O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) foi preso na manhã desta quinta (17) em seu apartamento no Leblon, zona sul da capital fluminense, durante a Operação Calicute, uma ação conjunta das forças-tarefas da Lava Jato no Rio e em Curitiba.
Os investigadores apuram o desvio mais de R$ 220 milhões de recursos públicos federais em obras realizadas pelo governo do Estado, que passa por uma crise fiscal e, por isso, teve R$ 170 milhões bloqueadas pela União. São investigados também corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.
Também tiveram mandados de prisão expedidos Hudson Braga, ex-secretario de obras e braço direito do atual governador, Luiz Fernando Pezão, e Wilson Carlos, que coordenou a campanha de Cabral e é ex-secretário de Governo.
A mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, foi alvo de condução coercitiva.
Segundo a Polícia Federal, foram identificados fortes indícios de cartelização de grandes obras executadas com recursos federais com pagamento de propinas a agentes estatais, entre eles, um ex-governador do Estado do Rio de Janeiro.
Mais de 200 policiais cumprem 38 mandados de busca e apreensão, oito mandados de prisão preventiva, dois de prisões temporárias e 14 de condução coercitiva expedidos pela Justiça Federal do Rio.
Os policiais também cumprem outros 14 mandados de busca e apreensão, dois de prisão preventiva e um de prisão temporária expedidos pela Justiça Federal do Paraná.
Também participam das diligências com 19 procuradores do MPF (Ministério Público Federal) e cinco auditores fiscais da Receita Federal do Brasil.
Os mandados foram expedidos pelos juízes Sergio Moro, de Curitiba, e Marcelo Bretas, do Rio.
Obras
De acordo com o Ministério Público Federal do Rio, o “objetivo é o de aprofundar investigações sobre organização criminosa chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral -dedicada à prática de atos de corrupção e lavagem de dinheiro, composta por dirigentes de empreiteiras e políticos do alto escalão do governo do Rio”.
A investigação tem origem nos trabalhos da operação Saqueador, que prendeu o empreiteiro Fernando Cavendish, e nas colaborações de executivos da Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia.
“As investigações apontam para a prática de corrupção na contratação de diversas obras conduzidas no governo de Sérgio Cabral, entre elas, a reforma do Maracanã para receber a Copa de 2014, o denominado PAC Favelas, cujas irregularidades foram antecipadas em reportagem da Folha de S.Paulo e o Arco Metropolitano, financiadas ou custeadas com recursos federais”, diz o MPF do Rio.
A propina paga é avaliada, “em patamar preliminar”, em R$ 224 milhões.
“Foi identificado que integrantes da organização criminosa de Sérgio Cabral amealharam e lavaram fortuna imensa, inclusive mediante a aquisição de bens de luxo, assim como a prestação de serviços de consultoria fictícios”, diz a procuradoria.
De acordo com a força-tarefa no Rio, Cabral recebia mesadas da Andrade Gutierrez e da Carioca. Os valores mensais chegaram a R$ 500 mil. Empreiteiras também relataram o pagamento de uma “taxa de oxigênio” no valor de 1% sobre os projetos ligados à Secretaria de Obras, comandada por Braga.
“Partindo do pressuposto que a propina era solicitada no patamar de 5 mais 1%, ou seja, 5% para o governador Sérgio Cabral e mais 1% de uma denominada ‘taxa de oxigênio’ que era destinada à subsecretaria de Obras, conduzida pelo investigado Hudson Braga, foi possível fazer uma estimativa de que houve solicitação de propina não só da Andrade Gutierrez, mas também de todas as empreiteiras que participaram desse consórcio”, afirmou Lauro Coelho Júnior, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio, em entrevista coletiva nesta manhã.
Há ainda suspeita de pagamento de propina a Cabral nas obras de terraplanagem do Comperj, em Itaboraí.
“Foram colhidas provas que evidenciam que o ex-governador recebeu, entre os anos de 2007 e 2011, ao menos R$ 2,7 milhões, da empreiteira Andrade Gutierrez, por meio de entregas de dinheiro em espécie, realizadas por executivos da empresa para emissários do então governador, inclusive na sede da empreiteira em São Paulo”, diz a Procuradoria.
“A investigação apurou, por exemplo, que apenas dois investigados, entre os anos de 2009 e 2015, efetuaram pagamentos em espécie, de diversos produtos e serviços, em valores que se aproximam de R$ 1 milhão de reais”, afirma a procuradoria.
O nome da operação faz uma referência à tormenta de Cabral em Calicute, na Índia.
Em sua decisão, Bretas justifica a ordem de prisão de Cabral pelo risco de atrapalhar as investigações.
“Por razões óbvias, em se tratando de investigações complexas, em que normalmente as práticas criminosas se passam na intimidade de escritórios e gabinetes, cujos documentos ilicitamente produzidos e os proveitos espúrios auferidos podem ser rápida e efetivamente destruídos e ocultados, é razoável sua apreciação ‘in limine’ [no início], diferindo-se para momento posterior a observância do contraditório e da ampla defesa”, diz na decisão.
A prisão ocorre um dia após a prisão de outro ex-governador do Rio, Anthony Garotinho (PR), preso preventivamente sob acusação de comandar um esquema de compra de votos na eleição em Campos dos Goytacazes (RJ), sua base eleitoral.
A investigação de Garotinho não está relacionada à da Operação Lava Jato. De acordo com o Ministério Público, Garotinho conseguia votos para seus aliados em troca da inscrição fraudulenta de beneficiários do programa social Cheque Cidadão, que destina R$ 200 a famílias pobres.
Ainda de acordo com os investigadores, o esquema mais que dobrou o número de inscritos no programa, que foi usado para fins eleitorais.
Na quarta-feira, servidores do Estado do Rio protestaram contra o pacote de ajuste fiscal proposto pelo governador Luiz Fernando Pezão, afiliado político de Cabral e vice durante sua administração no Rio. O ato acabou em confronto com a Polícia Militar em frente à Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).
Folhapress