A operação deflagrada nesta sexta-feira (25) pela Polícia Federal (PF) sobre o deputado Gustavo Gayer (PL), foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com argumentos como o de que, “no caso concreto, identificou-se com nitidez que Gustavo Gayer era quem dava a última palavra (autoria intelectual)” para a montagem de um esquema de fachada para desviar recursos públicos.
Segundo a denúncia, Gayer teria articulado a compra de uma associação inativa para transformá-la em uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e, assim, captar verbas públicas de forma fraudulenta por meio de emendas parlamentares. A investigação aponta que o deputado teria dado a “última palavra” em todas as decisões do esquema.
O caso começou a ser apurado após a prisão de João Paulo de Souza Cavalcante, ligado ao deputado, acusado de ter financiado os atos golpistas de 8 de janeiro de 2022 em Brasília. No celular dele, foram capturadas mensagens que revelavam “condutas ilícitas” praticadas por Gustavo Gayer. A suspeita foi de que inclusive o parlamentar tenha desviado recursos públicos para ajudar no financiamento dos atos antidemocráticos.
Em um trecho de diálogo, o próprio João Paulo, que participa ativamente dos esquemas, destaca que está preocupado com o nível de risco. Ao secretário parlamentar de Gayer, Marco Aurélio Alves Nascimento, João Paulo afirma: “Eu fico preocupado. Já falei para o Gustavo, um dia chamei a atenção dele sobre a questão da escola de inglês, mas fica tendo aula, sabe (…) Ou seja, a escola tá sendo paga com recurso público (…) nesse sentido a gente tá pregando uma coisa e tá vivendo outra… infelizmente a gente tem muitas coisas erradas acontecendo aí”.
As investigações revelam que Gayer e sua equipe adquiriram a “Associação Comercial das Micros e Pequenas Empresas de Cidade Ocidental” (ASCOMPECO), uma entidade inativa que foi reativada e reorganizada para se adequar aos requisitos legais para o recebimento de verbas públicas. De acordo com o inquérito, documentos como atas de reuniões foram falsificados para legitimar o funcionamento da entidade e garantir sua certificação como uma OSCIP.
Para operacionalizar o esquema, a PF afirma que Gayer organizou a ASCOMPECO com uma diretoria formada por pessoas próximas a ele e a seus assessores. O grupo, conforme apontado na investigação, gerenciava a organização como fachada. Segundo a PF, a ASCOMPECO funcionava formalmente como uma entidade sem fins lucrativos, mas, na prática, servia para canalizar verbas parlamentares que eram desviadas para atender a interesses privados do deputado e de seu grupo.
Entre as práticas ilícitas identificadas, a investigação aponta que o desvio de recursos ocorria por diferentes métodos fraudulentos. Um dos mecanismos utilizados foi a contratação de uma empresa de fachada, a Goiás Online (a reportagem não conseguiu localizar a empresa, havendo uma registrada com este nome em Jaraguá, mas sem telefone). A função da empresa, segundo a investigação, era atuar oficialmente como prestadora de serviços de publicidade e marketing.
No entanto, na realidade, a PF afirma que essa empresa assumia atividades típicas de assessoria parlamentar, como o gerenciamento da agenda do deputado. Essa prática permitia repasses de verba pública para João Paulo de Sousa Cavalcante, que, apesar de atuar como assessor, estava impedido de ser oficialmente contratado pelo gabinete.
Outro aspecto denunciado pela investigação é o uso da cota parlamentar para fins privados. Segundo a investigação, o gabinete político de Gayer em Goiânia era utilizado para atividades de empresas de propriedade do deputado ou parentes. Uma delas é a Loja Desfazueli marca criada para fazer oposição ao presidente Lula, ligada a Gabriel Sander de Araújo Gayer, filho do parlamentar. Além dela, também está a escola de inglês Gayer Language Institute, do deputado.
A apuração chegou a documentos que demonstrariam que secretários parlamentares, pagos com recursos públicos, desempenhavam funções nessas empresas, configurando o uso indevido de verbas destinadas ao exercício do mandato legislativo.
