediei nada para ela. E, obviamente, não pratiquei nenhum tipo de crime.

Em algum momento o sr. foi apresentado ao doleiro Fayed Treboulsi?
Não. Nunca. Nem ele, nem nenhum dos nomes que me disseram aquele dia.

Quais são seus planos pessoais para 2014?
Meu plano hoje é limpar meu nome. Desde o início estou nesse projeto de tudo e de nada. Tenho dito isso constantemente: posso ser candidato à posição máxima aqui em Goiás, ou não ser candidato a nada. O projeto maior é organizar o partido e ter a satisfação maior de dizer que preparamos o partido para as eleições. E isso, com certeza, farei até o final. Pessoalmente, não tenho um projeto definido a não ser honrar minha imagem e meu nome.

O ex-governador Iris Rezende chegou a conversar com o sr. sobre esse episódio?
Quem mais tem conversado comigo é o Iris. Ele me contou muitas histórias que ele passou com seu irmão (Otoniel Machado) e tudo o que aconteceu na vida da família dele. No final de semana mesmo, ele chegou de viagem no sábado de manhã e no sábado à tarde passou um tempo lá em casa. Iris me disse para ser firme e que, quando estivesse preparado, falasse, sem receio. Até seguindo orientações dele, primeiro falei na Assembleia e depois vim para os meios de comunicação. Como na primeira semana ainda estava emocionalmente muito abalado, algumas pessoas me sugeriram e achei, realmente, melhor não falar. Tinha de estar mais firme para deixar as coisas bem claras.

PMDB defende que Samuel continue no comando

A executiva do PMDB e a maioria dos membros do partido não pensam em punição ou retirar o deputado estadual Samuel Belchior da presidência regional após seu suposto envolvimento em um esquema de desvio de dinheiro de fundos de previdência, segundo o inquérito da Operação Mi­queias da Polícia Federal. Também é discurso comum entre os colegas de partido que os fatos não prejudicam os projetos da sigla para 2014.
Inicialmente, Samuel Belchior se calou e não compareceu a Assembleia Legislativa. Emitiu apenas uma carta de esclarecimento. Mas na última terça-feira, 1° de outubro, o deputado usou a tribuna para se explicar e negou qualquer envolvimento com a quadrilha investigada. Ele também visitou a redação da Tribuna e concedeu entrevista (leia acima).

Bom discurso
O discurso do deputado surtiu efeito e foi elogiado por colegas de legendas, que diante das afirmações não planejam pedir o afastamento de Samuel Belchior. Além de receber uma nova oportunidade, Samuel conta com o apoio de partidários que minimizam os fatos. “Essa operação é uma coisa muito pessoal do Samuel. A legenda é grande e não é somente o Samuel”, explica o deputado estadual Luiz Carlos do Carmo. O parlamentar afirma que acredita no discurso de Belchior porque ele é um homem honesto e que não precisaria agir como lobista de uma quadrilha.
O deputado estadual Paulo César Martins (PMDB) também acredita no não envolvimento do presidente da legenda na quadrilha. Com relação à legenda, Martins diz que ela sai sim arranhada em virtude da pessoa envolvida ser o presidente. “Isso é natural, mas ainda não há nenhum indício de que o Samuel está envolvido com o esquema”, acredita.
Para o líder do PMDB na Assem­bleia, deputado Bruno Peixoto, Samuel já prestou todos os esclarecimentos e o partido analisando todo o desenrolar dos fatos não encontrou nada que possa incriminar o colega de Casa. “O PMDB acredita na verdade apresentada pelo deputado e entende que através das investigações da Polícia Federal está descartado o seu indiciamento. Não podemos condená-lo, pelo contrário, apoiamos o deputado porque acreditamos na sua inocência”, disse Bruno.

Saída
Mas não são todos os membros do partido que concordam com a manutenção de Samuel Belchior na direção do partido. O já declarado pré-candidato ao governo do Estado em 2014, ex-deputado Ivan Ornelas (PMDB), formalizou documento endereçado à executiva estadual do partido pedindo a autodissolução do diretório estadual.
“Como um dirigente insiste em continuar ser o presidente, se o seu nome está envolvido com uma quadrilha acusada de desviar dinheiro público investigada pela Polícia Federal? As conversas gravadas são fatos incontestáveis”, afirma Ivan Ornelas. (Marcelo Tavares)

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