Muita gente não sabe, mas a estimativa é de que, para cada animal doméstico que é castrado, em média outros 100 são poupados do abandono. Esse é um número que nunca fecha porque a fraca velocidade e desinteresse do poder público, nos três níveis, mais o alcance tímido das ações voluntárias, e a pouca consciência popular, contrastam com um mercado voraz, que pode cobrar de R$ 250 até R$ 1.400 para castrar um gato de 6 meses, como apurou a reportagem do Diário de Goiás.
A menos que seja uma castração solidária, rápida e focada em controle populacional de animais errantes, que assume a omissão do poder público.
Encontramos uma por R$ 100 para um gato de 6 meses – fora roupa pós-operatória que não era necessária, mas que custaria R$ 50; medicações posteriores (R$ 20,00) e colar elizabetano para impedir que o bichano ponha a boca na cirurgia (R$ 30).
E era oferecida assistência profissional igual às demais, menos a internação. Isto porque a clínica usa uma técnica minimamente invasiva que permite um pós-operatório em casa.
Na contramão desse cenário em que predominam dificuldades, descaso e alto custo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a castração o método mais eficiente e ético para lidar com o problema de ninhadas não desejadas. Ela evita uma série de problemas ambientais como o abandono de filhotes e o consequente aumento do número de animais domésticos errantes.
Foi diante desse desafio que uma advogada goiana, descendente de japoneses, se viu quando decidiu dedicar a vida, seus conhecimentos e recursos próprios em uma pequena empresa. Nascia a Clínica Veterinária Vila Pop.
Inicialmente chamada de Vila Felícia ao ser implantada no Jardim Goiás, em Goiânia, em 2011, hoje a empresa tem uma ampla sede própria no bairro Ilda, em Aparecida de Goiânia. E fundou até um instituto, o ICAM (Instituto Caravana Au Móvel).
O ICAM é mantenedor de dois castra-móveis próprios, avaliados em R$ 500 mil cada. Os veículos são oferecidos em convênios e parcerias para que prefeituras efetuem a castração gratuita de pets de famílias em vulnerabilidade em cidades da Região Metropolitana, como Aparecida de Goiânia, e no interior.
Mas se engana quem pensa que a rentabilidade é o foco desse negócio. O lucro fica em segundo plano, ainda que a fundadora da clínica e do instituto, a advogada e professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUCGO), Sibelle da Fonseca Okano, 60 anos, mestre em Ciências Ambientais e Saúde, tenha o desconforto ao final de cada mês de “se virar nos 30” para saldar a folha de pagamento dos 27 funcionários.
Segundo ela, o local registra todos os funcionários e paga o piso previsto para cada categoria. Para a área de cirurgia são, em média, 13 profissionais, todos vocacionados para animais de populações mais necessitadas e que, assim, precisam fazer o atendimento sem internação, que custa em média R$ 300 a diária no mercado.
Essa estratégia viabiliza financeiramente a cirurgia e, segundo fontes consultadas pela reportagem, não causou nenhuma intercorrência aos pets castrados. A clínica, inclusive, contratou uma veterinária de Santa Catarina especialista em cirurgias de castração rápida. A empresa conta com veterinários-assistentes, enfermeiros e farmacêutico.
O lugar vive movimentado. Durante uma manhã em que a reportagem esteve na Vila Pop, cerca de 13 animais, entre cães e gatos, deram entrada para a cirurgia de castração. O controle é por senhas conforme quem chega primeiro.
Protetoras independentes que agem pelas ruas, voluntárias responsáveis por abrigos, e as famílias de tutores da região, chegam cedo e deixam os pets em jejum. Eles são pesados, avaliados e seguem para salas reservadas para a espera pré-operatória e depois para a de cirurgia.
Os responsáveis pegam cães e gatos no final do dia, quando os pets já despertaram do procedimento e foram medicados. O acompanhamento é feito depois através de contato telefônico para informações da evolução do animal.
Sibelle é uma daquelas militantes da causa animal que se preparou para os desafios de atuar nisso empresarialmente. Até porque, lembra ela, quando tinha apenas 7 anos de idade, já tinha escolhido esse caminho.
