Após um mês nas ruas de Boa Vista (RR), o técnico em refrigeração venezuelano Alexander Malave, 52, foi aliciado para trabalhar em Manaus (780 km ao sul) com promessa de teto e comida.
Passou cerca de 50 dias morando num barraco com teto esburacado e vendendo água pelas esquinas, mas nunca viu o dinheiro devido.
O mecânico Ronny Bourne, 43, consertou motocicletas por três meses em uma oficina onde também dormia, na capital amazonense.
Saiu de lá sem receber os salários. “Foi uma humilhação, e não podia fazer nada.” Hoje, faz bicos em sociedade com Alexander Malave.
Recém-chegado à cidade após 14 dias de viagem desde Boa Vista a pé e pegando carona, o tapeceiro Luis Barrios, 39, consertava móveis no mesmo local onde dormia.
Pelos seus cálculos, tinha direito a R$ 3.900. “Mas não recebi sequer 20%. O patrão disse: ‘Você me deve tantos cafés, almoços e jantas’.”
Vulneráveis devido à falta de moradia e de dinheiro, trabalhadores venezuelanos em Manaus têm sido vítimas de golpes de empregadores, que não pagam salários aos imigrantes alegando custos com hospedagem e alimentação.
A situação preocupa o Ministério Público do Trabalho. Em reunião no Planalto em 14 de março, procuradores cobraram da Casa Civil inspeções e advertiram para o risco de venezuelanos serem aliciados para trabalho escravo.
“Apesar da ausência de denúncias formais no âmbito do MPT, há diversos relatos genéricos da ocorrência da exploração do trabalho dessas pessoas, que se sujeitam ao labor informal, em condições degradantes e sem qualquer garantia de seus direitos trabalhistas, notadamente ao salário mínimo”, afirma o procurador do Trabalho Leonardo Ono.
Boa parte desses relatos é feita na representação em Manaus da Cáritas, organização ligada à Igreja Católica, e inclui abusos na área rural, onde a possibilidade de fuga é mais remota.
Um casal venezuelano, por exemplo, disse ter ficado três meses em um sítio e só ter recebido comida pelo trabalho.
Assustados e desconfiados, não se arriscam a denunciar. Foi o caso de um venezuelano que, após reclamar por não receber pelo trabalho em uma carvoaria, foi ameaçado de morte por um policial ligado ao dono da empresa.
Apesar de menos visíveis que em Boa Vista, muitos venezuelanos moram nas ruas de Manaus. Ocupam também prédios abandonados ou pequenos espaços -caso de Luis Barrios, que divide um cômodo com nove compatriotas.
Para a Cáritas, o déficit de moradia se tornou o principal gargalo para o crescente fluxo de venezuelanos.
Além de ajudar com documentos e de oferecer cursos de português, a entidade fornece, em alguns casos, auxílio de R$ 300, gasto principalmente com aluguel.
Os recursos vêm da Acnur (agência da ONU para refugiados).
Depois de Boa Vista, Manaus é a cidade do país que mais recebe venezuelanos. Segundo o Ministério da Justiça, foram 2.577 solicitações de refúgio no Amazonas entre 2016 e 2017 (12,8% do total).
Esse número não leva em conta os que solicitaram residência temporária.
O controle é feito pela Polícia Federal, que não respondeu sobre o volume de pedidos protocolados em Manaus.
O poder público tem três abrigos em funcionamento em Manaus. Dois, da prefeitura, atendem apenas indígenas venezuelanos da etnia warao.
O terceiro abrigo, do governo do estado, está parcialmente em reformas e só pode receber 25 mulheres.
A prefeitura deve abrir em breve um abrigo com 200 lugares, mas ele será voltado a venezuelanos trazidos de Boa Vista no âmbito de um acordo com o governo federal.
Hoje, a principal oferta de teto vem da Igreja Católica, via Casa do Migrante. São 55 vagas em duas unidades, ambas com lotação máxima.
“Estamos fazendo o máximo que podemos, mas não está sendo suficiente”, afirma a coordenadora, Rosana Nascimento. Só na última quarta-feira (28), ela teve de recusar seis imigrantes.
Nascimento diz que, na época da chegada de haitianos, há cerca de cinco anos, havia mais doações e ofertas de emprego, por causa da economia em crescimento.
Luis Willians, 27, é um dos recém-chegados. Ele conseguiu um bico empacotando carvão. Trabalhou por três dias ao lado de outros quatro venezuelanos. Paga-se R$ 0,15 por saco. Por dia, o grupo encheu de 1.500 a 2.000 unidades, o que rende até R$ 60 para cada um.
Apesar das dificuldades, ele planeja se radicar no Brasil: “Queremos contribuir, com bom comportamento, trabalho e esmero”. (Folhapress)