A campanha, divulgada na última terça-feira em Salvador, inicia com imagens de foliões enquanto um locutor diz a mensagem: “Milhões de pessoas brincam o Carnaval. No Brasil, 260 mil sabem que têm HIV e não se tratam. E estima-se que 112 mil têm o vírus e nem sabem. E você?”
Em seguida, o volume da música aumenta, e o locutor completa: “No Carnaval, use camisinha e viva essa grande festa. Previna-se da Aids e, se preciso, faça o teste de HIV”.
Para as associações, ao destacar os dados sobre o número de pessoas ainda sem tratamento ou não diagnosticadas, em tom considerado de suspeita, a campanha acaba por “estigmatizar” e “culpabilizar” as pessoas que vivem com HIV.
“De caráter aparentemente informativo, a frase [inicial do vídeo] é perigosíssima”, informa nota assinada por representantes do Fórum de ONGs/Aids de São Paulo e Rio Grande do Sul em parceria com a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids de São Paulo.
“Primeiro, porque traz uma mensagem subliminar que responsabiliza as pessoas com HIV pela disseminação do vírus que provoca a Aids. Depois, porque transfere a responsabilidade do vínculo do paciente aos serviços de saúde e ao tratamento apenas às pessoas que vivem com HIV”, completa.
Segundo o grupo, a campanha induz a acreditar que a responsabilidade por não aderir ao tratamento e pelo avanço da epidemia é apenas de quem tem o HIV, e não do governo em estruturar também os serviços.
“Ao associar o não tratamento de ‘260 mil pessoas com HIV’ àquelas pessoas que não fazem uso do preservativo em suas relações sexuais, o Ministério da Saúde ressalta ainda mais o estigma, o preconceito e a discriminação a que são submetidas cotidianamente as pessoas com HIV em todo o país”, informa.
Críticas à nova campanha também foram divulgadas pela Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids, RNP+ (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids), MNCP (Movimento Nacional das Cidadãs Positivas) e Anaids (Articulação Nacional de Luta Contra a Aids).
Para representantes dessas associações, o governo “omite” as dificuldades de acesso aos serviços de saúde em algumas cidades -citam, por exemplo, espera de até seis meses entre o diagnóstico positivo do HIV até a primeira consulta médica especializada para início do tratamento.
Segundo as entidades, em vez de citar apenas dados negativos, o governo poderia dizer que de 715 mil pessoas diagnosticadas com HIV, 455 mil estão em tratamento com antirretrovirais -“destas, 90% são tão pontuais com suas doses diárias que já alcançaram a supressão viral, o que, segundo a Organização Mundial de Saúde, torna pessoa não transmissível”, diz o grupo, em nota.
“Além disso, a política do Ministério da Saúde que atualmente prioriza a testagem e o tratamento como formas principais de prevenção atua de uma forma mínima e simplista, ignorando as novas tecnologias e estratégias de gerenciamento de risco. Tais fatos se refletem no aumento dos novos casos de infecções ocorrido nos últimos anos”, afirmam representantes da Anaids.
O Ministério da Saúde informou, em nota, que a campanha tem como objetivo incentivar que 260 mil pessoas busquem o tratamento contra HIV, “que está disponível gratuitamente em todo o país e é o melhor do mundo.”
Questionada, a pasta não respondeu sobre as críticas de demora no acesso a médicos especialistas.
Segundo o ministério, a campanha também visa alertar que 112 mil pessoas têm o vírus, não sabem e podem estar transmitindo involuntariamente a doença, daí o incentiva à testagem e início do tratamento.
Em nota, a pasta diz ainda que a informação sobre o panorama nacional em relação ao HIV é “fundamental” para que o público geral “possa conhecer os riscos de fazer sexo desprotegido”.
“Esse é um apelo às novas gerações que não acompanharam ídolos como Cazuza que lutaram contra a doença e, portanto, vem deixando de se prevenir”, completa. (Folhapress)