Há 42 anos, Iris Rezende Machado disputava as eleições para governador de Goiás pelo PMDB, eleição da qual ele sairia vencedor no dia 15 de novembro de 1982. Porém, na noite do dia anterior, outro acontecimento iria trazer à tona a sangrenta e violenta campanha eleitoral daquela época. Dercides Carneiro Siqueira, primo de primeiro grau de Iris, foi assassinado enquanto colava cartazes da campanha pemedebista na Avenida Castelo Branco, em Goiânia.
O envolvimento dos primos de Iris em sua campanha eleitoral era algo recorrente, porém nessa eleição em questão, os parentes alegaram que foram alvos de intensas provocações. “Nós sempre trabalhamos nas campanhas eleitorais de nosso primo Iris Rezende”, lembrou o irmão de Dercides, Derli Carneiro, em entrevista concedida na época ao jornal Diário da Manhã. “Eles nos ofendem e agridem fisicamente, depois dizem que a iniciativa foi nossa”, completou.
Na época, os políticos oposicionistas lamentaram o ocorrido e atribuíram o assassinato ao “desespero do PDS”. Daniel Antônio, candidato ao Senado, esteve presente no velório de Dercides e ressaltou em sua fala que a violência foi a grande protagonista daquele que tinha tudo para ser um momento de vitória. “Nunca vi uma campanha tão violenta. Não é possível que ocorram mais fatos assim em uma eleição já definida”.
Outros políticos como os deputados Francisco de Castro, José Elias, Mauro Borges Júnior, Iram Saraiva e os vereadores: Sebastião Vieira de Melo, Daniel Antônio e o ex-governador Irapuan Costa Júnior, também estiveram no velório de Dercides e protestaram contra a violência e a tragédia que se fizeram presentes naquela eleição. Segundo o ex-governador Irapuan Costa, o Governo foi advertido sobre os crescentes episódios de violência, mas que a Segurança Pública goiana foi omissa ao minimizar os incidentes.
Para Iris Rezende, o final daquela campanha eleitoral era um verdadeiro alívio, com alguns pontuais episódios de violência, o que se esperava era que tudo não passasse de provocações. Minutos antes de receber a notícia da morte de seu primo, Iris disse estar dando graças a Deus pela campanha estar terminando sem violências. Com o choque da notícia repentina, Iris passou o dia deprimido e só deixou o cemitério Jardim das Palmeiras somente às 11 horas da manhã, após o enterro de Dercides.
Embora não tivesse dormido na noite anterior, Iris se negou a descansar ou ao menos trocar de roupa. Em seu rosto, estava estampada a angústia que se mesclava com um sorriso forçado na tentativa de ser simpático com aqueles que estavam prestando a solidariedade para com ele, e com a família naquele momento. Na hora do enterro, Iris foi um dos que ajudaram a carregar o caixão, ficando à beira do túmulo até que os coveiros encerrassem o trabalho.
“Uma carga pesada demais”, disse o até então candidato a Governador durante algumas conversas realizadas no cemitério sobre o assassinato de seu primo. No período da tarde, após o enterro, Iris se dedicou totalmente a realizar diversas visitas, entre elas para a viúva de Dercides, dona Geralda Siqueira, que agora tinha a missão de cuidar dos filhos Solange, de 15 anos, Valéria, de 13 anos e Dercides Júnior, de 8 anos.
A tristeza de dona Geralda era comovente, ela já não falava, apenas cumprimentava com um aceno as centenas de pessoas que prestavam as condolências. Por outro lado, a inocência de Junior chamou a atenção. Sem absorver a extensão da tragédia da qual o pai foi vítima, a criança conseguia se distrair com outros meninos, até o momento em que o caixão foi levado à sepultura, quando retornou a chorar.
O telefone residencial de Iris tocava incessantemente naquele dia, porém a informação era de que ele não estava em casa. À noite, Iris se recolheu mais cedo para se preparar para o dia da eleição, para onde se dirigiu até 314ª Sessão Eleitoral, local em que funcionava a escola Georgeta Rivalina Duarte, na Avenida General Cunha Matos, na Vila Mauá.
Segundo divulgado pelo Diário da Manhã, não foi registrada a presença de qualquer pessoa do PDS, partido da oposição de Iris. Apenas o deputado estadual Libânio Araújo, do PDS, esteve presente no cemitério Jardim das Palmeiras, mas devido a outro falecimento. Na opinião de Peixoto da Silveira, ex-deputado estadual pelo PDS, o ocorrido foi uma consequência do regime ditatorial que, ao ser extinto, tinha como consequência a liberdade e o desejo dos que estão mandando de não fazerem concessão.
