Depois de bater R$ 3,93 nesta segunda-feira (13), o dólar reduziu o avanço sobre o real, mas fechou na maior cotação em mais de um mês, conforme a crise cambial na Turquia contamina os mercados globais e, sobretudo, os países emergentes.
O dólar comercial ganhou 0,87%, a R$ 3,898, maior valor desde 5 de julho (R$ 3,935).
Das 31 principais divisas do mundo, 26 se desvalorizavam em relação à moeda americana. A lira turca afundou 8,23%, seguida pelo peso argentino (-3,81%) e rand sul-africano (-2,88%).
Com a volatilidade nos mercados atingindo o Brasil, as negociações no Tesouro Direto foram suspensas às 11h05 e novamente às 14h10. As transações foram normalizadas por volta das 15h30.
Nos últimos dias, as atenções de investidores se voltaram para uma disputa entre os Estados Unidos e a Turquia, aliada dos americanos há mais de 60 anos.
O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou na sexta-feira (10) que autorizou o Departamento de Estado do país a dobrar as tarifas sobre aço e alumínio importados da Turquia, em retaliação à detenção, pelas autoridades turcas, de um pastor evangélico da Carolina do Norte.
A medida aprofundou a crise cambial em que se encontrava a lira turca. “O fato de a Turquia estar em uma situação fragilizada pode sugerir que as economias emergentes também estão. Isso desencadeia no mercado como um todo o sentimento de aversão a risco”, diz Leandro Ruschel, sócio-fundador do Grupo L&S.
Lá fora, as bolsas mundiais fecharam no vermelho. Em Wall Street, o Dow Jones, principal índice de Nova York, caiu 0,5%, enquanto o S&P 500 perdeu 0,40%.
Na Europa, os maiores mercados fecharam em baixa, pressionados em boa parte pelas ações de bancos.
O BCE (Banco Central Europeu) se preocupa com a exposição das instituições financeiras do bloco, grandes financiadoras do governo e das empresas turcas, à lira. Com a desvalorização da moeda, o temor é que eles não sejam capazes de arcar com obrigações junto aos bancos.
“A Turquia é um dos emergentes que mais tem dívida externa das empresas em dólar. Essa dívida se torna impagável conforme a lira vale cada vez menos. Seu enfraquecimento pode gerar uma quebradeira geral entre empresas e efeito dominó no sistema financeiro europeu”, diz Ruschel.
Por aqui, a Bolsa brasileira viveu um dia de altos e baixos, mas mostrou resiliência e se firmou em alta ao final do pregão.
O Ibovespa, índice que reúne as ações mais negociadas, subiu 1,28%, a 77.496 pontos.
“Estamos um pouco descolados porque não temos uma correlação tão direta com a Turquia. É diferente do que acontece em relação à China, por exemplo, com quem temos um nível de negociação muito maior. O efeito da Turquia no Brasil é via emergentes de uma forma geral”, diz Aldo Moniz, da Um Investimentos.
O Banco Central turco anunciou nesta segunda medidas para tentar conter o derretimento da moeda local, que perde mais de 40% no ano em relação ao dólar.
Istambul se comprometeu a fornecer liquidez ao mercado, revisando os índices de reservas obrigatórias que bancos precisam manter no BC turco, o que proporcionaria ao sistema financeiro quase 10 bilhões de liras, US$ 6 bilhões e o equivalente a 3 bilhões em ouro.
Economistas esperavam, no entanto, um aumento nos juros -para controlar a inflação, que anualizada atingiu 16% em julho, e reduzir o deficit em conta-corrente do país-, mas o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, é fortemente contra mexer nas taxas porque diz que elas são “uma ferramenta de exploração que torna os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.”
“Parece um movimento muito pequeno do Banco Central turco em relação ao tamanho do problema. Mas essa é uma crise política também. A decisão de Erdogan é mais para demonstrar que tem mão forte e tentar reativar sua economia interna do que lutar para conter a desvalorização da lira, que deveria ser a preocupação agora”, diz Ruschel.
No ano passado, Erdogan venceu um referendo e expandiu muito seus poderes presidenciais, que passaram a vigorar assim que ele conquistou um novo mandato presidencial, em junho.
