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Política
| Em 3 anos atrás

“Liberdade de expressão não é absoluta” alerta Samuel Balduino em entrevista sobre ‘Eleições de Fato’, ação da OAB

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A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) lançou, nesta semana, o movimento Eleições de Fato, uma iniciativa da Comissão Especial de Combate à Desinformação e Corrupção Eleitoral (CECDCE) para lidar com a desinformação e possíveis corrupções na eleição de 2022, que vai escolher governadores, deputados, senadores e o presidente do País.

Para falar sobre a ação, o advogado e presidente da CECDCE, Samuel Balduino, concedeu uma entrevista exclusiva ao jornalista Domingos Ketelbey, do Diário de Goiás. Dentre outros pontos, Balduino reforçou que esta preocupado com a desinformação e sua interferência no período mais intenso de campanhas e no dia das eleições. “Uma vez que, apesar de as fake news serem utilizadas como estratégia e instrumento eleitoral, há muito tempo, né, não é de hoje que isso acontece, elas tomaram uma dimensão muito grande em razão das redes sociais, das mídias sociais, a amplitude delas ficou muito maior, o alcance delas ficou muito maior a partir das redes sociais”, disse ele durante a entrevista.

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Ainda na entrevista, Balduino comenta sobre fiscalização no período eleitoral, possíveis punições de quem agir contra a lei, liberdade de expressão e fake news. Confira na íntegra:

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DG:  Qual a principal preocupação da OAB em relação às eleições e porque esse movimento está sendo lançado? 

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S: A nossa preocupação é com a lisura e com a integridade do processo eleitoral. A gente sabe que a corrupção eleitoral, genericamente falando, pode interferir e influenciar no resultado das eleições. A nossa preocupação é essa. Se eu puder falar de uma forma mais ampla. De forma mais específica, existem alguns pontos que nos trazem um pouco mais de preocupação em razão dos instrumentos utilizados e em razão do processo, né, das novidades que nos são apresentadas e, talvez a maior preocupação então, eu poderia responder, seria a desinformação, a divulgação de fake news. Uma vez que, apesar de as fake news serem utilizadas como estratégia e instrumento eleitoral, há muito tempo, né, não é de hoje que isso acontece, elas tomaram uma dimensão muito grande em razão das redes sociais, das mídias sociais, a amplitude delas ficou muito maior, o alcance delas ficou muito maior a partir das redes sociais. Eu posso dizer que apesar da nossa preocupação ser com a integridade de todo o processo e com o enfrentamento de todo tipo de corrupção, especificamente, a maior preocupação hoje é a desinformação. Até por vermos as outras formas de corrupção, vamos dizer assim,  elas já têm sido enfrentadas e já há um know how por parte dos órgãos e da justiça eleitoral no seu combate, na sua responsabilização. A grande preocupação hoje, de fato, é a desinformação e as fake news.

DG: Como materializar o que seria corrupção eleitoral?

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S: Qualquer delito eleitoral utilizado para, de alguma forma, interferir no processo. Compra de voto? Corrupção eleitoral. Publicidade irregular, publicidade proibida, vedada, é uma forma de corrupção. As condutas vedadas por agentes políticos, por exemplo, um prefeito ou um agente político que se utiliza da máquina pública para beneficiar um certo candidato, é uma forma de corrupção. O oferecimento de vantagens em troca do voto, né, que a gente chama de captação ilícita ou compra de votos, é uma forma de corrupção. Todos os, ao final e ao cabo, todo tipo de conduta ilícita, proibida pela legislação, mas mesmo assim utilizada pelo candidato para se beneficiar de alguma forma, ela é considerada como corrupção eleitoral. 

DG: De tudo que você disse são exemplos materiais, claros, então é mais fácil fiscalizar e punir. Como distinguir que é desinformação e cravar que determinada matéria, ela não é uma matéria jornalística, ela é uma matéria fake? Como dar materialidade a esse fato?

