RIO BRANCO, AC (FOLHAPRESS) – Dentre todas as teorias que tomaram as ruas de Rio Branco (AC) por causa de um desaparecimento no final do mês passado, algo é certo: essa história acriana chama a atenção menos pelo sumiço e mais pelo personagem.
“Leia-me, ó leitor, se em minhas palavras encontrar deleite, pois raramente no mundo alguém como eu nascerá novamente”, escreveu o estudante de psicologia Bruno Borges, 24, na parede do seu quarto. Na versão da família, o ambiente foi encontrado ornamentado com uma estátua e trechos de 14 livros escritos à mão e criptografados.
“Ele pode estar em uma tribo, no Santo Daime, num vizinho, sei lá, mas acredito que está bem”, diz o pai, Athos Borges, 58, que já tem até planos para a publicação dos livros.
“A hipótese mais provável é que [o sumiço] tenha sido um ato voluntário, sem violência”, afirma Josemar Portes, secretário adjunto de Polícia Civil, enquanto a internet se encarrega de narrativas que envolvem rituais e abdução.
Esse alegado desaparecimento ainda sob investigação era esperado por amigos. Eles sabiam do projeto ao qual Bruno se dedicara nos últimos quatro anos. “Algumas vezes ele disse que precisava terminar esse projeto e dar uma sumida”, diz Jefferson Linhares, 25, colega de faculdade a quem o jovem chegou a pedir dinheiro e abrigo.
Da ex-namorada, com quem mantém forte relação emocional, Bruno se despediu nos últimos meses, enviando uma foto e uma pena de madeira com as iniciais do casal. Prometeu ainda que voltaria daqui a três ou quatro anos. “Ele escrevia ligeiro e ia guardando as folhas criptografadas no armário”, diz a estudante de 19 anos, que preferiu não se identificar.
Para Eduardo Namem, 60, vizinho e pai de criação, ele deixou o DVD do filme de Chico Xavier. “Ele lia de Umbanda a Hitler. E doava tudo que tinha para os pedintes que batiam na casa dele.” Namem, companheiro de trabalho voluntário em hospitais, o ajudou na tentativa de financiar seu projeto via Lei Rouanet.
Bruno é descrito como alguém preparado e meticuloso. O pai se questiona se a viagem feita com a mulher a Miami (EUA), que teria dado ao filho a liberdade de decorar o quarto durante 24 dias, não teria sido induzida por ele.
As linhas gerais do projeto eram de conhecimento da família, embora os pais não tenham topado financiar a façanha. Bruno tomou emprestado de um primo os R$ 20 mil necessários. Sua conta, ainda assim, tem um rombo de R$ 5.000, segundo o pai.
O custo do projeto envolveria tanto materiais para construir a estátua como se manter após o sumiço.
Em vídeo publicado em rede social, o pai pede desculpas. “Eu e a mãe dele nunca colocamos muita fé no que ele estava fazendo [“¦] Agora, acreditando, sei que é verdade. [“¦] Ele vai voltar, vai perdoar a gente”, declara.
A mãe, Denise, 56, conta que chegou de viagem no sábado (25) à noite e que tentou entrar no quarto do filho, mas Bruno não deixou: “É meu projeto”. Ela resolveu não bater de frente, mas preocupou-se com o aspecto cansado dele. Quando finalmente viu a obra, chorou compulsivamente. “Foi o maior susto da minha vida”, diz a psicóloga.
Cerca de cinco anos antes, ele mostrara à mãe, de quem herdou o gosto pela leitura e a prática do reiki, um livro que havia escrito e queria patentear. Denise entendeu a obra na terceira leitura, mas disse que era necessário uma melhor edição.
A família é dona de um restaurante e de uma casa de eventos. Bruno tem um irmão gêmeo, Ricardo, e uma irmã, Gabriela, 28 –ambos trabalham nesses negócios.
A reportagem só conseguiu falar rapidamente com familiares. Eles e o delegado responsável pelo caso, Fabrizzio Sobreira, rejeitaram dar informações sob a alegação de terem acertado exclusividade com o programa “Fantástico”, da TV Globo.
UM BILHÃO
“Vou impactar o mundo”, disse Bruno a Namem, segundo seu relato. Para Linhares, seu colega, o jovem chegou a falar em arrecadar R$ 1 bilhão com a venda de seu trabalho. “Ele prometia R$ 50 mil pra um, R$ 100 mil pra outro. Ia doar tudo”, conta o pai. Namem diz que o sumiço foi uma estratégia para dar notoriedade ao projeto. E funcionou: a família agora quer publicar toda a obra.
Parte de páginas e paredes cujas fotos viralizaram vem sendo traduzida por grupos na internet. De Goiás, Igor Rincon, 21, e Renoir dos Reis, 23, que têm uma startup de segurança de tecnologia, desvendaram três dos cinco códigos diferentes –um deles seria maçônico.
Um dos trechos traduzidos faz distinção entre os que aceitam o “conceito de felicidade e de sentido da vida embutido pela mídia e pela sociedade”, fazendo parte do “caminho fácil para a busca pela verdade absoluta”.
Outro amigo da faculdade, Marcelo Ferreira, 22, lhe ajudou no quarto. “Ele trabalhou vorazmente, não comia em alguns dias que escrevia nas paredes, teto, chão e móveis. Isso veio através de uma experiência mística que Bruno obteve em um ecstasy divino.”
Outra peça-chave é o artista plástico Jorge Rivasplata, 83, com quem Bruno teve aulas de pintura e para quem encomendou a estátua de Giordano Bruno, filósofo e teólogo italiano morto pela Inquisição em 1600.
“Ele me dizia: Rivas, por favor, não me pergunte muito sobre meu projeto.” O artista lhe cobrou R$ 7.000 pela obra avaliada em R$ 20 mil. Depois, ganhou mais R$ 2.000 como incentivo. O trabalho durou de outubro a dezembro, mas só foi levado ao quarto de Bruno no dia 11 de março. Seis dias depois, Rivasplata terminou a estátua no próprio recinto.
Rivasplata, de origem peruana e reconhecido no Acre pela sua obra, foi além: prepara um busto do jovem. A última conversa entre os dois foi via WhatsApp, em 17 de março, quando Rivasplata lhe perguntou como ficara a estátua. “Estou eternamente satisfeito, mestre Rivas. Logo, logo, apresentaremos ao mundo.”