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Categorias: Política
| Em 8 anos atrás

Juiz anula votos e PTN pode ficar sem seus dois vereadores na Câmara de Goiânia

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Em sentença publicada nesta terça, 20, o juiz Átila Naves Amaral reconheceu fraude eleitoral “perpetrada” pelo PTN na eleição passada, declarando “perda dos mandatos” e “nulidade da votação obtida pelo partido nas eleições proporcionais 2016 em Goiânia”.

“Como corolário lógico da declaração acima, casso os diplomas, tanto dos candidatos eleitos como dos suplentes, vinculados ao partido mencionado, exitosos nas eleições municipais do ano de 2016”, decidiu o juiz.

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O PTN elegeu, no ano passado, os vereadores Sargento Novandir e Emilson Pereira, que podem agora perder o mandato. A decisão não é definitiva. Cabe recurso ao TRE. Se confirmada, a Câmara terá dois novos vereadores. Um deles pode ser o autor da ação que motivou a decisão do juiz, ex-vereador Carlos Soares (PT).

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Na ação, é denunciada fraude na inscrição de candidatas a vereadora com o único fim de “suprir contingente de gênero exigido pela legislação”. Três delas não teriam tido sequer o próprio voto, “além do que apresentaram contas dúbias, não tendo auferido receitas ou contratado despesas bem como, ainda, não providenciaram abertura de conta para as respectivas eleições”.

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A seguir, a íntegra da sentença:

——

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S E N T E N Ç A

Trata-se de ação de impugnação de mandato eletivo proposta por Carlos Antônio Soares em face de Novandir Rodrigues da Silva, Emilson Pereira e Diretório Municipal do Partido Trabalhista Nacional – PTN, já qualificados.

O autor narra fraude perpetrada pelos requeridos no Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) em virtude da inscrição de candidatas a vereadora unicamente com o fim de suprir contingente de gênero exigido pela legislação conforme artigo 10, §3º da Lei 9.504/97 e o artigo 20, §2º da Resolução TSE nº 23.455/2015.

Alegaram que três candidatas registradas pelo partido não tiveram votos, sequer o próprio, além do que apresentaram contas dúbias, não tendo auferido receitas ou contratado despesas bem como, ainda, não providenciaram abertura de conta para as respectivas eleições.

Aduziu, por fim, que tal fato se dá como forma de burlar lei que visa incentivar a participação feminina na política e, presume, a prática de ato ilícito vez que as mulheres que se prestaram a essa conduta receberam contraprestação.

Requereu a anulação do DRAP e dos diplomas dos candidatos.

Juntou documentos às fls. 28/68.

Decisão, nas fls. 73/77 onde reconheceu-se a ilegitimidade passiva do Diretório Municipal do Partido Trabalhista Nacional – PTN bem como indeferiu a citação dos candidatos suplentes. Ainda, deferiu a notificação de litisconsortes passivos.

Notificados os requeridos, Emilson Perreira ofertou defesa conforme fls. 107/150, Maria Aparecida de Oliveira Sousa apresentou sua defesa nas fls. 152/170, Novandir Rodrigues da Silva às fls. 177/194, José Ronaldo Gomes às fls. 198/216, Johnathan Tarley Alga dos Reis Rodrigues nas fls. 219/237.

Os réus alegaram, em sede de preliminar, sobre a inadequação da via eleita vez que para a apuração do cometimento da suposta fraude o autor deveria ter proposto ação de impugnação de registro de candidatura. Ainda, diz que a DRAP foi devidamente julgada e que o meio hábil a se desconstituir a coisa julgada seria a ação rescisória.

Ainda em sede de preliminar, suscitam as ilegitimidades passivas tanto dos eleitos como dos suplentes, bem como impossibilidade de depoimento das candidatas arroladas.

Meritoriamente dizem que não há comprovação de fraude eleitoral.

Audiências de instrução e julgamento, com oitiva de testemunhas, realizadas conforme fls. 279/286 e 312/314.

