Quando o presidente Michel Temer se sentar à mesa com o americano Donald Trump para jantar, nesta segunda (18), em Nova York, o cardápio pode ser indigesto.
A agenda bilateral Brasil-Estados Unidos, que está paralisada por causa da instabilidade política brasileira e do excesso de crises externas ocupando os americanos, ganhou dois irritantes.
O Brasil protesta contra a demora na reabertura do mercado americano para a carne brasileira. E o governo dos EUA critica a decisão do Brasil de voltar a cobrar tarifa sobre o etanol americano.
Em junho, na esteira da Operação Carne Fraca, que revelou uma série de problemas sanitários em frigoríficos brasileiros, os EUA vetaram a importação de carne in natura do Brasil. O veto derrubou uma conquista sofrida -o Brasil havia negociado 17 anos para abrir o mercado.
O Brasil é tradicionalmente um grande exportador de carne industrializada para os EUA. Mas a importância da abertura do mercado da carne in natura era a sinalização para outros mercados.
Já o governo americano deu mostras de que irá reagir à decisão do Brasil de criar uma cota para importação de etanol e uma tarifa de 20% extra-cota.
Os produtores americanos de etanol de milho, que exportam para o Nordeste brasileiro, exortaram a Casa Branca a “agir imediatamente e considerar todas as possibilidades para encorajar o Brasil” a revogar a tarifa. Os dois países haviam eliminado suas tarifas sobre etanol por meio de um acordo em 2010.
O assunto ganha contornos políticos. O maior defensor do etanol americano no Congresso é o senador republicano Chuck Grassley. Ele também é líder do comitê judiciário do Senado, que conduz as investigações sobre a influência da Rússia na eleição americana, tema que afeta Trump diretamente. O presidente já fez vários agrados ao senador, incluindo um telefonema em que diz ser “pró-etanol”.
De cana, o etanol brasileiro se beneficia de regras da EPA, a agência de proteção ambiental dos EUA, que estabelecem consumo mínimo de biocombustíveis. Essas regras poderiam ser mudadas pelo governo Trump.
“Estamos em um período de transição em que os EUA ainda estão formulando novas políticas, como a renegociação do Nafta, e o Brasil está no final de um governo com prioridades e dificuldades domésticas”, afirma Joel Velasco, sócio da consultoria Albright Stonebridge.
“As recentes notícias do Brasil -desde persistentes escândalos de corrupção até o protecionismo contra o etanol americano e a incapacidade de aprovar acordos genéricos como Open Skies, [que liberaliza rotas aéreas]- têm causado sérios danos à imagem do Brasil.” Segundo Velasco, a percepção é que, com as eleições em 2018, haverá a possibilidade de começar de novo, reconstruindo as parcerias entre o Brasil e EUA.
Se os “irritantes” entre Brasil e Estados Unidos surgirem no jantar, será até uma boa notícia, porque o mais provável é que não haja espaço para discussão bilateral.
A Casa Branca vem evitando realizar um encontro bilateral entre Temer e Trump. Em telefonema em março, o americano convidou o brasileiro para uma visita. O secretário-geral do Itamaraty, Marcos Galvão, foi a Washington em maio e tratou de possíveis pautas para um encontro. Em maio, no entanto, veio à tona a delação da JBS.
Quando o chanceler Aloysio Nunes se encontrou com o secretário de Estado, Rex Tillerson, em junho, a possibilidade de uma visita tinha saído do radar. Em giro pela América Latina em agosto, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, passou por Colômbia, Argentina, Chile e Panamá. O Brasil ficou de fora.
O jantar desta segunda-feira é protocolar, realizado às margens da Assembleia Geral da ONU e com participação de outros chefes de Estado, como o presidente colombiano, Juan Manuel Santos. A crise na Venezuela e o perigo nuclear da Coreia do Norte devem dominar a agenda.
Até o início da noite de sexta-feira (15), a Casa Branca não tinha sequer feito um anúncio oficial do jantar.
Em uma entrevista coletiva, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, H.R. McMaster, limitou-se a dizer que o presidente Trump iria “ter um jantar de trabalho com líderes latino-americanos”.
(FOLHA PRESS)