O presidente chegou a afirmar nesta segunda que “terroristas econômicos” conspiravam para prejudicar o país ao divulgarem informações falsas e que os responsáveis irão enfrentar a plena força da lei, à medida que autoridades começaram a investigar suspeitos.
No sentido contrário da Turquia, a Argentina, que também enfrenta dificuldades no front cambial, anunciou nesta segunda a elevação de sua taxa básica de juros para 45% ao ano, ante 40%.
Ruschel destaca que, apesar de situações pontuais, como a crise diplomática entre Estados Unidos e Turquia, os mercados emergentes estão mais fragilizados como um todo.
“A perspectiva de alta no juro americano atrai capital das praças emergentes para os EUA, enquanto o crescimento do protecionismo, em boa parte impulsionado pela guerra comercial e questões tarifárias, é negativo para o crescimento global”, afirma.
“Quem sente mais esses efeitos são os países mais alavancados, que são, geralmente, os emergentes. Observamos nos últimos meses uma deterioração nos seus mercados, conforme entramos no fim de um ciclo de expansão da economia. É normal, nesse cenário, que países que apresentam maior grau de risco comecem a demonstrar fuga de investidores”, completa.
Apesar de sentir os efeitos como outros países emergentes, especialistas apontam que o Brasil está em uma situação mais confortável, porque seu déficit em conta-corrente é pequeno, e suas reservas internacionais, mais folgadas.
“Nosso problema é o déficit fiscal e a indefinição. Mas nossos fundamentos são melhores, nossa inflação é baixa e as empresas brasileiras têm uma dívida externa em dólar menor. Só que o Brasil vai enfrentar dificuldades ao longo da correção na economia global se não arrumar a casa”, diz Ruschel.
O Ibovespa foi sustentado por empresas que sofreram forte onda de correções, como a Petrobras e os bancos. As ações preferenciais da petroleira avançaram 2,30%. No setor financeiro, o destaque foi o Bradesco, cujos papéis subiram 1,94% (preferenciais) e 2,44% (ordinários).
A alta do dólar beneficia ainda empresas exportadoras, como a mineradora Vale (+1,10%), que responde por 13% do Ibovespa, e o setor de papel e celulose -a Suzano avançou 2,89%.
Por que a lira turca cai?
Há diversas razões. Nos últimos dias, as atenções se voltaram a uma disputa entre os EUA e a Turquia, aliada dos americanos há mais de 60 anos, porque o Departamento de Estado americano impôs sanções ao país em razão da detenção, pelas autoridades turcas, de um pastor evangélico da Carolina do Norte.
O problema todo é o pastor?
Não. O país prosperou com o fluxo de capital estrangeiro, conforme países ricos (tidos como mais seguros) mantinham juros baixos, encorajando investidores a buscar retornos mais altos na Turquia e em outros emergentes, que pagam taxas mais elevadas como “prêmio” pelo risco maior. Agora, com a alta das taxas nos EUA, ficou mais difícil para a Turquia (e outros emergentes, como o Brasil) obter os fundos de que necessita. O deficit em conta-corrente turco, de 5% do PIB, é considerado muito alto -no Brasil, o indicador ronda 0,5%.
Qual o papel de Erdogan na crise?
Economistas sugerem ações para frear economia, como a alta dos juros, para controlar a inflação, que atingiu 16% em julho, e reduzir o deficit -com menor consumo, as importações cairiam e, assim, a dependência de capital externo diminuiria. No entanto, o presidente Recep Tayyip Erdogan, o mais poderoso líder da Turquia desde Mustafa Kemal Ataturk, não parece convencido de que haja necessidade de corrigir o equilíbrio da economia.
O que BC da Turquia anunciou nesta segunda?
O Banco Central turco não mencionou taxas de juros, mas se comprometeu a fornecer liquidez ao mercado. A autoridade monetária revisou os índices de reservas obrigatórias que bancos precisam manter no BC e informou que proporcionaria ao sistema financeiro quase 10 bilhões de liras, US$ 6 bilhões e o equivalente a 3 bilhões em ouro.
Por que a situação na Turquia afeta o Brasil?
A crise turca sinaliza para o mercado a existência de fragilidades nos mercados emergentes como um todo, incluindo o Brasil. Avessos a esse risco potencial, investidores preferem tirar capital dessas praças e buscar segurança em outros mercados, como o americano. (Folhapress)