Alegações finais, pelas partes, às fls. 317/356, 386/402.

O Ministério Público Eleitoral manifestou pela procedência da presente ação (fls. 357/384).

Os autos vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório. DECIDO.

A princípio, destaco que, diante da ausência de normas que regulem processos eleitorais, serão aplicadas supletiva e subsidiariamente as disposições do Código de Processo Civil, para o julgamento da presente representação, nos termos do art. 15 do referido diploma normativo.

Ainda, vislumbro ser, neste momento, necessários os esclarecimentos acerca das preliminares aventadas nas defesas.

No que se refere à preliminar de inadequação da via eleita, a mesma não merece prosperar haja vista que a constatação de fraude posterior a diplomação não impede o regular exercício do ajuizamento de impugnação nos moldes realizados pelo autor.

O art. 222 da Lei n. 4.737, de 15.7.1965, Código Eleitoral vigente, teve parte de sua redação suprimida. O texto original trazia dois parágrafos, o primeiro deles com quatro incisos, nos quais se estabelecia os princípios a serem seguidos em processo cujo objetivo era produzir a prova necessária à anulação da votação por falsidade, fraude, coação, etc.

Tal processo apartado, incidente e de rito bastante sumário, deveria estar julgado antes da diplomação e, de acordo com a previsão do § 2º, a sentença anulatória de votação, conforme a intensidade do dolo ou grau da culpa, poderia denegar o diploma ao candidato responsável, independentemente dos resultados escoimados de nulidades.

Com a revogação de seus parágrafos por meio da Lei n. 4.961, de 4.5.1966, o mencionado art. 222 ficou com a seguinte redação:

“Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei” .

Em 1986, com a edição da Lei n. 7.493, que regulamentava as eleições gerais daquele ano, o art. 23 estabeleceu:

¿Art. 23. A diplomação não impede a perda do mandato, pela Justiça Eleitoral, em caso de sentença julgada, quando se comprovar que foi obtido por meio de abuso do poder político ou econômico” .

Mas foi a Lei n. 7.664, de 29.6.1988, que disciplinou o pleito municipal daquele ano, que tratou de uma ação de impugnação de mandato eletivo propriamente dita, ao determinar:

“Art. 24. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante à Justiça Eleitoral após a diplomação, instruída a ação com provas conclusivas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude e transgressões eleitorais.

Parágrafo único. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé” .

Assim, a meu ver, mesmo com a DRAP julgada, não há óbice ao ajuizamento posterior de ação visando a impugnação de mandato, isto porque, dentro do prazo previsto no §10 do artigo 14 da Constituição Federal, poderão os legitimados promoverem o manejamento de ação visando cassar mandato de agente político quando comprovado o abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.

Já no que se refere a preliminar de ilegitimidade dos eleitos e suplentes relacionados no polo passivo da ação, melhor sorte não lhes assiste.

Os requeridos suscitaram tal preliminar sob a alegação de que na verdade não tem relação com a suposta fraude e que, inclusive, sequer as candidatas que realizaram o registro possivelmente fraudulento foram incluídas no polo passivo.

Pois bem.

É de se ver que a legitimidade dos réus é clara já que, independentemente de imputar culpa às candidatas inscritas e não eleitas, foram aqueles os reais beneficiários da vantagem auferida com a possível fraude perpetrada, em conluio, entre eles e o partido e serão também eles a suportar o ônus de eventual procedência da ação.

Sobre a legitimidade ad causam, transcrevo as lições de Cândido Rangel Dinamarco:

“Legitimidade ad causam é a qualidade para estar em juízo como demandante ou demandado, em relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado desta virá a ter sobre sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou para restringi-la. Sempre que a procedência de uma demanda seja apta a melhorar o patrimônio ou a vida do autor, ele será parte legítima, sempre que ela for apta a atuar sobre a vida ou patrimônio do réu, também esse será parte legítima. Daí conceituar-se essa condição da ação como relação de legítima adequação entre o sujeito e a causa”. (Instituições de Direito Processual Civil, Vol. II, Ed. Malheiros, pág. 303)

Pondo termo às preliminares, entendo que resta prejudicada a análise referente à impossibilidade de tomada de depoimento das testemunhas haja vista que algumas das candidatas registradas pelo partido para participação nas eleições de 2016 foram ouvidas, motivo pelo qual perdeu-se o objeto de referida preliminar.

