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“É um lamentável equívoco de um Estado democrático de direito”, diz Ari de Queiroz

O juiz goiano Ari Ferreira de Queiroz, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual da comarca de Goiânia, foi aposentado compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O magistrado teria proferido sentenças em benefício do então cartório Maurício Sampaio, para que ficasse no 1° Tabelionato de Protesto e Registro de Títulos e de Goiânia. Maurício Sampaio é acusado de ser o mandante do assassinato do radialista Valério Luiz.

Em entrevista ao jornalista Altair Tavares, na Rádio Vinha FM, o juíz afirmou que não constesta a decisão do CNJ e sim, os motivos que levaram a Justiça a tomar essa decisão. Segundo ele, é um lamentável equívoco. Ele ainda ressaltou que não existe uma acusação contra ele, de que o magistrado teria se beneficiado de alguma forma.

Confira a entrevista na íntegra:

Altair Tavares: O senhor alega o quê nessa contestação ao que decidiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)?Ari de

Ari de Queiroz: Não, a aposentadoria foi decretada, eu não contesto. O Conselho decretou. O que eu contesto são os motivos, contesto a Justiça dessa decisão. Eu considero como sendo um dos maiores e lamentáveis equívocos de um Estado democrático de direito, como o nosso. Quando Alexandre Garcia falava agora a pouco, eu ouvi ele falando de vários países ditatoriais e entre eles incluiu a Venezuela. Nós estamos desse jeito. Eu acredito que o Supremo Tribunal Federal (STF), enfim, que a Justiça tomará uma decisão, reparará esse equívoco, caso contrário nós estamos caminhando na mesma direção da Venezuela, com arbitrariedades absurdas. Não se trata apenas de cercear a liberdade e até a obrigação do juiz de decidir de acordo com as suas convicções, que é um dogma do Estado democrático, aliás, muito antes até. Desde quando nosso Brasil ainda não era uma democracia, na década de 70, foi aprovado naquela época, no ano de 1979, a nossa Lei Orgânica, chamado Estatuto dos Magistrados, um conjunto de regras, de normas que determina, que estabelece, que rege a nossa conduta, o nosso trabalho, enfim. Já naquela época deixada claro, era expressa a norma ao dizer que o juiz não pode ser punido pelo teor de suas decisões. Seria como punir um parlamentar, um deputado, um senador, por exemplo, pelo teor de seus votos, de suas manifestações na tribuna, por suas palavras. Não há muita diferença entre a imunidade parlamentar com a imunidade judicial. A diferença é que os parlamentares falam, mais falam do que escrevem, e a sua imunidade está prevista na Constituição. Enquanto os juízes mais escrevem do que falam e sua imunidade está prevista numa Lei Orgânica, numa lei complementar. Como o Conselho Nacional de Justiça deixou bastante claro que sequer existe acusação contra mim, o que é importante, fundamental. Não existe acusação contra mim de que eu tenha me beneficiado de alguma forma. Claro que não houve um ‘toma lá da cá’, decidiram o sentido em troca de algum benefício. Isso está afastado expressamente pela própria relatora do processo e pelos demais membros daquele colegiado respeitável. Então, se o juiz não fez nada errado, e de fato não fez, sequer foi acusado nesse aspecto e passa a valorar, a tentar entender porque o juiz decidiu em um ou outro sentido, isso é um perigo enorme para a democracia, mata o poder judiciário. Além de que há um agravante na situação muito importante. Eu diria deveras importante. São cinco ou seis processos questionados no meio de um universo de milhares, cada juiz da Fazenda Pública trabalha com mais de cinco mil processos, aí estão sendo questionados cinco ou seis processos cujas decisões proferidas de 2009 a 2011 ou 2013 foram decisões confirmadas pelo Tribunal de Justiça em sua maior parte. Mesmo que não fossem, são decisões judiciais. Mas elas estão confirmadas pelo Tribunal de Justiça e uma delas em processo transitado em julgado, que significa que esgotaram-se todos os recursos que eram cabíveis, que poderiam ser interpostos. O processo estava em fase de cumprimento de sentença. Quem havia sido vencedor nessa demanda ganhou a causa em 2009, o Tribunal confirmou, transitou em 2012, em 2013 estava cumprindo a sentença quando o Conselho Nacional de Justiça suspendeu a decisão e determinou a investigação do juiz para aferir, averiguar suposta usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal. Na verdade, são questões técnicas que os ouvintes, eu creio, que não seriam obrigados a ficar ouvindo por aqui, porque seriam questões um pouco mais longas. Primeiro que não existe essa alegada usurpação de competência, é um princípio elementar de direito. Qualquer estudante de direito sabe que o juiz que dá a sentença é o juiz competente para fazer cumprir a própria sentença. Essa sentença era minha, confirmada pelo Tribunal. Se tem que ser cumprida, evidentemente isso seria perante mim mesmo. Segundo que se houvesse usurpação de competência, que não há, que não existe, isso é matéria processual, se conserta através de recurso no processo judicial, jamais pela instância administrativa. Em razão desses fatos é que eu entendo como lamentável a decisão, respeitarei até o último dia a decisão, evidentemente que respeitar não significar sucumbir a ela, abaixar a cabeça e deixar que ela prevaleça, não. Respeitar significa enfrenta-la com os meios judiciais cabíveis, com os instrumentos que a legislação nos coloca à disposição até que a última palavra venha da Justiça. O dia que a Justiça, o Poder Judiciário, como juiz, decisão judicial decidir, seja qual for a decisão, aí, sim, nós temos que respeitar dentro desse Estado que vivemos, o Estado democrático. Então, para ser mais claro, mais simples. Eu não sei ainda qual providência tomaremos, eu junto com meus advogados, não sei qual o próximo passo daremos, ainda estamos estudando, ainda não houve a publicação oficial da decisão. Portanto, eu continuo em exercício na 3ª Vara da Fazenda Pública normalmente. Eu só posso me afastar de lá, até para cuidar dos meus próprios interesses nesse processo, na defesa em si, a partir do momento da intimação oficial. Até lá se eu faltar estou descumprindo as minhas obrigações.

