São Paulo – Considerado vanguarda em governança, o Marco Civil da Internet ainda carece de regulamentação, o que vem colocando em xeque alguns dos seus efeitos práticos, alertam especialistas. Em 2013, no último levantamento do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), o Brasil tinha 85,9 milhões de usuários da rede. E foi para assegurar direitos a esse contingente de internautas – como a inviolabilidade da vida privada e a manutenção da qualidade da conexão – que a legislação foi sancionada em abril de 2014. Mas alguns pontos dela ainda precisam ser mais esclarecidos.
“A maior parte depende da regulamentação, que vai ser o gol, para se ter o efeito prático do Marco Civil”, afirma Renato Opice Blum, especialista em direito digital e presidente do conselho de Tecnologia da Informação da Fecomércio-SP. “Como ainda não existe regulamentação, não está claro quem vai fiscalizar“, completa.
Segundo o advogado, na proteção de dados pessoais, o Marco Civil é “muito simplório”. “O Marco protege dados pessoais, mas não define nem o que são dados pessoais.“
Para tentar mudar esse quadro, o governo dará início, amanhã, aos debates públicos para a elaboração da Lei de Proteção de Dados Pessoais e do decreto presidencial que regulamentará o Marco Civil. As discussões ocorrerão em plataformas no portal do Ministério da Justiça.
Para o promotor do Ministério Público do Distrito Federal, Frederico Ceroy, a regulação deve esclarecer exceções da neutralidade da rede. Apesar do Marco Civil determinar que toda a informação deve circular com a mesma velocidade, provedores podem discriminar pacotes de dados em “serviços de emergência” e “requisitos técnicos indispensáveis à prestação de serviços”.
Nessa segunda exceção, um provedor, por meio de um laudo técnico, pode taxar um usuário, sustentando que ele consome toda a banda disponível para o bairro. “Provedores vão sempre dizer que algo é indispensável aos requisitos técnicos. É preciso regular para não virar um balaio em que pode caber qualquer gato“, diz Ceroy.
Conselheiro do CGI.br, Demi Getschko defende que a regulação é necessária também para questões de direitos autorais, cuja lei deve ser revista. “Hoje você vai direto do autor ao usuário final. Isso muda a regra.” O secretário de Política da Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, Virgílio Almeida, diz que o decreto servirá para direcionar o papel do Marco Civil. Ele, porém, defende um debate: “A internet é descentralizada, não tem um único órgão na governança“.
Apesar do grande número de usuários, o País tem rincões onde o acesso à internet é precário. Nas áreas rurais, só 15% dos domicílios têm acesso à rede, contra 48% em áreas urbanas, segundo o CGI.br. Além disso, 24,2 milhões de domicílios com renda até dois salários mínimos não têm acesso.
Coordenador de Comunicação e Informação da Unesco no Brasil, Adauto Soares afirma que tão importante quanto o acesso é o uso que se faz da internet. “Temos de saber se é só para diversão ou se está aumentando a renda”, diz.
“O governo não tem estrutura para monitorar”, completa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(Agência Estado)