A cada fase da Operação Lava Jato no Rio, a família de Priscila de Góes Pereira espera por respostas. Mais do que o esclarecimento sobre o suposto esquema de corrupção no Estado, eles querem saber quem matou a tiros a geógrafa aos 38 anos.
Pereira era funcionária da gerenciadora de projetos e supervisão de obras do programa de despoluição da baía de Guanabara, o Psam (Programa de Saneamento Ambiental), iniciado em 2011.
Durante os cinco meses em que ocupou o posto, relatou a familiares divergências com empreiteiros, colegas e oferecimento de propina.
No dia 5 de outubro de 2015, ela estacionou seu carro próximo à estação do metrô Maria da Graça (zona norte). Uma pessoa se aproximou e atirou sete vezes.
Investigação da Divisão de Homicídios indica um crime profissional. Embora ela tenha ficado cerca de dez minutos dentro do carro em frente à creche da filha, só foi atacada no estacionamento, local sem câmeras.
Cerca de 20 pessoas foram ouvidas no inquérito, ainda sem conclusão. Celular e o computador da geógrafa foram apreendidos. A reportagem apurou que a principal linha de investigação é de que a morte tenha sido encomendada em razão de sua atividade profissional. As demais hipóteses foram descartadas.
“Um dia ela chegou do trabalho e me disse: ‘Acredita que aqueles filhos da puta me ofereceram dinheiro?'”, relatou um parente, que pediu para não ser identificado.
Pereira chegou em maio de 2015 ao Psam e tinha como função monitorar o andamento de obras e fazer a interface entre o Estado e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que financia o programa. Dependia dos relatórios de sua equipe a liberação de novos recursos do banco para o governo.
“Ela disse que foi numa obra com verba liberada mas que não tinha começado”, disse o irmão, Arcanjo Serrano Pereira Jr..
Com temperamento explosivo, colecionou inimizades dentro e fora da Secretaria Estadual do Ambiente, pasta à qual o programa está ligado. A família a aconselhava a ter cuidado.
“Ela dizia: ‘Aqueles velhos não vão fazer nada'”, disse a tia, Itaura Serrano. Nas conversas com familiares, a geógrafa não citou nomes dos envolvidos.
A Lava Jato no Rio investiga um esquema supostamente comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) de cobrança de propina em obras de todas as áreas.
Delações premiadas da Odebrecht e da Carioca Engenharia já mencionaram corrupção na Secretaria do Ambiente, mas sem citar o Psam.
A geógrafa entrou no projeto por meio de Flávio Silveira, nomeado no mesmo período coordenador do Psam. Os dois se conheciam de trabalhos anteriores.
“Éramos uma equipe nova e de fato a gente começou cobrando trabalho. Mas ela nunca me falou de corrupção. Ficaria muito surpreso se fosse algo daqui [a causa do homicídio]”, disse Silveira, atualmente assessor do Psam.
Quando ela entrou no programa, duas obras de R$ 435 milhões estavam contratadas. Nenhuma delas envolve empreiteiras mencionadas no suposto esquema de corrupção.
A Secretaria do Ambiente lamentou, em nota, que “o caso ainda não tenha sido concluído”. Disse ainda que “associar o Psam à Lava Jato beira à raia da leviandade”.
“Não há nenhum inquérito, petição, indício ou menção ao Psam, nem mesmo a citação dele nos mais de mil vídeos que expõem denúncias da operação”, diz a nota. A secretaria também nega as irregularidades.
Antes, a geógrafa estava desempregada há um ano. Havia deixado o cargo de assessora na Secretaria de Obras se queixando também de assédio de corruptos.
“Saiu porque estavam roubando. Ofereceram R$ 200 mil para ela ser laranja”, disse o irmão da geógrafa.
Três ex-funcionários da pasta estão presos, entre eles o ex-secretário Hudson Braga. Pereira trabalhou na recuperação da Região Serrana e em obras no interior do Estado. Nos dois casos, a Polícia Federal já encontrou indícios de corrupção.
“Sempre que sai uma operação na televisão, esperamos que falem no nome dela”, disse a tia da geógrafa.
(FOLHA PRESS)