Levantamento feito pelo Globo durante três meses por meio de diários oficiais e com uso da Lei de Acesso à Informação mostrou que desde 1991, quando Jair Bolsonaro tomou posse em seu primeiro mandato como deputado federal, o hoje presidente e os seus três filhos que também entraram na vída pública – Flávio, Carlos e Eduardo – nomearam ao menos 102 funcionários que tem algum tipo de parentesco entre si, fazendo parte de 32 famílias diferentes. O número representa 35% do total de 286 funcionários indicados no período. O Globo ainda mencionou que essas pessoas podem não ter trabalhado de fato nos cargos e tenham sido fantasmas.
O caso que abriu as comportas para o levantamento foi o da família do policial militar da reserva Fabrício Queiroz, ex-assessor que colocou sete parentes em três gabinetes da família Bolsonaro: os contemplados foram Flávio, Carlos e Jair, desde 2006. A reportagem do Globo aponta para um novo desconhecido até a publicação da matéria: Ângela Melo Fernandes Cerqueira, ex-cunhada de Queiroz. Em abril, os oito tiveram o sigilo quebrado em investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ) sobre a prática, na Assembleia Legislativa (Alerj), de “rachadinha”: prática aonde o “empregador” fica com parte do salário dos funcionários.
A tia empregada na Alerj que nunca emitiu crachá
O atual ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Jorge Antônio Francisco de Oliveira, também teve familiares empregados nos gabinetes de Bolsonaro. Seu pai, mãe e uma tia tiveram ocuparam cargos em períodos distintos entre 2001 e 2005.
O caso mais emblemático da triade, é o da tia do ministro. Márcia Salgado de Oliveira aparece nos registros da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) como funcionária de Flávio Bolsonaro de 2003 até fevereiro deste ano, quando este descompatibilizou sua função para assumir uma cadeira no Senado. O problema? Em 16 anos registrada no gabinete do hoje senador, ela jamais teve um crachá emitido pela Alerj, aponta a reportagem. Embora não seja obrigatório, é um procedimento que a Casa sempre recomendou aos seus funcionários. Outro ponto que chama a atenção é que em 2014, num processo que tramitou no Juizado Especial da Comarca de Mesquita, na Baixada Fluminense, quando acionou uma empresa de telefonia, Márcia apresentou uma procuração escrita de próprio punho, na qual informou que sua ocupação era “do lar”.
A reportagem do Globo conta que até tentou entrar em contato com Márcia. Ela atendeu um primeiro telefonema e disse em um primeiro momento que não trabalhou na Alerj. Quando questionada pelo repórter se nunca trabalhou para Flávio ela antes de desligar a chamada disse: “Não, meu amor, você ligou para a pessoa errada”. No período que esteve vínculada ao gabinete, ela recebia um salário bruto médio real de R$ 7,3 mil.
A “babá” que nunca trabalhou na Câmara mas ‘recebia’ R$ 9 mil
A família do presidente teve 22 integrantes nomeados nos quadro gabinetes ao longo das quase três décadas desde que Jair Messias assumiu seu primeiro mandato. Um dos primeiros parentes que Bolsonaro nomeou foi seu primeiro sogro: João Garcia Braga, o seu Jó. Pai de Rogéria Nantes Braga, mãe dos três primeiros filhos do presidente, seu Jó constou como assessor de Bolsonaro entre fevereiro e novembro de 1991. Depois da Câmara dos Deputados, ele foi nomeado pelo neto Flávio na Alerj, onde permaneceu de 2003 a 2007. Do total de 286 funcionários, 40 transitaram entre mais de um gabinete. O salário bruto médio real de Braga foi de R$9,7 mil.
Entre os funcionários com relação de parentesco identificados pelo Globo no gabinete de Carlos, estão Diva da Cruz Martins e a filha Andrea. A primeira esteve lotada entre fevereiro de 2003 e agosto de 2005 e a segunda, de 2005 até fevereiro deste ano. Em novembro de 2013, no entanto, quando Andrea deu entrada nos papéis de seu casamento no cartório de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ela identificou-se como “babá”. Questionada pela reportagem de Globo se tinha trabalhado na Câmara, Diva negou: “Não, nunca”.
A reportagem disse à ela que seu nome constava entre os assessores, Diva reagiu: “Que bom que aparece”, ironizou. O salário bruto médio real de Diva no período foi de R$ 9 mil e o de Andrea, R$ 10,7 mil.
“Já botei parentes no passado, sim. Qual é o problema?”
Na manhã deste domingo, logo após a publicação da reportagem do Globo, o presidente Jair Bolsonaro se posicionou com relação à matéria. Não apenas isso, ele defendeu a indicação de parentes à cargos de confiança e voltou a reafirmar sua sua intenção de indicar Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador brasileiro em Washington.
Bolsonaro disparou: “Que mania que todo parente de político não presta? Eu tenho um filho que está para ir para os Estados Unidos e foi elogiado pelo Trump. Vocês massacraram meu filho, a imprensa massacrou, (chamou de) fritador de hambúrguer”. O presidente esqueceu-se de quem chamou a si próprio de “fritador de hambúrguer” foi o próprio filho, como justificativa que já conhecia bem o país para o qual considera assumir à embaixada.
Após negar que tivesse colocado 102 parentes em cargos de confiança, os jornalistas que o entrevistavam o alertaram de que a reportagem trata de familiares de funcionários também, Bolsonaro assumiu que já empregou parentes sim mas penas antes do Supremo Tribunal Federal (STF) proibir tais nomeações. Porém, Bolsonaro foi alertado de que já empregou seus ex-sogros e não teve outro jeito de assumir e atacar os jornalistas: “Já botei parentes no passado, sim, antes da decisão de que nepotismo seria crime. Qual é o problema?”, rebateu.
“A imprensa diz muito que eu ainda estou no palanque. Eu devolvo: a imprensa ainda está na oposição. – afirmou. – Por muitas vezes não leio jornal nenhum para não começar o dia envenenado”, concluiu o presidente.