Para atrair dinheiro de fora do país, o governo federal vai permitir que empresas vencedoras de leilões de aeroportos usem recurso que iria para os cofres públicos para fazer seguro contra variações do câmbio.
As companhias que se utilizarem desse mecanismo poderão, contudo, ter que compensar o governo caso as variações do câmbio sejam benéficas a elas, pagando mais que o previsto.
O governo corre para que essa nova regra seja usada nas concessões dos aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre, cujos leilões estão marcados para 16 de março. Mas pretende que o modelo seja ampliado para outras concessões previstas em rodovias, ferrovias e portos.
A fórmula vai passar por uma consulta pública de dez dias antes de ser oficialmente publicada. Dentro do governo há entendimento de que a regra não alteraria o edital em grau que necessite mudar a data do leilão. Mas a tentativa é que o novo mecanismo esteja pronto até 15 dias antes da disputa dos aeroportos para evitar possíveis reclamações de empresas interessadas.
Como responsável pelo PPI (Programa de Parceira e Investimentos), o agora nomeado ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, chegou a dizer que não queria dar proteção cambial devido ao risco de indexação da economia.
A mudança de opinião do ministro aconteceu para atrair para o Brasil financiamento de fundos de pensão e bancos de investimentos estrangeiros. Eles cobram juros baixos, mas evitam emprestar para o país devido ao risco de perderem com mudanças no câmbio.
Se uma empresa empresta US$ 100 milhões a uma companhia brasileira com o dólar a R$ 3,20, a empresa nacional teria que arrecadar R$ 320 milhões para pagar o empréstimo (sem contar juros). Mas se o dólar vai a R$ 4, a mesma empresa tem que arrecadar R$ 400 milhões para pagar os mesmos US$ 100 milhões.
Os mecanismos de mercado para que as empresas se protejam contra essas variações, chamados de hedge cambial, são considerados caros e insuficientes no Brasil para operações de longo prazo, características de concessões. Por isso, a decisão foi tentar criar um mecanismo novo com recursos da própria concessão.
A regra que entrará em audiência pública -pode ser alterada após contribuições- vai valer para financiamentos em moeda estrangeira. Para fazer as obras e compras necessárias nessas quatro unidades, o governo estima que as empresas gastarão R$ 6 bilhões.
Desse dinheiro, 40% poderão ser emprestados pelo BNDES e 30% a empresa terá que colocar recursos próprios. Os outros 30% devem ser conseguidos em empréstimos fora do BNDES e é para esse dinheiro que haverá a proteção.
O mecanismo desenvolvido permite que o vencedor da disputa utilize uma parte do que ele tem a pagar para o governo anualmente para fazer um seguro. Essa parte é chamada de outorga variável. De tudo o que a concessão fatura ao ano, 5% deveria ir para o Fnac (Fundo Nacional de Aviação Civil), criado pelo governo para receber recursos dos grandes aeroportos para financiar os pequenos.
As empresas também têm que pagar uma outorga fixa (que será de no mínimo R$ 4 bilhões para os quatro aeroportos), mas essa não entra no mecanismo de proteção.
Pela nova regra, a concessionária vai poder usar o dinheiro de outorga variável para fazer a proteção. Caso o dólar suba de valor em relação ao real, a empresa pagaria menos do que os 5% previstos, podendo até não pagar no ano. Se ocorrer o oposto, a empresa pagaria mais de outorga variável até o limite de 10% ao ano. Ao fim de dez anos, se os 5% para mais ou para menos não forem suficientes, haverá uma forma de compensação.
Na estimativa dos técnicos usando dados dos últimos 20 anos, o Fnac não teria perdas ao longo do tempo com esse mecanismo. As contas também apontam que o uso da outorga variável seria suficiente para cobrir quase todo o percentual de 30% de empréstimos que as empresas vão precisar obter. Mesmo assim, o mecanismo não será obrigatório.
Segundo o advogado Bruno Aurélio, sócio em infraestrutura do Tauil & Chequer Advogados, os leilões no Brasil tinham a premissa de que a proteção cambial era um risco totalmente do empreendedor. Segundo ele, há uma mudança de entendimento agora, que começou em São Paulo, onde a concessão de duas rodovias, marcada para daqui a duas semanas, já prevê mecanismo de proteção semelhante ao criado pelo governo federal.
Para ele, quando há desvalorização do real, os empréstimos em dólar causam um impacto sensível no concessionário, que recebe pelos serviços em real mas tem que pagar em dólar, o que faz com que isso seja um risco elevado para a concessão. Para ele, essa mudança ideológica, em que o Estado passa a compartilhar o risco com o investidor, pode ser benéfica para o próprio governo, com o aumento do número de competidores.
Também pode evitar que o vencedor não cumpra o contrato e o Estado tenha que assumir o serviço em condições piores que as que entregou. “Isso pode beneficiar a competição e tornar mais atrativo”, disse Aurélio.
Folhapress