Além disso, a investigação detalha o processo de manipulação da associação ASCOMPECO. Por meio da reativação e da adulteração de documentos, a entidade foi qualificada para captar recursos de emendas parlamentares, que, na teoria, deveriam ser destinados a projetos de interesse social. Contudo, conforme a denúncia, esses fundos foram redirecionados para interesses privados ligados ao deputado, o que caracteriza crimes de peculato-desvio, falsificação de documentos e associação criminosa.
Os indícios de irregularidades envolvendo a ASCOMPECO, segundo a denúncia, são substanciais e incluem provas documentais e testemunhais que apontam para a existência de uma estrutura organizada para o desvio de recursos públicos. As autoridades sustentam que o esquema tinha como objetivo camuflar a apropriação indevida de verbas, mascarando os reais beneficiários e dificultando o rastreamento do dinheiro desviado.
Ao todo, além de Gayer 18 mandados de busca e apreensão foram autorizados pelo Supremo Tribunal Federal. Não há mandados de prisão nessa etapa da operação. A Procuradoria-Geral da República (PGR) concordou com as buscas, autorizadas pelo STF.
A Polícia Federal ressaltou que as investigações continuam para apurar possíveis novos envolvidos e a real dimensão dos valores desviados ao longo do esquema. O Ministério Público Federal (MPF) já solicitou o compartilhamento de informações para avaliar medidas judiciais que visem à responsabilização dos envolvidos.
A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos alvos da busca e apreensão. Confira quem são no documento ao final.
A defesa do deputado Gustavo Gayer ainda não se manifestou oficialmente sobre as acusações, mas ele veio pessoalmente a público, em vídeo nas redes sociais, antes mesmo de a operação ter se tornado notícia. “Fui acordado às 6 horas com a minha porta sendo esmurrada pela Polícia Federal. Até o momento, o que sei é que esse inquérito foi aberto no mês passado, 24 de setembro, e que alguns assessores meus também foram alvos de busca e apreensão”, disse Gayer, que afirmou não saber os motivos de ter sido alvo da PF.
Ele chamou o ministro do STF Alexandre de Moraes, que atendeu aos pedidos da PF e expediu os mandados, de “ditador”. Em alguns momentos se disse desiludido com a corporação policial por ter sido alvo da investigação. Em outros insinuou conotação do dia da operação com o segundo turno das eleições em Goiânia, embora não seja candidato.
Como o inquérito ainda não está disponível, o deputado reclama que não consegue saber o conteúdo das acusações que justificariam a busca e apreensão. “Eu nunca fiz nada de errado, nunca cometi nenhum crime e estou sendo tratado como um criminoso pela Polícia Federal”, desabafou. O deputado reclamou que a operação ocorreu dois dias antes do segundo turno das eleições municipais e disse que isso foi “para prejudicar” “o candidato dele em Goiânia, o também bolsonarista Fred Rodrigues.
“Vamos ver qual que vai ser a narrativa que eles vão criar, qual que vai ser a desculpa, porque eu não sei, mas eu tenho certeza que vai vazar na imprensa. Qual o motivo que eles inventaram, qual foi a acrobacia jurídica que eles inventaram para na sexta-feira, antes da eleição do domingo, mandarem a Polícia Federal aqui na minha casa, às seis horas da manhã”, disse ainda.
A sexta-feira ainda reservou outra amargura ao deputado. Teve início o julgamento de uma queixa-crime protocolada pelo Senador Vanderlan Cardoso (PSD) contra Gustavo Gayer por ofensas que ele dirigiu ao senador em um vídeo divulgado em 2023.
O relator do processo também é o ministro Alexandre de Moraes. E o voto dele foi por acolher a queixa e determinar a instauração de Ação Penal contra Gayer no STF. Até o dia 5 de novembro, outros 4 Ministros da turma irão votar.
Segundo a queixa, Gayer se dirige ao senador com palavras de baixo calão reclamando que tal como outros senadores, Vanderlan não se insurgia justamente contra os ministros do STF.