S: Essa é a grande dificuldade, mas a gente tem parâmetros. Nós fizemos esses parâmetros, especificamente. Então, por exemplo, vou te dar um exemplo ilustrativo aqui. Quando alguém fala que o processo eletrônico de votação possui fraude, é fraudado, de alguma forma é falho, isso é uma informação que não condiz com a verdade na medida em que nós não temos nenhum indício, muito menos constatação de que há existência de fraude. A ocorrência de problemas durante uma votação ou outra, pontual, ela é normal, ela sempre aconteceu, ela sempre acontecerá, porque é um processo coordenado por seres humanos, né, é evidente. Agora, falar que há fraude, que poderá, que haverá fraude, que o sistema não funciona, que o sistema é frágil porque tem fraude, isso não é verdade porque nós não temos nenhuma constatação disso. Aliás, nós nunca tivemos nenhum indício disso, pra ser bastante objetivo dizendo. Então, a gente precisa utilizar parâmetros, esses parâmetros que nós temos, esses paradigmas, é que nós fazemos a comparação para saber se uma informação prestada é verdadeira ou não é verdadeira. Agora, quando a gente não possui parâmetros, o que nós podemos fazer é esclarecer. Mais uma vez, se lançaram, quando lançam uma informação. “Ah, tem um problema assim, assim, assim, em determinado lugar, ou, um determinado candidato, ele foi condenado por alguma irregularidade, orientando a não votar nesse candidato ou falando que ele pode ser  cassado a qualquer momento.” O que nós temos como parâmetro? A busca de informações. Ele foi condenado mesmo, existe alguma  publicação de condenação, existe alguma coisa? Não, não existe, não foi encontrado, pode até ser que tenha, mas não foi encontrado. Então a gente esclarece: não foi encontrada nenhuma informação nesse sentido. Agora, se houver condenação, efetivamente, transitado e julgado pelo e colegiado, pode ser que ele não tenha o registro indeferido. Então, são essas maneiras que nós temos, ou de esclarecer aquilo que não tem um parâmetro contundente, claro e objetivo para comparar, aquilo que nós temos, aí nós temos que cravar e dizer “ó, isso não é verdade, porque a verdade é essa. É mais ou menos assim que nós temos que agir, né.

DG: Então essa comissão, essa ferramenta, não é uma ferramenta de poder criar mecanismos para punir quem produz e quem divulga uma fake news, mas sim, esclarecer que aquela notícia que a pessoa está compartilhando não é tão confiável assim. Seria semelhante a uma agência de fact checking?

S: Nós não vamos punir, porque nós não temos essa atribuição, a OAB não tem essa atribuição. Mas o que nós vamos fazer? Recebida a denúncia, aquilo que nós pudermos, que depender da nossa checagem, nós vamos responder com essa checagem. Nós temos um, nós firmamos um termo de cooperação com uma instituição de ensino, com uma faculdade de jornalismo e comunicação social, eles vão nos auxiliar nesse processo, nesse trabalho de checagem. Então aquilo que a gente puder checar e responder, nós vamos fazer isso. Para além disso, aquilo que nós constatarmos, ainda que em forma indiciária, configura uma irregularidade, uma ilicitude, uma conduta ilícita, nós vamos encaminhar para o Ministério Público Eleitoral para que as providências sejam tomadas. 

DG: Então vai haver um encaminhamento para que futuramente para que os envolvidos sejam penalizados?

S: Isso mesmo. Nós vamos fazer esse encaminhamento. 

DG: Punir quem? Quem produz ou quem dissemina?  Como fazer esse tipo de controle?

S: Aí é a atuação de cada um de nós mesmo. Existem alguns princípios utilizados, vamos dizer assim, utilizados por quem se utiliza das fake news para algum objetivo claro e direto que é possível perceber. Então, primeiro de tudo: uma fake news sempre vem de um veículo cuja credibilidade não foi constatada, demonstrada pela própria sociedade. É muito comum que veículos criados, supostamente veículos, sites, criados muito recentemente e utilizados para começar a veicular informações ou desinformações propriamente ditas. Esse é o primeiro ponto.

Segundo, a fake news, ela atua no emocional do seu destinatário. Então, para que uma fake news efetivamente ressoe internamente naquela pessoa que vai receber, os detalhes tem que ser claros e específicos para que atue no emocional dele  para que ele efetivamente acredite naquela fake news de forma até, quase cega, sem querer procurar outra informação. O que ativa o gatilho emocional dessas pessoas? São manchetes sensacionalistas, aquelas manchetes graves, que de antemão a pessoa, ao ler simplesmente a manchete, ela “ó, fulano de tal desmascarado por alguém”, “descubra a verdade”, essas manchetes sensacionalistas tendem a trazer junto com elas uma fake news, então, é importante que as pessoas desconfiem disso, propriamente dito.

