SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 1981, espremido entre “Indiana Jones” e “Corpos Ardentes”, despontou nos cinemas americanos a história do que jornais descreviam como um “Oliver Twist no inferno das ruas de São Paulo”.
Um dos filmes brasileiros mais aclamados, “Pixote: A Lei do Mais Fraco”, drama sobre um pivete paulistano desamparado, nunca havia sido restaurado. Nesta quarta (27), em Bolonha, o longa dirigido por Hector Babenco ganha uma sessão que coroa seu processo de digitalização.
A estreia da nova cópia acontece no Cinema Ritrovato, festival italiano dedicado a exibir obras restauradas.
A digitalização de “Pixote” levou meses de um trabalho que envolveu as cinematecas do Brasil e de Bolonha e a supervisão artística do cineasta Roberto Gervitz (“Feliz Ano Velho”, “Prova de Coragem”), ex-colaborador de Babenco.
O filme brasileiro foi selecionado pelo World Cinema Project, projeto que viabiliza a preservação de obras audiovisuais ligado à Film Foundation, capitaneada pelo diretor americano Martin Scorsese. Já os recursos para a digitalização de “Pixote” foram patrocinados pela George Lucas Family Foundation, mantida pelo criador da saga “Star Wars”.
“É o filme emblemático do Babenco”, diz Gervitz. Após a morte do diretor, em 2016, ele diz ter ficado chocado com o estado em que se encontravam as cópias dos filmes do realizador nascido na Argentina. “Me pareceu que a melhor forma de restaurar a sua obra seria começando por ‘Pixote’.”
O restauro é o pontapé para a recuperação de outros sete longas de Babenco: “O Rei da Noite”, “Lúcio Flávio”, “O Beijo da Mulher-Aranha”, “Brincando nos Campos do Senhor”, “Coração Iluminado”, “Carandiru” e “O Passado”. O projeto é encampado pela HB Filmes, produtora que hoje é capitaneada por Myra Arnaud Babenco, filha do cineasta.
Passados mais de 30 anos, os negativos originais de “Pixote” estavam em condições ruins (até porque serviram de fonte para várias cópias do filme). “Uma grande batalha foi contra os fungos”, diz Gervitz.
O som tinha problemas. Com espectro pequeno entre graves e agudos, tinha ganhado uma “sonoridade de lata”. A equipe teve de sair em busca da mixagem original do longa, que também teve de ser recuperada em estúdio.
Gervitz não sabe o valor empenhado no restauro da obra. Para se ter uma ideia, diz, no país os custos vão de R$ 200 mil a R$ 300 mil, dependendo do estado da obra. “Com ‘Pixote’ deve ter sido mais caro.”
Lançado no Brasil em setembro de 1981, o longa foi divisor de águas na obra de Babenco, que já havia conquistado popularidade local graças a “O Rei da Noite” (1975) e, sobretudo, “Lúcio Flávio” (1977).
Mas só começou a atrair olhares internacionais com a história de Pixote (Fernando Ramos da Silva), garoto que foge da Febem, perambula com companheiros igualmente miseráveis pela cidade e encontra o afeto nos braços da prostituta Sueli (Marília Pêra).
“É um filme de uma estética muito crua, direta, sem meias-palavras, mas ainda assim com um grande afeto pelos personagens”, afirma Gervitz. “Ultrapassa o filme-denúncia, penetra na psicologia daquela ‘família’ de personagens.”
Indicado ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, o longa preparou Babenco para suas futuras coproduções internacionais (como “O Beijo da Mulher Aranha”, em 1985).
Encontrado pela equipe do filme na periferia de Diadema (SP), aos 10 anos, Fernando Ramos da Silva foi selecionado entre mais de mil garotos para viver Pixote. Conhecia bem o universo de seu personagem. Apesar da aclamação, sua carreira nunca decolou.
Em 1987, aos 19 anos, após suposto assalto, ele foi executado com oito tiros por policiais militares. Estava desarmado, escondido embaixo da cama. Os policiais foram expulsos, mas nunca foram presos.
Gervitz e a HB Filmes querem que a cópia restaurada do filme seja exibida em algum festival brasileiro em 2018, mas não há confirmação.