Assim sendo, além da perda do objeto de uma, rejeito as demais preliminares arguidas pelos réus.

Passo a análise do mérito da peça de ingresso desta impugnação.

A presente Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo – AIME tem previsão constitucional no §10 do art. 14 da Constituição Federal, que prevê:

10 – O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

No presente caso, lê-se da causa de pedir e do pedido apresentado que os impugnantes afirmam que teria havido fraude na inscrição de candidatas do sexo feminino, o que ofenderia aos limites do §3º do art. 10 da lei das eleições.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, em recente evolução, passou a entender que a falsidade, tanto material quanto a ideológica, motivam o ajuizamento da AIME. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO. FRAUDE. COEFICIENTE DE GÊNERO.

Não houve violação ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem se manifestou sobre matéria prévia ao mérito da causa, assentando o não cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo com fundamento na alegação de fraude nos requerimentos de registro de candidatura. O conceito da fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei. A inadmissão da AIME, na espécie, acarretaria violação ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição.

Recurso especial provido.

(TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 149, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 21/10/2015, Página 25-26)

No mesmo sentido:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL INTERPOSTO POR DANIEL NETTO CÂNDIDO E ÉLIO PEIXER. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. OMISSÃO DO DECISUM REGIONAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 275 DO CÓDIGO ELEITORAL. REENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. VERIFICAÇÃO DE FRAUDE NA SUBSTITUIÇÃO DE CANDIDATO EM PLEITO MAJORITÁRIO. AUSÊNCIA DA OBSERVÂNCIA DO DEVER DE AMPLA PUBLICIDADE. SUBSTITUIÇÃO OCORRIDA ÀS VÉSPERAS DA ELEIÇÃO. CONDUTA QUE ULTRAJA O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO EFEITO SURPRESA DO ELEITOR E DA LIBERDADE DE ESCOLHA DOS VOTOS. POSSIBILIDADE DE APURAÇÃO DE FRAUDES DURANTE O PROCESSO ELEITORAL EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE COMO ESPÉCIE DO GÊNERO ABUSO DE PODER. NECESSIDADE DE SE REPRIMIR, O QUANTO ANTES, PRÁTICAS QUE POSSAM AMESQUINHAR OS PRINCÍPIOS REITORES DA COMPETIÇÃO ELEITORAL. TRANSMISSIBILIDADE DE EVENTUAIS ILÍCITOS PRATICADOS POR INTEGRANTES DA CHAPA ORIGINÁRIA À NOVEL COMPOSIÇÃO. MEDIDA QUE SE IMPÕE

COMO FORMA DE COIBIR A PRÁTICA DE ABUSOS ELEITORAIS E A CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO, CAPAZES DE VULNERAR A HIGIDEZ E A NORMALIDADE DO PRÉLIO ELEITORAL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(¿)

A ratio essendi ínsita a este regramento consiste em evitar, ou, ao menos, amainar os impactos deletérios da substituição dos candidatos em momentos próximos ao pleito (e, regra, às suas vésperas), que surpreendem negativamente os eleitores. Cuida-se, então, de garantia normativa de não surpresa do eleitor.  O postulado da liberdade de escolhas dos cidadãos sobressai como vetor metanormativo para a exigência de ampla publicidade da substituição em pleitos majoritários. Toda fraude é uma conduta abusiva aos olhos do Direito. 

