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Categorias: Brasil
| Em 8 anos atrás

Guerra do tráfico, crime passional e banalização criam ‘faroeste’ em PE

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O telefone toca. Mataram um rapaz, avisa um professor à reportagem. “Corre pra cá.” Na rua da Universidade Federal de Pernambuco, Várzea, periferia do Recife. O corpo estirado na calçada, o sangue escorrendo. O pai se abaixa e abraça a cabeça do filho.

A dez metros, alunos entram e saem da faculdade. Muitos nem olham o cadáver. Uma moça pergunta: “Foi tiro?”. Três, responde um policial, que se vira para avaliar a garota. Dá até uma piscadela para um colega de farda.

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Leandro Cavalcanti, 18, foi perseguido por dois homens na manhã de quinta (6). Até correu, mas…

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O pai dele, Manoel Cavalcanti, 44, diz que vai se vingar. “Eu sei quem matou. Eu, como pai, é que vou ter de pegar. A polícia não faz nada.” O motivo?

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Nesses momentos, ninguém fala sobre isso, por medo de ser a próxima vítima.

Por três dias, a reportagem foi até cenas de assassinatos na região metropolitana do Recife. Apenas em janeiro e fevereiro, Pernambuco registrou 974 homicídios -alta de 47% em relação ao mesmo período do ano passado e o maior número em dez anos.

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“O perfil de quem morre em Pernambuco é o mesmo de quem mata: jovem, negro, pobre e morador da periferia”, afirma José Luiz Ratton, professor de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador da violência no Estado.

Na Grande Recife, a maior parte dos assassinatos ocorre em regiões pobres e com pouca presença do Estado. Em três favelas próximas da famosa praia de Boa Viagem, por exemplo, foram cinco mortes em cinco dias da semana retrasada, segundo moradores.

Essas comunidades somam mais de 70 mil habitantes e convivem com escasso saneamento básico: boa parte dos barracos fica em palafitas sobre o poluído rio Capibaribe.

O cenário de pobreza extrema fica na fronteira com prédios de luxo -um dos maiores shopping centers da América Latina foi construído ao lado de uma das favelas.

Moradores dizem que a área sofre com abusos policiais e guerra entre pequenos traficantes, mas também com crimes passionais.

Cinco dias antes de a reportagem visitar o local, uma menina de 16 anos foi morta a facadas por uma garota da mesma idade.

MADRUGADA

Eram 21h de domingo (9), quando o carro da TV Jornal (afiliada do SBT) saiu da redação na região central do Recife. Levava Edson Araújo, principal repórter policial da televisão pernambucana. Há 26 anos, ele faz reportagens sobre crimes na madrugada.

Nesta noite, o primeiro homicídio ocorreu no morro da Macaxeira. O carro da reportagem sofre para subir as ladeiras. Moradores caminham com Bíblias na mão. No alto do morro, um corpo: Gleibison de Souza Rodrigues, 28.

Ninguém sabe por que ele morreu. Ninguém viu. “Teve peixeira. Três facadas e tiros”, relata um perito. Moradores assistem à retirada do cadáver.

Em uma casa ao lado, toca alto uma música da banda britânica Dire Straits.

“Me choca muito essa banalização da morte. Já vi cena com um corpo estirado e, do lado, a poucos metros, o povo fazendo pagode e dançando. Virou normal”, conta Edson.

Trinta minutos depois, a reportagem chega a Três Carneiros, outro bairro pobre do Recife. Luiz Gustavo do Nascimento, 19, morreu a tiros. A família pede privacidade e não deixa a TV gravar a cena. Policiais militares conversam na calçada. O corpo está no meio da rua, sem isolamento. Carros desviam.

Uma moto se aproxima lentamente, cambaleante. Parece que vai desviar. Mas o motoqueiro, sem capacete, passa por cima do corpo de Gustavo. O pneu da frente para em cima do pescoço. Uma parente grita, chorando: “Olha o que estão fazendo com ele”. A polícia corre atrás. O motoqueiro estava bêbado.

LABIRINTO

Desde 2007, quando implantou o programa de redução de homicídios Pacto Pela Vida, Pernambuco tem uma delegacia especializada na resolução de mortes violentas.

Segundo Angelo Gioia, secretário de Defesa Social, o Estado soluciona 16% dos homicídios. “É muito acima da média nacional”, diz.

Historicamente, a taxa média de solução de assassinatos no Brasil é de apenas 8%.

A tarefa da polícia, agora, é dar conta de tantas mortes.

A madrugada de domingo ainda estava no meio, mas sete pessoas já haviam sido mortas na Grande Recife. Na noite anterior, foram ao menos oito.

O repórter Edson Araújo tem de escolher qual das cenas visitará. Ele costuma descartar os mortos ainda não identificados pela polícia.

Escolhe um homicídio em São Lourenço da Mata, região metropolitana. Forma-se uma fila de carros de polícia e de TVs para atravessar uma plantação de cana. Parece um labirinto. Pior: um labirinto em que carros atolam na lama.

Uma hora depois, numa rua de terra, está um corpo com uma faca cravada no peito. Ao lado, um chicote. José Cristiano da Silva, 27, tinha ido à região para cavalgar em seu cavalo de raça. Foi esfaqueado, e o animal, levado pelo assassino, segundo a polícia.

A delegada Gleide Ângelo, mulher de Edson Araújo, desce do carro. É seu último plantão, seu último homicídio. No dia seguinte ela assumiria outro departamento da polícia. Ela olha a cena e tapa o rosto quando um perito vira o corpo ensanguentado.

“Será que mataram esse cabra só para roubar o cavalo dele?”, ela pergunta. Edson, microfone na mão, responde: “É o faroeste”.

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