Ao longo da última semana, as redes sociais foram tomadas pela hashtag e o questionamento “E fora dos stories, você está bem?”. Tal ponderação gerou interações e memes voltados a diversas áreas. Mas, por outro lado, levanta um movimento a respeito da realidade da vida das pessoas por trás dos momentos perfeitos retratados na tela do celular. Para se ter uma ideia, os mecanismos de busca registraram um aumento repentino acerca do termo.
Para o psicólogo clínico e doutor em psicologia, Luciano Alvarenga Montalvão, se uma discussão se torna viral, é porque de algum modo mobiliza. “O sentimento de que aquilo que se vê nas redes sociais, no Instagram, no Tik Tok, não condiz com a vida real, sobretudo com a nossa vida que a gente vive. Que não é um cotidiano de luxo, prazer e ostentação. Pelo contrário, é um cotidiano de trabalho, de labor, de cansaço, de falta de dinheiro. Então essa discrepância do que a gente vê e o que a gente vive, tem mobilizado as pessoas”, elucida.
As redes sociais camuflam e desqualificam o sofrimento psíquico
O meme teve as variações mais criativas possíveis e abraçou diversos segmentos sociais. Por exemplo, por concurseiros com a pergunta “E fora do story, tu estuda mesmo?”, pelos “quarenteners” se “fora do story, tu usa máscara mesmo?” e assim por diante. Fato é que isso indica como as redes sociais levam grandes influências à vida das pessoas e, por isso, a necessidade de mostrar uma vida perfeita. No entanto, ninguém está bem o tempo todo.
Luciano avalia hoje que esse cenário traz mais perguntas que respostas mas faz um alerta sobre o processo de socialização e na constituição da identidade subjetiva e sobre o peso das ferramentas na estruturação do laço social e da organização das relações sociais. “O viral da semana não suscita apenas a questão da saúde mental individual. O fato evidente de que as redes sociais hoje camuflam e desqualificam o sofrimento psíquico, trazendo não somente padrões estéticos e comportamentais, mas também um imperativo da felicidade de consumo”, destaca o especialista.
Montalvão salienta não ser possível afirmar que as redes sociais são, hoje, um fato adoecedor mental na vida das pessoas. Entretanto, é algo que tem impactado grande parte da sociedade. “Acho que não existem ainda estudos conclusivos com relação a isso, mas com certeza dá para dizer que algo tem sido modificado em termos de padrões”, frisa.
“A rede social, hoje, não traz apenas um padrão estético e comportamental. Ela traz hoje um imperativo do que é ser feliz, do que é viver. E para viver a gente precisa consumir, ter acesso a determinados bens de consumo, locais geográficos”, frisa o psicólogo. Com a ressalva de que o fato de um meme que ninguém sabe “de onde veio e para onde vai” ter bombado nas redes sociais, pode significar que as pessoas estão mais atentas à saúde mental voltada a este quesito. Mas ainda há muito o que avançar. “Desde o início da quarentena tivemos um ‘boom’, nesse debate sobre saúde mental, até na procura por profissionais da área. Eu ainda penso que o cuidado à saúde mental é muito restrito a uma classe social mais abastada, jovens que têm mais acesso à informação. Acho que a grande massa da população pouco sabe o que é saúde mental”, conclui.