(¿)

g) O abuso de poder, num elastério hermenêutico, resta caracterizado com a renúncia de candidato, sabidamente inelegível (possuía uma condenação em AIJE transitada em julgado com o reconhecimento de inelegibilidade, a teor do art. 22, XIV, da LC 64/90), oportunizando a substituição da chapa em pleito majoritário, às vésperas do pleito, sem a contrapartida exigida de ampla publicidade, por ultrajar a ratio essendi que justifica a existência jurídica da ação de investigação judicial eleitoral.  A transmissibilidade de eventuais ilícitos praticados por integrantes da chapa originária à novel composição é medida que se impõe como forma de coibir a prática de abusos eleitorais e a captação ilícita de sufrágio, capazes de amesquinhar a higidez e a normalidade do prélio eleitoral.

(¿) (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 63184, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Volume , Tomo 192, Data 05/10/2016, Página 68/70)

Extrai-se assim, desse entendimento, que a parte autora pleiteia anulação da DRAP e dos diplomas dos candidatos em virtude de burla a lei eleitoral quando efetivaram a inscrição de candidatas do sexo feminino apenas para atender a determinação do artigo 10, §3º da Lei 9.504/97 e o artigo 20, §2º da Resolução TSE nº 23.455/2015.

O art. 10, §3°, da Lei nº 9.504/97, após redação dada pela Lei nº 12.034/09, dispôs o seguinte:

“Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinquenta por cento do número de lugares a preencher.

3°. Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo” .

O texto anterior estabelecia:

¿§3°. Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido político ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo” .

Com a atual redação, na dicção do texto, a compulsoriedade da reserva de contingente é manifesta, pois a lei determina que o partido/coligação respeitará o percentual, não restando lacuna para o entendimento de que basta a simples reserva.

O TSE, chamado a interpretar a alteração legislativa, foi firme em fixar entendimento de que essa norma é cogente e obrigatória, conforme pode ser constatado pelas seguintes ementas:

“Candidatos para as eleições proporcionais. Preenchimento de vagas de acordo com os percentuais mínimo e máximo de cada sexo. I. O § 3′ do art. 10 da Lei n’ 9.504/97, na redação dada pela Lei n’ 12.03412009, passou a dispor que, “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”, substituindo, portanto, a locução anterior “deverá reservar” por “preencherá”, a demonstrar o atual caráter imperativo do preceito quanto à observância obrigatória dos percentuais mínimo e máximo de cada sexo. 2. O cálculo dos percentuais deverá considerar o número de candidatos efetivamente lançados pelo partido ou coligação, não se levando em conta os limites estabelecidos no art. 10, caput e§ 1′, da Lei n’ 9.504197. 3. Não atendidos os respectivos percentuais, cumpre determinar o retomo dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral, a fim de que, após a devida intimação do partido, se proceda ao ajuste e regularização na forma da lei. Recurso especial provido”. (TSE. Recurso Especial Eleitoral nº 78432/PA. Rel. Ministro Arnaldo Versiani. Julgado de 12.08.2010)

“AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2010. REGISTRO DE CANDIDATOS. DRAP. DEPUTADO ESTADUAL. PERCENTUAIS PARA CANDIDATURA DE CADA SEXO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 10, § 3′, DA LEI DAS ELEIÇÕES. CARÁTER IMPERATIVO DO PRECEnD. DESPROVIDO. I. Esta Cone Superior, diante da nova redação do art. 10, § 3′, da Lei das Eleições, decidiu pela obrigatoriedade do atendimento aos percentuais ali previstos, os quais têm por base de cálculo o número de candidatos efetivamente lançados pelos partidos e coligações. 2. Agravo regimental desprovido. (grifei) Portanto, a alteração legislativa levada a efeito pela Lei n. 12.034/09 objetivou a inclusão da mulher na participação do processo eleitoral”. (TSE. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 84672/PA Rel. Ministro Marcelo Ribeiro. Julgado: 09.09.2010)

O caso dos autos repercute na esfera probatória vez que, por tratar-se de possibilidade de fraude à norma eleitoral por meio de registros de candidatura com a finalidade exclusiva de preencher vagas com destinação específica, nada mais robusto e esclarecedor do que a produção de prova testemunhal para trazer a clareza necessária e apurar os fatos eclodidos com a exordial, mormente quando o testemunha advém da própria envolvida na fraude.