Além disso, e para além de tudo isso, o que é mais importante? Na dúvida, percebendo a falta de credibilidade do veículo, ou mesmo, as manchetes sensacionalistas, na dúvida, pesquise. Se não encontrar nada, não compartilhe, porque você encerra aquela corrente. E se aquilo for realmente verdade, mais de um veículo vai divulgá-lo, não é só aquele através do qual chegou pra você, né, para o eleitor. E não compartilhar faz com que essa corrente se encerre de disseminação de fake news. 

DG: E quando isso nasce de uma corrente de whatsapp por exemplo. Dá para controlar esse tipo de situação?

S: É o trabalho de conscientização. O que a gente tem que falar e tem que conscientizar é que corrente de Whatsapp ela não é uma informação, ela não é um canal oficial com crédito, com credibilidade para divulgar uma informação, e acreditar em qualquer informação não auxilia na melhora pra situação de ninguém. Então se a nossa intenção é votar no melhor candidato, na melhor pessoa, para que melhore a nossa qualidade de vida, para que melhore a nossa situação, aquela pessoa que se vale de uma mentira, de uma desinformação  por uma corrente de Whatsapp, ela não é a melhor pessoa para gerir. O reflexo virá a partir do momento que ela for eleita. A gestão dela vai refletir as mentiras que foram contadas durante a campanha. Então, o que nós temos que fazer nesse caso, nós não temos as condições de simplesmente acabar com a utilização de fake news a não ser por meio da conscientização e minimizar os seus efeitos. Até porque fake news sempre existiu: boatos, mentira, fofoca, ela sempre existiu, e sempre existiu como estratégia de campanha, inclusive.

A dimensão é que ficou maior, como eu bem disse para você, a amplitude da chegada das fake news, a amplitude de alcance das fake news é que ficou maior, e o que nós precisamos fazer é minimizar os seus efeitos, e o que nós temos condições de fazer é minimizar os seus efeitos. Sobre pena ou sobre o risco, o que é muito importante, de esbarrar na violação do princípio da liberdade de expressão. A liberdade de expressão, ela não é absoluta, eu não estou dizendo isso. Mas eu estou querendo dizer que em algum momento a liberdade de expressão vai se esbarrar com a busca, a restrição, a conscientização, o enfrentamento às fake news. E se a gente quiser acabar totalmente com as fake news, a gente vai, sim, se esbarrar na liberdade de expressão. Nós temos que ter o cuidado e o equilíbrio de conscientizar e enfrentar, para minimizar os efeitos sem restringir a liberdade de expressão. 

DG: A crítica a esses projetos é que isso limita a liberdade de expressão. Como você responderia a uma crítica dessa?

S: A liberdade de expressão é isso que eu estou te falando. A liberdade de expressão, ela não é absoluta. Então, na medida em que ela for nociva, na medida em que a minha liberdade de expressão ela for nociva à coletividade, à outro indivíduo, ela vai ser efetivamente punida. Não tenha dúvida disso. O problema é que, não é que, o que eu quero que você entenda é o seguinte. Não é que a liberdade de expressão seja absoluta e nós não podemos ‘tolí-la’, isso é um ponto. A verdade é que, em algum ponto, a liberdade, nós não conseguimos combater de forma absoluta a desinformação ou a fake news sem restringir a liberdade de expressão. Isso é o ideal. A gente gostaria, nós gostaríamos muito de conseguir fazer isso, mas a gente não tem instrumentos para isso, pelo menos por enquanto. A não ser conscientizar as pessoas para que, voluntariamente, trabalhar um processo de educação, de cultura, para que as pessoas cada vez menos se utilizem e acreditem em fake news, para que elas deixem e se abstenham de utilizar e utilizem a sua liberdade de expressão da melhor maneira possível.

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Carlos Nathan Sampaio

Jornalista formado pela Universidade Federal e Mato Grosso (UFMT) em 2013, especialista Estratégias de Mídias Digitais pelo Instituto de Pós-Graduação e Graduação de Goiânia - IPOG, pós-graduado em Comunicação Empresarial pelo Senac e especialista em SEO.