Comandado entre 2019 e 2022 pela então ministra e hoje senadora Damares Alves (Republicanos-DF), o antigo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, bancou duas ONGs envolvidas em um esquema de direcionamento de recursos públicos, contratações irregulares e falsificação de documentos. As informações foram divulgadas nesta terça-feira (11), pelo jornal O Estado de S. Paulo, com base em relatório da Controladoria-Geral da União (CGU).
Segundo a reportagem, o dinheiro repassado pelo ministério deveria ser usado para a formação profissional de adolescentes e mulheres presidiárias e vítimas de violência, mas foi parar em empresas de fachada, cujos sócios são laranjas. Uma das organizações beneficiadas é ligada a um ex-deputado federal do Rio de Janeiro que já foi chamado de “amigo” e “pidão” por Damares. Procurada, a senadora não se manifestou.
A CGU apontou os desvios após analisar quatro parcerias feitas nos primeiros anos de governo Bolsonaro entre o Ministério e as ONGs Instituto de Desenvolvimento Social e Humano do Brasil (IDSH) e Instituto Nacional de Desenvolvimento Humano (Inadh). Conforme o relatório, o prejuízo é de, pelo menos, R$ 2,5 milhões aos cofres públicos.
Esse valor, no entanto, pode ser maior ainda, uma vez que a auditoria se limitou a uma parte dos convênios. As duas organizações acumulam mais de R$ 30 milhões em verbas públicas federais, segundo dados do Portal da Transparência analisados pela reportagem do Estadão.
As duas entidades receberam recursos públicos para executar ações sociais e deveriam contratar gráficas, empresas de locação de equipamentos e de veículos para a realização de cursos de formação a mulheres e adolescentes em situação vulnerável. As contratações tinham que ser feitas por meio de licitação. No entanto, as entidades beneficiadas pela Pasta de Damares direcionaram a verba por meio de propostas fictícias ou simuladas.
Uma das empresas contratadas foi a Globo Soluções Tecnológicas, que recebeu R$ 11,7 milhões para locação de microcomputadores e máquinas de corte, macas, cadeiras de roda e ônibus. De acordo com a Receita, a empresa não possui funcionários e tem como sede um barraco em Anchieta, no Rio de Janeiro. Atualmente, a sócia-administrativa da empresa é Sara Vicente Bibiano, apontada como laranja. Ela foi beneficiária do auxílio emergencial durante a pandemia do coronavírus. O benefício foi destinado a pessoas de baixa renda, o que conflita com os milhões de recursos recebidos por sua companhia.
Para a CGU, a contratação da empresa violou os princípios de impessoalidade e não foi possível atestar que os serviços foram de fato realizados. “Os recursos pagos à Globo Soluções Tecnológicas não foram aplicados de forma regular, pois não restou comprovada sua total execução, e estão em desacordo com os princípios da economicidade e da impessoalidade”, disse o documento da controladoria.
Outra empresa citada em relatório da CGU é a Total Service Rio LTDA, que tem como sócio Clayton Elias Motta, ex-secretário parlamentar do ex-deputado federal Professor Joziel (Patriotas-RJ). Em 2022, ela fez campanha pedindo votos para a reeleição do Professor Joziel, mas ele recebeu apenas 10.040 votos no Rio e não foi reeleito.
“Meu amigo, meu deputado querido, meu professor. Vou contar um segredo do deputado professor Joziel. Atenção: ele é pidão. Ele vive nos Ministérios pedindo recursos para o Rio de Janeiro”, afirmou a então ministra da Mulher sobre o Professor Joziel, em vídeo publicado nas redes sociais.
Como deputado, Professor Joziel destinou emendas ao orçamento para o ministério de Damares e indicou como beneficiário final o Instituto Desenvolvimento Social e Humano do Brasil. Joziel apadrinhou R$ 3,8 milhões remetidos pelo então Ministério da Mulher. Essa entidade passou a ser agraciada com verbas públicas a partir de janeiro de 2019. Desde então, ganhou um total de R$ 13,4 milhões repassados pelo governo federal.
A reportagem procurou o presidente do IDSH, Bruno Rodrigues. Ele afirmou que a prestação de contas foi feita devidamente e indicou um colega de trabalho para dar detalhes: Leandro Bastos Silva. “Se você ligar para ele, vai te esclarecer bastante coisa. Ele é o técnico, que programa as coisas tudinho”, explicou. Secretário parlamentar do Professor Joziel entre 2019 e 2022, Leandro, ao ser procurado, disse não ter “nada para falar”.
A outra ONG investigada pela CGU, o Inadh recebe dinheiro público desde 2014. Nos últimos três anos, a ONG recebeu R$ 14,9 milhões – incluindo R$ 1,7 milhão pago pela atual gestão petista. Segundo a controladoria, a entidade teria fraudado licitações para contratação de prestadores de serviço. A direção do Inadh não se manifestou.