A estudante de medicina Raynéia Gabrielle Lima, 31, foi morta a tiros na noite de segunda (23) em Manágua em meio à convulsão social que tomou o país governado por Daniel Ortega. O assassinato da brasileira, divulgado pela mídia local no início desta terça, foi confirmado pela Embaixada do Brasil na Nicarágua.

Estudante da Universidade Americana (UAM), Lima teria sido metralhada. Raynéia era pernambucana de Vitória de Santo Antão e completaria 32 anos em agosto. Em seu perfil nas redes sociais ela se descreve: “Nascida no Brasil, renascida na Nicarágua. Liberdade, luz, paz e amor.”

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A estudante foi baleada por volta das 23h (2h em Brasília), quando voltava para casa, disse à Folha o reitor da UAM, Ernesto Medina. Ela estava sozinha no carro, mas seu namorado vinha no veículo de trás.

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Atingida com um tiro de grosso calibre no peito, foi levada pelo namorado ao Hospital Militar, mas morreu duas horas mais tarde. Seu carro teria recebido vários disparos.

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Nesta terça (24), o governo brasileiro chamou a embaixadora da Nicarágua, Lorena Martínez, para prestar esclarecimentos sobre o assassinato. A diplomata esteve no Ministério das Relações Exteriores, mas o Brasil ainda aguarda detalhes de Manágua.

Em sinal de tensão entre os dois países, o Itamaraty também convocou o embaixador brasileiro na Nicarágua, Luís Cláudio Villafañe, para relatar a situação –não havia previsão de quando ele chegaria.

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“Estamos cobrando do governo nicaraguense a apuração das responsabilidades pelo ocorrido e estamos mobilizados para dar apoio à família”, afirmou o secretário-geral das Relações Exteriores, Marcos Galvão, em Puerto Vallarta (México), onde acompanha o presidente Michel Temer na cúpula do Mercosul e da Aliança do Pacífico.

Temer, em breve declaração, também disse “lamentar profundamente o ocorrido”.

As circunstâncias da morte da estudante estão pouco claras. A Nicarágua tem enfrentado protestos pela renúncia de Ortega quase diariamente, aos quais o governo vem reagindo com repressão. Desde abril, são mais de 360 mortos –a maioria deles, civis.

Segundo o reitor Medina, o bairro onde a brasileira morreu, Lomas de Montserrat, é habitado por funcionários de alto escalão do governo.

A principal hipótese é a de que o disparo tenha vindo de paramilitares que fazem a segurança da região. “É uma morte incompreensível”, disse o reitor, um dos representantes da sociedade civil na mesa de negociação com o governo Ortega, suspensa no final de junho.

Em comunicado à imprensa, a Polícia Nacional da Nicarágua diz que os disparos partiram de um segurança particular “em circunstâncias ainda não determinadas”. Não foi informado se ele foi preso nem para quem trabalhava.

A estudante de medicina fazia residência médica no hospital Carlos Roberto Huembes, que pertence à polícia.

O pai de Raynéia, o motorista Ridevando Lima, disse que ela se mudou há seis anos para a Nicarágua junto com o marido, cuja família, brasileira, já havia morado no país.

“Ela estava terminando a residência”, afirmou Lima à Folha, por telefone. “Estava pronta para vir pro Brasil.”

Lima descreveu a filha como caseira e estudiosa. “Ela não entrava nisso de manifestação, era muito tranquila.”

Segundo uma amiga também universitária que pediu anonimato para evitar represálias, Raynéia era “uma menina muito alegre, sempre sorridente e disposta a ajudar”.

“Ela não protestava, mas esteve nos hospitais apoiando os feridos [nos protestos] como médica, assim como muitos de seus companheiros da universidade”, afirmou.

Desde o início dos protestos, em abril, Manágua vive um toque de recolher informal após as 19h, em meio a vários relatos de pessoas assassinadas ou sequestradas por policiais e paramilitares do regime de Ortega.

As lojas dos shoppings, antes abertas até as 20h, agora fecham às 17h. São poucos os restaurantes que se arriscam a abrir durante a noite, e muitos já fecharam as portas.

Ortega, por sua vez, nega ter ligação com os grupos paramilitares que são acusados de serem os responsáveis pela maioria das mortes e que usam bandeiras do partido do presidente, a Frente Sandinista de Libertação Nacional.

Ele afirma que não pretende renunciar. Acusa a Igreja Católica de se envolver nos protestos e os manifestantes de tentarem lhe tirar do cargo –em entrevista à rede de TV american Fox News exibida na noite de segunda, disse que os protestos são “financiadas por traficantes de drogas e agências ligadas aos EUA”: “Nenhuma das manifestações pacíficas foi atacada”, disse.

Na semana passada, uma equipe de jornalistas estrangeiros chegou a entrar no campus da Unan, mas teve de sair após paramilitares dispararem para o alto.

As universidades do país estão sem aulas desde abril.

A Unan era um dos principais focos das manifestações contra Ortega.

No último dia 13, policiais e paramilitares iniciaram uma ofensiva contra as trincheiras montadas pelos estudantes. Dois deles morreram com tiros na cabeça.

360 pessoas foram mortas desde o início dos protestos contra Ortega e da repressão, em abril

Há pelo menos 2.100 feridos. (Folhapress)

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