O oponente de Iris, Otávio Lage de Siqueira do PDS se manifestou à imprensa alegando total desaprovação ao fato. “É inadmissível que a democracia tenha que pagar um preço tão alto para a sua consolidação”, declarou. “Todos vocês conhecem a minha posição diante de circunstâncias como esta. Repudio toda e qualquer violência, lamento profundamente esse episódio”, concluiu Siqueira.
Evilásio Neves Alves, de 45 anos, natural de Ituassu, Bahia, foi preso em flagrante 10 horas após confessar ter assassinado Dercides Carneiro Siqueira. Ele foi ouvido pelo delegado do 4º Distrito Policial, Lair Ramos Jubé. Em seu depoimento, Evilásio alegou que atirou em legítima defesa e garantiu que a arma utilizada era da própria vítima, de quem tomará após intensa luta corporal.
A prisão, que ocorreu no Setor Central, em Goiânia, foi efetivada pelo delegado licenciado, Leão José de Oliveira, que era responsável pela segurança de Iris Rezende, juntamente com o delegado de polícia Alcione Silva e outros agentes que chegaram no local do crime alguns minutos após o assassinato. No local, ocorreu uma verdadeira batalha de cartazes entre os afixadores do PDS e PMDB e que culminou na morte de Dercides.
Leão José de Oliveira e Alcione Silva, durante a investigação, chegaram até a esposa do assassino, Rosamar de Oliveira Braga, que presenciou o ocorrido e fugiu em um táxi. Ela informou aos policiais que trabalhava junto com Evilásio em uma equipe com outras 200 pessoas, no serviço de afixação de cartazes do PDS, sob encomenda da Celg. Segundo Rosamar, Eloir Martins de Sousa, funcionário da Celg ordenou para que fossem colar cartazes na Avenida Mutirão, pois lá se encontravam a turma do PMDB colando os cartazes de Iris.
A ordem era pregar as faixas do candidato Otávio, por cima das de Iris, e que se faltassem materiais, arrancassem as do candidato do PMDB. Porém, a equipe de Iris, na qual incluía Dercides, viu o momento em que os cartazes foram arrancados, dando início a uma verdadeira batalha que teve como resultado um dos mais tristes episódios da política goiana.
Segundo Evilásio, ele teria sido rendido por Dercides que estava armado e, ao sentir que escorria sangue de sua cabeça, tomou-lhe o revólver e atirou no primo de Iris, que “ainda deu três passos antes de cair definitivamente”, detalhou Alves em depoimento. Logo após os disparos, o criminoso fugiu a pé, onde foi encontrado por Eloir e levado ao hospital para levar pontos no ferimento que teve na cabeça.
Já na casa de Eloir, o sargento Levi, do serviço de segurança da Celg aconselhou Evilásio fugir e o mesmo foi para a casa de um cunhado. Mais tarde, o sargento foi questionado por Leão e Alcione, seguranças de Iris Rezende, sobre o paradeiro de Evilásio. Ao ser pressionado, sob a ameaça de denúncia de crime de responsabilidade e por ocultação de criminosos, Levi contou onde Evilásio estava escondido.
A arma do crime não foi apreendida, mas segundo Evilásio, se tratava de um revólver calibre 32 que foi deixado com Eloir. Em seu depoimento, o assassino confesso afirmou que estava magoado com o funcionário da Celg, pois este sabia que acabaria em confusão mandar 20 pessoas arrancarem os cartazes do candidato da oposição perto dos afixadores. Segundo Evilásio, fatalmente haveria problemas e se sentiu traído pela desatenção de Eloir ao dar a ordem.
O corpo de Dercides foi levado ao Hospital Samaritano, local onde Iris estava aguardando a liberação na sala de espera. Naquele momento, o fotógrafo Diomício Gomes cobria os desdobramentos do caso, e ao fotografar Iris, o mesmo teve uma reação inesperada. O candidato tomou a câmera fotográfica da mão de Diomício e em seguida o atingiu com golpes, deixando leve escoriações no fotógrafo. Além disso, Iris lançou a câmera no chão e a pisoteou.
“Urubu, fica rodeando a desgraça dos outros”, gritava Iris transtornado. Segundo Diomício, ele foi cercado por um grupo de seguranças de Iris que o apertaram com força. “Quase fui linchado. Vi a morte na minha frente naquela hora”, disse o fotógrafo do Diário da Manhã. Segundo o relato de Diomício, ele só não foi linchado, pois o assessor do PMDB, Santa Cruz, apareceu e informou aos seguranças quem era o fotógrafo.
Após o acontecido, o Sindicato, os fotógrafos do jornal em que Diomício trabalhava e o Clube dos Fotógrafos chegaram a emitir nota repudiando a agressão que o fotógrafo sofreu. “Eu penso que eles pensaram que era algum atentado contra o Iris, sei lá”, disse o fotógrafo, que afirmou ser eleitor de Iris e que o episódio não mudaria em nada a sua atitude na hora de votar.