A 2ª Vara da Justiça do Trabalho, em Aparecida de Goiânia, condenou sete empresas de Goiás a contratarem pilotos e co-pilotos de aeronaves que prestam serviços para elas, considerando que houve fraude em terceirização. A sentença é da juíza titular, Eneida Martins Pereira de Souza. A magistrada atendeu parcialmente o pedido da Procuradoria do Trabalho. Da decisão cabe recurso em instância superior.
O Diário de Goiás vem mostrando, com exclusividade, desde outubro, o andamento da denúncia apresentada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). A sentença foi expedida em 19 de dezembro.
A decisão atingiu as empresas: Aerofaz Administração e Serviços Ltda, Martins Ribeiro Participações Ltda (Grupo Novo Mundo), Real Distribuidora e Logística Ltda, Nova Moda Confecções Ltda (Grupo Jean Darrot), Agroquima Produtos Agropecuários Ltda, Lee Empreendimentos Imobiliários Ltda e Credimais Fomento Mercantil Eireli,
As situações irregulares na prestação de serviço foram denunciadas por pilotos ao Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) há mais de três anos. O sindicato acionou a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Goiás (SRTE/GO) em outubro de 2020.
Ocorreu uma auditoria da superintendência em 11 empresas, abrangendo 18 aeronaves, algumas com mais de seis tripulantes em situação irregular. Apuradas as falhas, o MPT denunciou as sete acima por fraudes.
A procuradora que impetrou a ação, Milena Cristina Costa, apontou que as empresas recorriam a uma terceirização ilícita que afronta a legislação do setor aéreo. Especialmente a Lei do Aeronauta (Lei n. 13.475/2017), em seu artigo 20º, que determina a contração. Também a Lei da Terceirização (lei 13.467/2017) coloca como única exceção justamente os aeronautas. O mesmo entendimento teve o Sindicato Nacional dos Aeronautas, ouvido pelo DG em outubro.
Eles apontam que essa relação favorece problemas como falta de descanso, de reciclagem e até de normas de segurança que podem ser averiguadas através dos vínculos exigidos pela lei. Isto, sem contar a perda dos direitos trabalhistas convencionais.
Em muitos casos o cenário foi considerado muito grave por que sequer foram enviados documentos solicitados pelos fiscais. Com isso, mostraram as reportagens do DG, era impossível saber, por exemplo, se toda a tripulação possuía o Certificado de Habilitação Técnica (CHT) e Certificado Médico Aeronáutico, exigidos.
A magistrada determinou que as empresas rés procedam o registro na condição de empregados dos aeronautas, pilotos e co-pilotos que prestem serviço para elas. Ela justifica na sentença: “É irregular o trabalho intermitente de aeronautas, nos termos do §3º do art. 443 da CLT, bem como é irregular o trabalho dos aeronautas sem registro como empregado quando o serviço aéreo não for atividade-fim da empresa, por até 30 (trinta) dias consecutivos e não podendo ocorrer mais de 01 (uma) vez ao ano, nos termos do art. 20, caput e §§ 1º e 2º da Lei n. 13.475/2017, sob pena de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por cada aeronauta sem registro, a cada constatação da irregularidade”.
Ao condenar as empresas a contratarem os pilotos e co-pilotos que prestam serviços para elas, a juíza da 2ª Vara da Justiça do Trabalho, considerou que houve fraude em terceirização. E destacou que, embora as empresas não sejam do ramo da aviação, elas “são operadoras (e/ou proprietárias) de aeronave que, não sendo homologadas para táxi aéreo, são utilizadas para a consecução de seus objetos sociais”.
Desta forma, estão sujeitas à legislação do setor. Contudo, utilizavam da “contratação ilícita” de uma empresa sem efetuarem diretamente a contratação dos aeronautas.
Essa empresa, a FBO Brasil Flight Support Gerenciamento e Administração, se apresentou e foi aceita no processo como parte interessada por ser a empresa que terceirizava alguns dos pilotos. Dessa forma, a sentença condenatória não recai sobre ela.
Por outro lado, a magistrada citou que não há comprovação de habilitação no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) da FBO como operadora das aeronaves identificadas nos autos de infração.
O MPT também havia pedido na ação que as rés fossem condenadas ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 70 mil. O pedido foi negado pela magistrada.
Ela considerou que não cabia danos morais coletivos. Ela não viu ofensa causando repercussão na coletividade como um todo, “gerando repulsa geral da sociedade diante do ato antijurídico”, que é uma das determinantes.
Conforme a juíza, o “ilícito” foi perpetrado contra aeronautas prestadores de serviços das rés. De acordo com ela, eles podem buscar os meios legais disponíveis para satisfação individualmente.
“Logo, a terceirização ilícita levada a cabo pelas demandadas não caracteriza violação de direito difuso, pois a lesão decorrente dessa falta atinge diretamente apenas os trabalhadores”, decidiu.
A procuradora Milena antecipou que vai recorrer desse trecho da decisão na próxima semana.
A reportagem buscou ouvir nesta terça-feira (9) os defensores das sete empresas condenadas.
Isabela Santos Moraes Luz, que representa a Aerofaz, a Martins Ribeiro e dois sócios da FBO, destacou que aguarda ser intimada para apresentar um recurso (embargos de declaração) que ainda cabe junto à 2º Vara. “No caso dos meus clientes, o uso da pilotagem foi de forma específica, através da FBO. Ela era a operadora das aeronaves como consta no registro aeronáutico brasileiro”, insiste ela.
Se os embargos não tiverem sucesso, a advogada disse que os clientes vão recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT).
A advogada Caroline Calaça Correia, gerente do Departamento Jurídico da Real Distribuidora, informou que já preparou as peças e também vai entrar com embargos contra a sentença. “A juíza não analisou nenhuma das nossas contestações e estamos bastante confiantes de que essa decisão será alterada”, afirmou. Se o recurso na primeira instância não for aceito, ela também pretende recorrer.
O advogado da Agroquima Produtos Agropecuários, Tadeu de Abreu Pereira, também fará interposição de embargos de declaração. Além disso, possivelmente fará recurso ordinário para o TRT.
Ele argumenta que “não foi levado em consideração que a Agroquima possui piloto registrado como empregado e cumpre todas as normas de segurança, bem como a legislação do aeronauta e trabalhista aplicáveis”. Também cita que, a prova dessa situação é que, “juntamente com a contestação apresentada na ação civil pública, a Agroquima juntou a ficha de registro do piloto, diários de bordo e todos os recibos de pagamento das verbas trabalhistas”.
Tadeu de Abreu também atua para a Lee Empreendimentos Imobiliários na ação. Sobre ela, ele apontou que “a empresa não se conforma com a sentença proferida e apresentará, a tempo e modo, as medidas recursais cabíveis”.
A advogada da Credimais, Tatiane Carvalho Alves Melo, estava em atendimento na hora do contato da reportagem e não retornou ao recado deixado no escritório.
Rafal Lara Martins, advogado do Grupo Nova Moda, não retornou ao recado deixado na secretária eletrônica do escritório. Em outubro, o dono do grupo, o empresário Jânio Darrot informou apenas que o avião tinha sido vendido.