SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A economista Ana Carla Abrão Costa toca, ao lado do também economista Armínio Fraga, projeto ambicioso: uma agenda de reformas do Estado que suceda a mais recente feita no país, em 1995.
Ex-secretária da Fazenda de Goiás, Costa diz que, para arrumar a casa, é preciso mais do que uma boa gestão e que não adianta apresentar propostas que não tenham viabilidade política.
Entre os temas que precisam de discussão, a hoje sócia da consultoria americana Oliver Wyman cita a estabilidade no serviço público, mas reconhece que parte dos servidores não tem condições adequadas de trabalho. “É o policial que vai para a rua e morre porque não tem colete ou o professor que vai para a escola caindo aos pedaços.”
Filha de mãe senadora e pai ex-banqueiro, ex-governador e hoje secretário da Segurança Pública de Goiás, a economista diz que não é possível imaginar uma liderança que negue a política. “Ela é essência da democracia.”
PERGUNTA – A sra. propõe reformar o Estado?
ANA CARLA ABRÃO COSTA – É um projeto amplo. Armínio [Fraga, economista] me lembrou de que a última reforma do Estado foi com Bresser [Luiz Carlos Bresser-Pereira], em 1995. A ideia é algo mais autoral, focado em três pilares: planejamento, Orçamento e uma parte mais avançada, vinculada à eficiência da máquina pública.
P. – Vão apresentar essa proposta para algum candidato?
AC – Não. É uma agenda independente e apartidária financiada pela Oliver Wyman.
P. – O que a agenda tem de novo?
AC – Chamamos especialistas para dizer qual a proposta ideal. Não partimos de algo que, a priori, as forças políticas entendem ser viável. Quem liderar o país no ano que vem poderá usá-la como inspiração.
P. – A sra. vai colaborar com alguma candidatura?
AC – Não vou me vincular a nenhuma candidatura colocada.
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AC – Um deputado que respeito muito me disse que existe o ideal e o viável politicamente. Temos de trabalhar na intersecção das duas coisas. Diante da gravidade da situação atual, ou essas coisas se aproximam ou não vamos sair do lugar. Os absurdos que vivemos do ponto de vista da captura do Estado, dos interesses pessoais como eixo central das políticas públicas, precisam ser colocados.
P. – Mas essa captura é feita por quem? Servidores?
AC – Não só, mas também sindicatos. Quanto eles de fato representam o servidor que está ali com o espírito público? É preciso esclarecer quem está sendo beneficiado pela política pública. A discussão foi se perdendo porque o país foi tomado por corporações. A independência dos Poderes virou um grande monstro. O país está quebrando e existem Poderes dizendo que não vão fazer contingenciamento de recursos porque se está ferindo a independência.
P. – Há chance de mudança com o novo governo?
AC – Sou uma otimista. Os dois anos no setor público me deram senso dos problemas brasileiros que eu nunca tinha tido. Obviamente, o Brasil depende não só de uma liderança no Executivo mas de uma conscientização do Legislativo.
Eu vivi o governo Dilma e o governo Temer. A capacidade de articulação do governo Temer é absurda. No governo Dilma, a gente negociava as coisas na Fazenda, na Casa Civil, e, de lá, caíam no Congresso e era um “barata-voa”. O primeiro a subir na tribuna para bater no projeto do governo era alguém da base. É preciso engajamento da sociedade porque o Congresso é muito sensível às pressões.
P. – Qual é a situação financeira exata dos estados?
AC – Os estados têm um desequilíbrio estrutural que não foi atacado: despesa de pessoal crescente. E receitas que agora estão começando a reagir. Não há capacidade de investimento, com deterioração grande de serviços públicos.
P. – Muitos dizem que o Rio puxa uma fila. Há exagero nisso?
AC – O Rio é a face aguda da crise. Mas todos chegarão lá se não houver ajuste estrutural.
P. – Quais são os estados mais próximos da situação do Rio?
AC – Já são conhecidos: Minas Gerais, Rio Grande do Sul. E há aqueles que fizeram ajustes mais sólidos, como Espírito Santo e Alagoas. Esses estão numa situação mais equilibrada, mas ainda dependem de uma situação fiscal melhor do governo federal para que possam se manter na trajetória.
P. – É preciso mais do que gestão?
AC – É mais do que gestão. O fiscal é o que chama a atenção, mas o meu foco hoje é questionar em que momento a gente vai entender que serviço público é instrumento de justiça social. São educação de qualidade, segurança que não vai deixar que nossos jovens de mais baixa renda sejam capturados pelo crime ou morram aos 25 anos. Serviço público não é só alocar o risco ou fazer gestão fiscal eficiente. Se a gente não melhora a máquina, não há como prover serviços de qualidade.
P. – É preciso repensar a estabilidade?
AC – Gasto com pessoal consome cerca de 80% das receitas dos estados. Há penduricalhos, terceirizações. Ao mesmo tempo, boa parte do serviço público ganha salários baixos, sem condições de trabalho. É o policial que vai para a rua e morre porque não tem colete ou o professor que vai para a escola caindo aos pedaços. A máquina se alimenta dela própria.
Houve onda de concursos públicos. A pessoa passa e não faz mais nada a não ser estudar para o próximo, com salário mais alto. Por que médico tem de ser estável? Estabilidade não pode ser blindagem.
P. – Voltaria ao serviço público?
AC – Não. Acho que consigo ajudar essa discussão melhor estando de fora.
P. – Política tem de ser feita por políticos?
AC – Sou filha de políticos. Confesso que já tinha no DNA essa coisa política, mas tenho certeza de que, sendo político ou não, é preciso entender que a política é ferramenta essencial para avançar. A boa política. Não é possível imaginar uma liderança que negue a política porque ela é essência da democracia. O que tem de fazer é separar a boa e a má política. O processo de negociação política não é necessariamente ruim, ao contrário. É que passamos do limite. Vivemos uma realidade absurda, um balcão de negócios. Não precisa ser assim.