A menina de 10 anos, que engravidou após ser estuprada pelo tio em São Mateus (ES), realizou nesta segunda-feira (17), em um hospital no Pernambuco, um procedimento para interromper a gravidez. A unidade é referência nesse tipo de acolhida. O aborto foi autorizado pela Justiça do Espírito Santo.
Segundo o hospital, o procedimento foi realizado por volta das 11h. Ela estava internada na unidade desde domingo (16). A criança passa bem.
A vítima descobriu que estava grávida após se queixar de dores abdominais e ser levada a um hospital em São Mateus, em 7 de agosto. Ela contou que é estuprada pelo tio desde os 6 anos, mas nunca denunciou porque era ameaçada. O suspeito tem 33 anos, foi indiciado por estupro de vulnerável e ameaça, mas está foragido.
Protesto
Religiosos contrários à interrupção da gravidez foram à porta do hospital onde o procedimento foi realizado, no domingo (16), e protestaram. Houve tumulto, com tentativa de invasão do local. O grupo também tentou impedir que o diretor da unidade entrasse no prédio. A Polícia Militar precisou ser acionada e isolou a área.
Outro grupo, que apoiava o procedimento, foi ao local para defender o direito da criança em interromper a gravidez. A legislação brasileira garante o direito de que vítimas de estupro possam realizar aborto.
Promotoria investiga grupo
A Promotoria da Infância e Juventude de São Mateus informou que vai investigar um grupo de pessoas que teria pressionado a família da menina a manter a gravidez.
Os participantes desse grupo religioso utilizaram argumentos cristãos para tentar dissuadir a família da ideia de realizar o aborto. Eles afirmam que têm o apoio da ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, e oferece “juízes de bem” e médicos para que a criança mantenha a gravidez. Eles ainda pedem que a avó da vítima se manifeste contra o procedimento quando questionada.
Alguns integrantes teriam ido à residência da família pelo menos duas vezes. Em um vídeo divulgado nas redes sociais, a avó da menina desmaia e familiares pedem que o grupo deixe a casa. Um pré-candidato a vereador pelo PSL e líder de um projeto cristão em São Mateus aparece nas imagens.
Em um áudio divulgado pelo site Tribuna Online, um homem e uma mulher pressionam a avó. “Vão tentar uma liminar para fazer o aborto nela. Então, a gente está querendo evitar que isso aconteça, queremos salvar o bisneto da senhora. Só que eu, mesmo com o projeto, mesmo com o suporte, não tenho força. Mas a senhora tem. A senhora tem a sua voz, eu não sou familiar dela, mas se a senhora se pronunciar contra, olha eu… (inaudível).”, disse o homem que toma à frente do grupo na abordagem à família.
Em um momento mais tenso do diálogo, um homem diz: “Se tem uma alma ali, foi Deus quem colocou”. Uma familiar rebateu em seguida. “Não foi Deus não. Não foi Deus que colocou”. “Mas Deus permitiu”, interrompeu a mulher que faz parte do grupo que pressionava a família.
“Deus permitiu uma barbaridade dessa?”, questionou a familiar. “Permitiu, ué”, responde a mulher.
Apoiadora de Bolsonaro expõe criança
A apoiadora do presidente Jair Bolsonaro, Sara Giromini, divulgou nas suas redes sociais o nome da menina e o endereço do hospital onde ela fez o aborto. A divulgação foi na noite de domingo e levou os grupos ao local.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é crime “divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional”.
A Justiça conseguiu liminar para que fossem retiradas das redes sociais qualquer menção ao nome da menina e dados da família.