SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um chileno de 60 anos chorando parou em frente ao caixão do arcebispo emérito de São Paulo dom Paulo Evaristo Arns, 95, velado na madrugada desta quinta-feira (15) na Catedral da Sé, na região central de São Paulo. Entre lágrimas, ele se ajoelhou e disse: “o senhor me salvou, eu devo a minha vida ao senhor”.
Alejandro Santander é uma das inúmeras pessoas que Arns ajudou durante a ditadura militar e um dos vários fiéis que passaram pelo velório para se despedir dele, entre a noite de quarta (14) e madrugada desta quinta (15). Quem ainda não compareceu mandou coroas de flores, como o ex-presidente Lula.
Santander era militante socialista e deixou Santiago, sob a ditadura de Pinochet, rumo ao Brasil, em 1978.
O chileno, que era ateu, lembrou que ninguém o esperava na chegada ao aeroporto. De lá foi à igreja Nossa Senhora da Paz, na região central, que recebe imigrantes, onde morou por dez dias e conheceu o religioso.
“Fui expulso do Chile e d. Paulo me recebeu de braços abertos, me ajudou nos primeiros dias”, disse, emocionado.
Hoje agnóstico, Santander disse que aprendeu muito com o arcebispo e que por ele iria até o fim do mundo. “D. Paulo me ensinou que o cristianismo e o socialismo poderiam andar juntos”, falou.
Segundo Santander, Arns era um grande homem que ajudou um milhão de estrangeiros. “Hoje morreu o sorriso da esperança”.
A dona de casa Maria Bernadete Medeiros, 54, mostrou orgulhosa uma foto da década de 80 quando foi crismada por Arns na igreja São Francisco Xavier, no Jardim Japão, na zona norte de São Paulo.
Quando viu na TV que Arns tinha morrido decidiu passar a madrugada velando o corpo do religioso na catedral. Para o marido disse que teria que fazer isso “porque ele fez parte da sua vida”.
Durante a madrugada, ela acompanhou as missas de corpo presente celebradas a cada duas horas e nos intervalos se juntou a um pequeno grupo para rezar o terço. Em um pequeno intervalo das orações falou com a reportagem. Maria lembrou da época do curso de crisma quando o arcebispo fazia visitas aos jovens à convite do pároco da igreja.
Segundo ela, d. Paulo era muito carinhoso e chamava os jovens de “minhas crianças”. O curso durou mais de um ano e foram várias as vezes que os jovens se encontraram com Arns.
“Ele falava que a vida tem sempre dois caminhos e era para gente seguir o de Cristo”, disse Maria.
O professor de geografia Marcio Janes, 63, acordou às 4h para ir ao velório do arcebispo, que disse acompanhar durante toda a vida. “Quero tentar voltar na sexta na hora do enterro”, falou.
Janes participou dos atos ecumênicos celebrados pelo arcebispo antes, durante e depois da ditadura. Para o professor, o arcebispo era um homem de grande força, capacidade de mobilização, esperança e conseguia levar isso para o conjunto da sociedade. “O lema de vida dele era de esperança em esperança”.
A advogada Juliana Graciolli, que passou a madrugada no velório, falou que Arns a inspirou a atuar na pastoral carcerária e na defesa dos direitos dos negros e indígenas. “Ele tinha uma frase simples e singela que era sem justiça, não há paz”.
Juliana disse que o arcebispo sempre falava em justiça social e da necessidade de levar a caridade aos povos. Segundo ela, quem via Dom Paulo tão franzino não conseguia imaginar a força dele.
“Homem igual a ele vai demorar a nascer”, disse, emocionada.