O governo Michel Temer (PMDB) completará um ano na próxima sexta-feira (12) sob o signo do paradoxo.
Dono de altíssima impopularidade e de uma coleção de crises políticas, o presidente até aqui conseguiu fazer avançar extensa agenda legislativa, talvez a mais ambiciosa em escopo desde a redemocratização.
Como provam os 61% que reprovam o governo e os 71% que rejeitam especificamente a reforma da Previdência segundo a mais recente pesquisa Datafolha, não é uma agenda para todos os gostos.
A profunda mexida no sistema de aposentadorias se tornou a “mãe de todas as batalhas”, como qualificou o ministro Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo, do PSDB), responsável pela interlocução do Planalto com o Congresso. “Mas isso escamoteia as outras batalhas que já vencemos. É um avanço sem precedentes”, afirma.
Com 38% do seu curto mandato de 2 anos, 7 meses e 20 dias completados, Temer já disse que a impopularidade é um passaporte para fazer o que considera correto -e que também lhe garante apoio na elite empresarial, ao seu lado desde que Dilma Rousseff (PT) foi afastada e, depois, impedida.
Conseguiu ver medidas polêmicas aprovadas no Congresso: o teto de gastos, a desvinculação de receitas, o fim da exclusividade da Petrobras no pré-sal, a lei de governança das estatais, a reforma do ensino médio. Avançaram a reforma trabalhista e, a trancos e barrancos, a mudança previdenciária aprovada em comissão na Câmara.
Como se vê, a seara econômica é sua prioridade, e foi de lá que saíram as melhores notícias até aqui para o governo, na agenda não parlamentar: a queda da inflação, que porém teve na recessão brutal uma forte aliada, a consequente queda nos juros e uma sacada popular: a liberação de estimados R$ 35 bilhões de contas inativas do Fundo de Garantia.
“Isso tudo foi feito para agradar o empresariado. Reduziram os direitos da classe trabalhadora. Em um ano, fizeram o máximo possível de modificações legais, e agora ameaçam mexer com a legislação fundiária. Como o país ainda está no buraco, o próximo governo terá de rediscutir tudo isso que fizeram”, sentencia o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP).
Para ele, o discurso de que a melhora de expectativas com as reformas será sentida na economia é enganoso. “Temer agravou a crise, veja o desemprego recorde.”
Imbassahy rebate: “Quem mais reclama é quem tem seu privilégio atingido, como no caso do imposto sindical extinto na reforma em discussão. O brasileiro vai ver a melhora depois, e os sinais na economia já estão aí”.
Se há fortes debates sobre a agenda de Temer, que levaram até a uma tentativa de greve geral na semana retrasada, no campo político o paradoxo se faz mais agudo.
O presidente montou um esquema de poder convencional, mas eficaz no papel.
Dos seus 28 ministros, 20 vieram do Parlamento, o que teoricamente amplia o comprometimento de partidos e bancadas com o governo. Não é tão óbvio, tanto que o PSDB busca virar o voto de talvez metade de sua bancada na Câmara para apoiar a reforma da Previdência.
Deixando a área econômica blindada com nomes que eram unanimidade no mercado, Temer acendeu velas a duas deidades. “Esse foi o acerto chave”, diz Imbassahy. Só que a Operação Lava Jato, devastando o cenário político desde 2014, garantiu instabilidade ao arranjo.
Além do próprio Temer, que é citado mas não investigado por acusações anteriores a seu mandato, nada menos que oito ministros estão no alvo da investigação e serão afastados caso sejam denunciados –linha de corte malandra, já que a morosidade judicial os favorece.
Mas o dano de imagem está feito. Segundo o Datafolha, 73% dos brasileiros acham que Temer está envolvido no escândalo, que atingiu em cheio PMDB e PSDB.
No campo simbólico, o anacronismo de um ministério quase exclusivamente branco e masculino já está precificado. As gafes de Temer quando fala sobre condição das mulheres ou os arroubos conservadores de ministros, também. A crítica, crê o governo, tende a encastelar-se em nichos de redes sociais.
Com tudo isso, é possível dizer que, para usar a figura de linguagem do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aplicada ao governo, a pinguela está resistindo.
A ameaça de ser cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, por irregularidades da chapa com Dilma em 2014, parece afastada por ora, e o governo sobreviveu a oito trocas ministeriais até aqui, quase todas traumáticas.
O que vem à frente? “A guerra não vai acabar na Previdência. Logo teremos que enfrentar a simplificação do sistema tributário”, afirma Imbassahy, por óbvio um vendedor da vitória na “mãe de todas as batalhas”.