“O livro é um território de liberdade. Eu acredito que as pessoas têm liberdade para tudo, inclusive para escolher o que querem ler. Não cabe aos editores censurar”, afirmou a escritora portuguesa Djaimilia Pereira de Almeida em debate na Casa Folha, na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), neste domingo (30).
A autora, que participou da mesa “Literatura Fora do Eixo”, se referia à atuação dos leitores sensíveis, revisores que vêm sendo contratados por editoras para identificar conteúdos ofensivos a minorias. “Se você censura os livros antes de eles saírem, tira das pessoas a capacidade de decidirem o que não querem ler”.
Para o editor da revista literária “Quatro Cinco Um”, Paulo Werneck, que também participou do debate, ainda mais grave são os “pais sensíveis”, que vão às escolas pedir que livros sejam retirados da grade curricular.
Werneck citou o caso de “Lá Vem História: Contos do Folclore Mundial”, de Heloisa Prieto, que foi rejeitado por pais de alunos ao retratar um casal homossexual.
“O leitor sensível mais perigoso é esse aí, que tenta impedir o trabalho dos professores, a descoberta do livro pelas crianças e bloqueia o avanço da literatura”, disse o editor.
A mediação, feita pela jornalista Patricia Campos Mello, também abordou temas relacionados à apropriação cultural e à representação negra na literatura.
Ao ser questionada sobre a possibilidade de uma mulher branca ter escrito seu livro, “Esse Cabelo”, que aborda a relação de uma menina negra com seus cabelos cacheados, Djaimilia disse gostar de pensar que não seria impossível.
“A literatura funciona de tal forma que, se a escritora fosse incrível, extraordinária, ela conseguiria. A literatura na verdade exige que você se ponha no lugar do outro”, afirmou a autora, que venceu o Prêmio Novos -Literatura de 2016 com o romance.
No entanto, Djaimilia considera -mais importante do que qualquer uma dessas questões- essencial que se tenha liberdade -não só na literatura, mas em todos os aspectos, inclusive os identitários. “Gosto sobretudo de garantir que somos livres. Somos pessoas, antes de mais nada.”
A autora reforçou a importância de se aceitar como era e amar o cabelo que tinha para poder dar voz a milhares de outras meninas que, como ela, já se sentiram feias por terem os cabelos crespos.
“Se eu tivesse o cabelo que sonhava ter quando era criança, loiro, liso e lindo, o livro não existiria, e eu, com certeza, não estaria aqui. Temos que nos olhar no espelho, ver esses cabelos despenteados e sermos capazes de achar engraçado. Não podemos nos penitenciar”. (Folhapress)