Altair Tavares: O senhor recebeu solidariedade dos seus colegas?

Ari de Queiroz: Poucos. Na verdade, pessoalmente alguns, recebi vários através das redes sociais, tive muito através de encontrar pessoas nas ruas. Existe no Brasil inteiro algumas manifestações, mas eu entendo que as pessoas ficam com receio, as pessoas têm medo, não compreendem o que está se passando. À medida que os fatos vão se clareando, por exemplo, através de um programa como este que nós temos a oportunidade de explicar em partes, um contexto muito simples, muito rápido, o que está acontecendo. É uma batalha muito grande para ser explicada em poucos minutos. Mas o que eu diria pra você é que a receptividade da população e dos magistrados foi completamente negativa. Está todo mundo assustado com isso, os juízes, os que conversaram comigo, os que se manifestaram através das redes sociais, tanto de Goiás quanto de outras partes do Brasil, estão todos preocupados “O que eu vou fazer daqui para frente? Se eu decidir, se eu contrariar um interesse daqui a pouco vai falar que eu violei um princípio A, princípio B”. E o direito não tem uma resposta só, não é uma ciência exata, uma matemática que todo mundo caminha na mesma direção. Não tem sentido isso, não é lógico. Inclusive, como professor universitário há quase 30 anos, eu costumo sempre ensinar, sempre ensinei os meus alunos que o nosso curso universitário não é um curso de lei, é de direito, é diferente. O nosso cargo de juiz não é de juiz de lei, é juiz de direito, é diferente. O direito é um instrumento a serviço da Justiça e esse sentido de Justiça pode variar um pouco de pessoa para pessoa, conforme as circunstâncias do caso, conforme um conjunto de fatores. O fato é que exatamente por isso é que não dá para discutir em um processo administrativo, de qualquer natureza que seja, por qualquer ordem que seja, não dá para discutir o acerto ou desacerto de decisão judicial. Decisão judicial se enfrenta no processo judicial, existem meios para isso. Nesses casos que estou sendo questionado, quem quis enfrentar, enfrentou, quem quis recorrer, recorreu ao Tribunal, o Tribunal decidiu conforme entendeu que tinha que decidir, confirmou decisões, reformou decisões, tudo dentro do que se espera dentro de um processo judicial. Por isso falo que houve um equívoco lamentável nessa decisão.

Altair Tavares: O senhor disse que tomou uma decisão que foi confirmada anteriormente em segunda instância. Quer dizer, o grau de concordância da sua decisão foi importante. Ocorre que só o senhor é punido, os outros que confirmaram sua sentença em relação a este caso não são punidos?

Ari de Queiroz: É exatamente essa situação. Eu quero deixar bem claro que eu nunca fugi da imprensa, nunca fugi do debate. Sempre que precisou de mim para explicar uma decisão polêmica ou não, para ajudar a população a compreender sempre estive presente. E não foi diferente, em 2013, quando fui afastado pelo CNJ já de uma forma tão arbitrária que o Supremo reparou logo na sequência, depois me voltou para o cargo. O processo era o mesmo, não são dois processos. Naquele dia quando eu recebi a notícia do meu afastamento, diga-se de passagem, que estaria de férias, recebi por mensagem de texto. A assessoria de imprensa do Tribunal me telefonou e perguntou: ‘O que o senhor vai fazer? A imprensa toda está procurando aqui’. Eu fiz o que as pessoas em geral não fazem em situação como essa. Quando as pessoas dizem ‘Eu não posso falar agora porque não fui intimada ainda’, eu disse ‘Marca uma coletiva às 1830h na minha casa que eu atenderei todo mundo’. Então, eu não fujo. Fiz essa introdução para dizer, o que está acontecendo é isso. A decisão do juiz Ari Queiroz foi proferida em meados de 2011. Era uma decisão contra o Detran, o Detran recorreu para o Tribunal de Justiça um recurso chamado agravo. O Tribunal de Justiça manteve essa decisão. Depois de alguns meses, o Detran desistiu desse recurso e a decisão está mantida até hoje. Qualquer estudante também sabe que quando o Tribunal profere uma decisão no processo em grau de recurso, a decisão do Tribunal, seja confirmando ou mantendo a decisão do juiz, essa decisão substitui a do juiz. Ou seja, hoje a decisão que está valendo não é nem minha mais, é do Tribunal desde 2011. E aí o juiz apanha. O sistema está invertido. Está errado isso. Se essa moda pega, se esse sistema pega, não haverá juiz no Brasil. Aquela frase, aquela máxima que vem do século XII, ‘ainda há juízes em Berlim’, talvez fique só em Berlim porque desse jeito não haverá juiz em Goiás, não haverá juiz no Brasil.

Laura Santos Braga

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