E-mails trocados entre o ex-procurador Marcello Miller e representantes de um escritório de advocacia mostram que ele atuava em favor da JBS enquanto ainda era membro do Ministério Público.
As mensagens foram entregues à PGR (Procuradoria-Geral da República) na última quarta-feira (6) pelo escritório Trench Rossi Watanabe, a quem o órgão havia pedido esclarecimentos. Há ao menos 13 trocas e-mails.
Em nota divulgada neste domingo (10), o ex-procurador negou ter cometido crimes.
Após ser exonerado do Ministério Público Federal, em 5 de abril deste ano, Miller passou a trabalhar nesse escritório, que negociou parte do acordo de leniência (de pessoa jurídica) da JBS. Até meados do ano passado, Miller foi auxiliar do procurador-geral, Rodrigo Janot, em Brasília. Depois, ele voltou a atuar na Procuradoria no Rio de Janeiro, até deixar a carreira em abril.
Em um dos e-mails, de 5 de março, a advogada Esther Flesch reencaminha a Miller uma mensagem que recebeu de Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico da JBS.
“Esther, boa noite. Lerei com atenção. Todavia a contratação deverá ser feita e endereçada a JF Investimentos S/A e não a JBS”, escreveu Silva para Flesch. O título da mensagem é “Compliance – comunicação confidencial e privilegiada”.
A advogada repassou o e-mail a Miller com o texto: “Para seu conhecimento”.
Na quarta passada, a Folha de S.Paulo revelou que a JBS convidou Miller, em fevereiro, para para ocupar o cargo de diretor global de compliance (departamento anticorrupção) da companhia, setor que estava sendo criado por causa das investigações em curso.
Em outro e-mail, de 14 de fevereiro, intitulado “sobre o caso que discutimos ontem”, Miller esclarece a Flesch detalhes técnicos sobre improbidade administrativa -como no tópico “1) improbidade administrativa da empresa no âmbito do financiamento do BNDES”.
O então procurador responde dúvidas sobre uma apuração realizada pelo Ministério Público Federal em São Paulo e tece comentários sobre o perfil de três procuradores do órgão: “Nenhum deles tem reputação conspícua, seja por trabalhar demais, seja por querer aparecer demais”.
Para a PGR, há indícios de que Miller tenha cometido o crime de exploração de prestígio (previsto no artigo 357 do Código Penal, com pena de 1 a 5 anos e multa), além da possibilidade de ter sido cooptado pela organização criminosa composta pelos executivos da JBS, “passando, em princípio, a integrá-la”.
Já em 5 de março, sob o título “JBS”, Flesch pede a opinião de Miller sobre a minuta de uma proposta de trabalho que seria posteriormente enviada a Silva, da JBS.
A minuta dizia: “Teremos grande satisfação em assessorar a JBS na avaliação de riscos (‘risk assessment’) referente a assuntos de ‘compliance’ de diversos temas, inclusive anti-corrupção. Eu serei a sócia responsável pela condução dos trabalhos, e incluirei na equipe outro(s) sócio(s) ou advogados conforme for apropriado”.
O e-mail trazia um documento em anexo, “Termos-Gerais-de-Contratação.pdf”.
Na semana passada, ao pedir ao STF (Supremo Tribunal Federal) a prisão dos delatores da JBS e também a de Miller, Janot mencionou os e-mails do ex-procurador.
“Entre os documentos apresentados constam elementos de que, antes de março do corrente ano, Marcello Miller já auxiliava o grupo J&F no que toca o acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Público Federal. Há, por exemplo, trocas de e-mails entre Marcello Miller e advogada do mencionado escritório, em época em que [ele] ainda ocupava o cargo de procurador da República, com marcações de voos para reuniões, referências a orientações à empresa J&F e indícios de tratativas em benefícios à mencionada empresa”, escreveu. (Folhapress)