Ademais o juiz, como principal destinatário da prova, no momento da sentença, não pode desconsiderar as provas trazidas aos autos, mormente quando no caso concreto as documentais e testemunhais se apresenta de extrema relevância em virtude do conteúdo dos depoimentos prestados.

Sobre o tema, trago a lição de Luiz Guilherme Marinoni:

“Uma vez produzida a prova, será ela valorada pelo juiz. Em regra, essa valoração será feita na sentença ou na decisão concessiva de tutela provisória, quando o magistrado terá de formar seu convencimento. No direito brasileiro, adota-se o princípio da persuasão racional do juiz, de modo que as provas não têm, em regra, valor predeterminado, podendo o magistrado convencer-se livremente com qualquer das evidências presentes nos autos, desde que justifique os motivos pelos quais entende que certa prova gera convencimento, ou as razões para que certa prova se sobreponha a outra (art. 371)”. (Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. Vol. 02. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. pag. 298)

Por meio de oitivas das testemunhas, conforme mídias anexadas ao feito, restou clara e inequívoca a fraude a normas eleitorais já que as testemunhas comprovaram o recebimento de contraprestação e promessa de cargo em troca da efetivação da candidatura apenas com intuito de suprir contingente.

Assim foram os depoimentos, os quais transcrevo sem obediência à forma que pronunciadas mas com estrita atenção ao que pretendia ser transmitido:

“que trabalhava para a campanha eleitoral do Pastor Wilson; o que também foi feito por Neusa Augusta Viana durante todo o período de campanha; que Neusa não fez campanha para si própria como candidata; que Neusa cuidava da agenda do candidato Pastor Wilson” . (Depoimento da testemunha Igor Ferreira de Souza)

“Que descobriu que havia sido escolhida como candidata após algumas reuniões em assentamento de sem terras; afirmou que não entendia nada sobre política; assinou os documentos para candidatura sob a promessa de recebimento de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais); só viu os representantes do partido em duas oportunidades; não recebeu toda a quantia prometida; não sabe o que é convenção partidária; recebeu “santinhos” e também ordem do partido para queimá-los; não votou nela mesma; nunca participou de movimento político; assinou tudo que pediram e não lembra seu número de candidatura”. (Depoimento da testemunha Simone Silva dos Santos Milhomem)

“Participou da convenção; não queria ser candidata; não gravou programas para televisão e rádio; não fez reuniões de campanha; não contratou ninguém; durante a campanha ficou cuidando de um irmão doente. Forneceu os documentos e não recebeu promessa pela candidatura”. (Depoimento de Goianira Ribeiro Cavalcante)

“Foi visitada em casa dizendo que havia sido escolhida para candidatura; foi-lhe dito que bastava assinar para complementar a cota feminina do partido; não foi a convenção; não fez campanha; não queria ser candidata; não participou de reuniões; não sabe onde é a sede do partido; não lembra qual era seu número; foi orientada pelo marido a não pedir votos; mantém os “santinhos” guardados em casa; nãos os distribuiu; não ofereceram dinheiro, mas disseram que teria chance de melhor emprego; que diversamente do que indicado na ficha de candidatura, a depoente não tem e-mail; que a foto foi tirada em sua casa”. (Depoimento da testemunha Gerlanyne Alves Ferreira)

“Que em agosto do ano da eleição substituiu a candidata Cleide; não trabalhou na campanha; não pediu voto; não fez “santinho” ; não fez campanha; abriu conta no banco do Brasil mas depois a encerrou sem nenhuma movimentação” . (Depoimento da testemunha Ana Paula Moreira Lopes)

