São Paulo – O governo federal não terá facilidade para colocar em prática uma proposta que pretende reduzir o risco dos geradores e, ao mesmo tempo, interromper um processo de judicialização em torno do déficit de geração hídrico, conhecido pela sigla GSF. Especialistas e advogados ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, apontam uma série de entraves legais e técnicos à proposta do ministro de Minas e Energia Eduardo Braga a partir da qual o governo planeja garantir expansão da energia gerada e um ambiente mais atrativo para o investimento em novas usinas.
Embora seja considerada uma proposta factível, que vislumbra dividir de maneira mais equilibrada o impacto provocado pela falta de chuvas no setor de geração, a iniciativa pode, inclusive, dar início a novas disputas judiciais. Entre os impeditivos estão, por exemplo, a intenção de fazer com que uma geradora hidrelétrica ingresse em um mercado no qual não atua ou venda energia a um preço mais baixo do que o custo de geração.
“Há uma série de pontos que chamaram atenção. Um deles, por exemplo, é o gerador ser remunerado, com base no preço de uma hidrelétrica, por uma energia de outra fonte. A conta não fecha”, destaca a diretora da consultoria Thymos Energia, Thais Prandini.
Na última semana, o ministro Braga revelou detalhes daquilo que deve ser uma proposta a ser apresentada pelo governo federal até o final da próxima semana. O principal ponto do projeto é incentivar os geradores hidrelétricos a investirem em novas usinas que tenham capacidade para gerar o equivalente a 5% da atual oferta desses empreendimentos. Os projetos, de energia solar ou térmica, devem estar concluídos em três anos.
“Isso serviria como um hedge de até 5% da atual garantia física nos seus empreendimentos. Com isso, além do risco de 5% atual do sistema, os geradores usariam essa energia para absorver mais 5% de déficit, caso necessário. E, se houver sobra, essa energia poderá ser vendida no mercado livre”, disse Braga. Em troca, o prazo dos contratos de venda de energia dessas usinas seria ampliado.
O problema é que, caso o sistema nacional necessite desses empreendimentos, o governo propõe que a energia gerada pelas novas usinas seja precificada pelo contrato atualmente em vigor. Nesse caso, o gerador enfrentaria o risco de vender energia solar ou térmica, mais cara, lastreada por contratos de energia hídrica, mais barata. Outro agravante é o investimento em si. No caso de grandes projetos hidrelétricos, uma adição equivalente a 5% representaria o investimento em um grande projeto térmico novo.
A sócia da área de Energia do Veirano Advogados, Roberta Bassegio, destaca que, além da questão técnica, tal investimento pode enfrentar uma resistência legal. “Se for um gerador com atuação diversificada, não há problema, mas como fica a situação de quem ingressou no segmento hidrelétrico e vai precisar gerar energia solar? Pode haver inclusive uma limitação do objeto social”, alerta. A simples prorrogação de contrato, como propõe o ministro, também pode vir a ser questionada legalmente.
O modelo pensado pelo ministro ainda enfrenta inconsistências em sua própria modelagem. Braga afirmou que a proposta seria ampliar o risco do sistema, atualmente em 5%, para 10%, com os novos projetos. Contudo, não há qualquer regulação que determine esse limite mínimo de 5%, também citado nos mandatos de segurança dos geradores no processo de solicitação de liminares.
Na Justiça, os geradores tentam restringir as perdas com o déficit de geração hídrico a 5% da garantia física. Ou seja, em anos como o atual, em que o déficit ficará em aproximadamente 20%, as empresas teriam que honrar apenas 5% dos contratos que não serão atendidos pela geração própria.
O Broadcast apurou junto a um advogado envolvido na solicitação de liminares pelos geradores que o número de 5% leva em consideração uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que estabelece em 5% o risco de déficit aceitável do sistema. “Há também um decreto que disciplina as revisões das garantias físicas em 5% a cada cinco anos”, afirma o advogado, que não pode ser identificado.
Para o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) do Instituto de Economia da UFRJ, Nivalde de Castro, o Ministério de Minas e Energia precisará analisar com mais cuidado a proposta, de forma a evitar a continuidade dos problemas no setor de geração. “Estão tentando fazer um tapa-buraco. Este é um problema de grande complexidade e que, para ser resolvido, precisa ser elaborado com o apoio do corpo de técnicos da Aneel, da EPE, da CCEE e do BNDES, e isso não está sendo feito”, afirma o professor. Na semana passada, Braga deixou claro que o projeto citado por ele é uma “proposta individual”, ainda sujeita a aperfeiçoamentos.
(Estadão Conteúdo)