O aguardado depoimento do ex-diretor do FBI (polícia federal americana) James Comey a senadores nesta quinta (8) começou com um discurso emocionado, em que Comey afirmou que o governo Trump mentiu e difamou o FBI.
“O governo escolheu me difamar, e, mais importante, difamar o FBI dizendo que a organização estava em desarranjo, que era mal liderada e que os funcionários tinham perdido a confiança em seu líder. Isso é mentira, pura e simples”, disse.
Comey também disse que as constantes mudanças nas explicações do governo sobre sua demissão, no dia 9 de maio, o “confundiram” e “preocuparam cada vez
Ele lembrou que, por várias vezes, Trump disse só ouvir elogios sobre o seu trabalho. “Então isso me confundiu, quando vi na televisão que o presidente disse que ele, na verdade, me demitiu por causa da investigação sobre a Rússia.”
O ex-diretor, que ainda responde as perguntas dos senadores, decidiu não ler as sete páginas de introdução, que tinham sido divulgadas na véspera.
No texto, Comey confirma que Trump o pressionou para encerrar as investigações sobre o general Michael Flynn, um dia depois de sua renúncia do cargo de conselheiro de Segurança Nacional.
Também afirma que o presidente pediu a ele “lealdade”, no mesmo jantar em que perguntou a Comey se ele queria permanecer em seu posto.
Comey disse que conversou com Trump nove vezes sozinho -três em encontros e seis por telefone. Em todas elas, disse, escreveu um relato ao final, em um memorando, por sentir que deveria documentar as conversas, por conta de seu conteúdo.
Também afirmou ter pedido ao secretário de Justiça, Jeff Sessions, que não conversasse mais a sós com Trump, por ser inapropriado considerando o caráter independente do posto de diretor do FBI. Sessions nunca o respondeu.
“Criar registros escritos foi minha prática a partir daquele ponto [do primeiro encontro]. Não era no passado”, afirmou, lembrando que só teve duas conversas a sós com Obama, e que nunca sentiu a necessidade de registrar seu conteúdo.
No texto, Comey narrou o que ocorreu nos três encontros e em dois telefonemas.
Num jantar em 27 de janeiro, para o qual o então diretor do FBI foi convidado no mesmo dia, e no qual só estavam os dois, Trump começou perguntando se ele queria continuar no posto, mesmo com Comey tendo cumprido apenas 3 dos 10 anos de seu mandato. Pouco depois, pediu que o diretor fosse leal a ele.
“Ele me disse ‘eu preciso de lealdade’. Eu respondi: ‘Você sempre terá minha honestidade’. Ele fez uma pausa e me disse: ‘É isso que eu quero, lealdade honesta’. Eu parei e disse: ‘Você terá isso de mim'”, relatou Comey.
O ex-diretor ponderou que o termo “lealdade honesta” pode ser entendido de várias maneiras. “Mas eu decidi que não seria produtivo continuar naquela conversa. O termo -lealdade honesta- me ajudou a encerrar uma conversa muito estranha e minhas explicações já tinham deixado claro o que ele deveria esperar de mim.”
Duas semanas depois, em 14 de fevereiro, em um encontro no Salão Oval, Trump disse a Comey que Flynn “é um cara bom” e esperava que o diretor estivesse “disposto a deixar isso passar, a deixar Flynn de lado”.
A revelação mostra uma tentativa de Trump de interferir em uma investigação federal, e portanto, o crime de obstrução de Justiça, segundo a oposição. Esse tipo de crime pode levar a um processo de impeachment, mas a possibilidade é remota, já que sua abertura teria de ser aprovada pelo Congresso, que tem maioria republicana.
Na véspera do depoimento de Comey, Trump anunciou sua escolha para o posto: Christopher Wray, que liderou, durante o governo de George W. Bush, a divisão criminal do Departamento de Justiça, e foi advogado pessoal do governador de Nova Jersey, o republicano Chris Christie, no escândalo conhecido como “Bridgegate”.
A expectativa para o depoimento já era grande desde que sua data foi anunciada, na última semana. Cerca de duas horas antes do início da sessão, uma longa fila se formava do lado de fora do Comitê de Inteligência.
Durante a semana, enquanto a rede CNN mostrava uma contagem regressiva de dias e horas para o depoimento, pelo menos seis bares da cidade anunciaram que abririam as portas pela manhã para transmitir a sessão ao vivo.
Muitos prepararam ofertas ou drinks especiais para a ocasião. O Union Pub, por exemplo, disse que daria uma rodada de drinks a todos os clientes a cada tuíte de Trump sobre Comey durante o depoimento.
O Duffy’s Irish Pub, na badalada rua U, criou o coquetel “covfefe” para o “show de James Comey”. O bar Commissary também fez o seu drink “conspiração e covfefe” -cerveja com uma dose de vodka russa.
A brincadeira é com um tuíte recente de Trump, no qual ele escreveu a frase indecifrável: “Apesar da constante imprensa negativa covfefe.” A mensagem foi apagada, mas o estrago nas redes já estava feito. O presidente tentou reverter a situação depois, fazendo piada com o próprio erro. (Folhapress)