“Que o presidente do partido, Sr. Leonardo, a colocou como candidata; não quis a candidatura; não foi a convenção. Não fez campanha; trabalhava para o candidato Pastor Wilson; não trabalhou na própria candidatura; não recebeu material; o presidente havia lhe dito que precisava de mulheres no partido; foi alertada posteriormente de que não havia possibilidade de substituição; nunca recebeu “santinho” ; recebeu, ao fim, R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais)”. (Depoimento da testemunha Neusa Augusta Viana)

Tenho, por oportuno, a esclarecer do conjunto probatório, em que pese as alegações das testemunhas de que eram filiadas ao partido e assinaram as fichas de cadastro para habilitação a candidatura, a constatação de burla a norma eleitoral no que diz respeito ao contingente feminino, com o único objetivo de conferir legalidade e procedência à DRAP.

Ora, não se pode olvidar ou menosprezar o fato de que há nos autos efetiva comprovação, por meio de testemunhas, de que houve o pagamento de quantias às mulheres que prestaram-se a candidatura pelo PTN com o fito de unicamente preencher requisito para admissão da DRAP.

Outrossim, por mais que se considere não haja prova do envolvimento direto dos eleitos e suplentes no fato, não há como se excluir a responsabilidade do partido diante de provas tão robustas no sentido de burlar a norma eleitora vigente, bem como o benefício gerado a eles, que só tiveram suas candidaturas deferidas graças a fraude perpetrada.

Veja que em se tratando de modalidade de abuso, a jurisprudência é pacífica no sentido de que não há necessidade de prova da efetiva participação, bastando a demonstração do benefício, o que é inconteste, face ao fato claro de que o registro só fora deferido pelo uso da fraude. Nesse sentido:

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. EFEITO SUSPENSIVO. DECADÊNCIA. NULIDADE. CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. CONDUTAS VEDADAS. PROVAS JURISDICIONALIZADAS. SUSPEIÇÃO DAS TESTEMUNHAS. FATOS PROVADOS. PARTICIPAÇÃO DOS CANDIDATOS.

(¿)

9 – Caracterizado o abuso do poder econômico por meio de provas robustas e coerentes, é irrelevante para a procedência da ação de impugnação de mandato eletivo a comprovação da participação direta dos beneficiários nos fatos ilícitos apurados.

10 – Recursos improvidos. (TRE-GO – RECURSO ELEITORAL n 3384, ACÓRDÃO n 3384 de 18/09/2006, Relator(a) ELCY SANTOS DE MELO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Volume 14843, Tomo 1, Data 20/09/2006, Página 1- seç.2 )

Assim, diante da cabal comprovação de irregularidade do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), em virtude da inscrição de candidatas do sexo feminino que sequer realizaram campanha, ou seja, somente o fizeram no intuito de preencher contingente eleitoral mediante contraprestação pecuniária, a consequência lógica desse vício é a de que haja a cassação do registro dos candidatos do partido, com a perda de seus votos e, de forma mais drástica, a cassação dos diplomas dos candidatos eleitos e suplentes.

“[…] Ação de impugnação de mandato eletivo. […] II – Em se tratando de ação de impugnação de mandato eletivo, assente a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que, para a sua procedência, é necessária a demonstração da potencialidade de os atos irregulares influírem no pleito. Precedentes. […]”. (TSE. Recurso em Apelação. Rel. Ministro Peçanha Martins. Julgado de 28.08.2003)

Verifica-se, portanto, que a insurgência autoral merece guarida já que a prova dos autos converge ao cometimento, pelo partido, de gritante fraude eleitoral, fato este que conduz ao necessário reconhecimento de irregularidade da DRAP e, consequentemente, em vista da perda dos votos obtidos pelo PTN, cassação dos diplomas de seus eleitos e suplentes.

Ressalte-se que tal questão foi amplamente divulgada para partidos e coligações, que sabiam previamente da fiscalização sobre o tema durante todo o processo eleitoral, tendo sido encaminhada a Recomendação 146 pelo Procurador Regional Eleitoral em Goiás aos participantes do pleito, onde se lia:

CONSIDERANDO que a Resolução TSE nº 23.455/2015 estabeleceu que o cálculo dos percentuais de candidatos para cada sexo terá como base o número de candidaturas efetivamente requeridas pelo partido ou coligação e deverá ser observado nos casos de vagas remanescentes ou de substituição, ficando o deferimento do DRAP condicionado à observância dessa regra (art. 20, §§ 5º e 6º c/c art. 67, § 6º, todos da Resolução), materializando a consolidada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema (Recurso Especial Eleitoral n.º 784-32/PA e Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n.º 846-72/PA); 

CONSIDERANDO que o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, no julgamento do Registro de Candidatura nº 612-89, indeferiu todos os pedidos de registro para o cargo de Deputado Federal formulados pela Coligação “Unidos por Goiás” , em razão do não cumprimento da reserva mínima de candidaturas por sexo; 

CONSIDERANDO que candidaturas fictícias de mulheres configuram, em tese, o crime de falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral), além do possível ato de improbidade administrativa (art. 10 e 11 da Lei nº 8.429/92) e crime de estelionato majorado (art. 171, § 3º do Código Penal), quando se tratam de supostas candidaturas, com gastos de campanha inexistentes ou irrisórios, votação ínfima e sem o correspondente intento de engajarem-se em campanhas, de servidoras e servidores públicos, civis ou militares, com fruição de três meses de licença remunerada, além de atentarem contra o princípio constitucional da moralidade administrativa; 

CONSIDERANDO, por fim, que no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 1-49/PI, o Tribunal Superior Eleitoral assentou que o lançamento de candidaturas fictícias apenas para atender os patamares exigidos pela legislação eleitoral e o oferecimento de valores e vantagens para a renúncia de candidatas são situações que compõem o conceito de fraude de que trata o artigo 14, § 10, da Constituição Federal, autorizando a propositura da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME); 

RESOLVE recomendar aos diretórios estaduais dos partidos políticos no Estado de Goiás que orientem os respectivos diretórios municipais e demais órgãos partidários a observarem o preenchimento de no mínimo 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, mantendo as proporções originárias durante todo o processo eleitoral, cumprindo a lei eleitoral em sua plenitude, inclusive quanto à não apresentação de requerimento de registro de candidatura fictícia ou fraudulenta.

Todavia, no presente caso, mesmo ciente de tal fato, o partido requerido preferiu reiterar velhas práticas e burlar as regras fundamentais que regem a escolha de candidatos, afastando-se da esperada legalidade e igualdade de participação democrática, fraudado o sistema eleitoral.

Desnecessárias outras considerações.

Ante o exposto, nos termos do artigo 487, I do Código de Processo Civil c/c §10 e §11 do artigo 14 da Constituição Federal, reconheço da fraude eleitoral perpetrada pelo PTN – Partido Trabalhista Nacional e julgo procedentes os pedidos iniciais formulados nesta ação a fim de cassar seu Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) e, por conseguinte, declaro a perda dos mandatos eletivos obtidos pelos requeridos, bem como a nulidade da votação obtida pelo partido nas eleições proporcionais 2016 em Goiânia.

Como corolário lógico da declaração acima, casso os diplomas, tanto dos candidatos eleitos como dos suplentes, vinculados ao partido mencionado, exitosos nas eleições municipais do ano de 2016.

Remetam-se cópias dos autos, bem como da presente sentença, ao Ministério Público, para adoção das condutas que entender pertinentes diante de eventual fato típico penal eleitoral.

Em que pese o trâmite da presente ação de forma sigilosa, nos termos do artigo 14, §11, da Constituição Federal, seu julgamento é público conforme Resolução do TSE nº 21.283/2002. Assim, exclua-se o caráter sigiloso do feito, com as devidas anotações na autução do presente feito.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se e cumpra-se.

Goiânia (GO), 20 de junho de 2017.

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