“Um dia, minha avó servia uma sopa para todos os netos e, de repente, perguntou a cada um o que queria ser quando crescesse. Uns disseram que seriam professores, seriam isso e aquilo. Quando chegou minha vez, eu falei: quando crescer eu vou ser advogada e ninguém, na minha presença, vai judiar de um bicho. Os anjos falaram amém. Entrei na faculdade de direito aos 16 anos e aqui estou, conhecida na cidade por militar no direito ambiental”, conta, sorrindo largamente.
Voluntária do Greenpeace Brasil e instrutora do Sebrae Nacional na área de Sistema de Gestão Ambiental (SGA), a professora e pequena empresária Sibelle utiliza sua formação em defesa da causa animal. Sem ajuda pública, relata que muitas vezes utiliza o próprio salário para completar o pagamento das despesas mensais do empreendimento. Mas esse vaivém não a faz duvidar que ainda terá equilíbrio econômico-financeiro em seu negócio.
Aos 36 anos, Sibelle comprou o primeiro castra-móvel com financiamento de longo prazo. O dinheiro para bancar as parcelas e as ações da castração solidária veio da advocacia e de consultorias e projetos terceirizados, “muitos deles foram para o Sebrae, na área de SGA”, aponta.
“Doida do gato, solitária, protelouca”: Sibelle já foi chamada de tudo isso. Sem melindres, conta e autoriza registrar, inclusive, que o ex-marido pediu o divórcio colocando como condição abandonar o trabalho com animais. Ela não concordou. Assim, persevera no propósito de castração sem internação hospitalar já por mais de 9 anos.
E tem dado certo. Mesmo solenemente ignorada pelo poder público que deveria agir para a redução da população de animais abandonados e apoiar ou financiar programas e empreendimentos voltados para a castração, ela não desistiu.
Foi até perseguida. “Fui denunciada e alvo de operação policial porque fazia as castrações por valores que praticamente cobriam o material cirúrgico através da doação do trabalho por um grupo de veterinários conhecidos. Ficamos 34 dias fechados injustamente sob alegação de que estávamos ‘bagunçando o mercado veterinário’, cometendo crime de ordem econômica, entre outros absurdos”, relembra.
De acordo com ela, não foi constatada nenhuma irregularidade sanitária no trabalho que era oferecido e a pressão arrefeceu aos poucos.
Parte dessa pressão, alegam fontes entrevistadas, partia do próprio Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás (CRMV/GO). Uma das pessoas que estava na época de uma das operações, e que pediu o anonimato, disse que foi encontrada uma torneira inadequada no ambiente, “mais nada”.
Confira ao final a manifestação do CRMV/GO.
Sibelle afirma que a clínica nunca recebeu doações particulares ou públicas. “A diferença do que falta no fim do mês, às vezes mais de R$ 20 mil, eu cubro com dinheiro meu, como professora de vários cursos e outros serviços”, lamenta.
Com a falta de incentivo, veio a alternativa de criar o instituto. O ICAM está apto a receber doações “e participar de projetos que têm verbas públicas do SUS para isso, oferecendo os serviços aos municípios através dos dois castra-móveis”. Mesmo assim, predominam demora e desinteresse.
“Pela Constituição Federal, artigo 225, os animais são tutelados pelo Estado. Significa que, se tem um animal em situação caótica na rua, de abandono, fome, cabe ao Estado tomar providências, ter o dispêndio”, analisa Sibelle. Ela pontua que falta virtude à sociedade “que condena quem protege, e silencia sobre quem se omite, como o Estado, e sobre quem abandona”.
Os motivos correm pelas ruas, passam fome e sede e incomodam a sociedade, mesmo que as pessoas não reajam à altura. Uma cadela de porte médio pode ter duas gestações ao ano. De cada uma, estimam veterinários e protetores, podem nascer de oito a doze filhotes. Dessa forma, ao final de um ano, uma só cadela não-castrada poderá ser responsável pela reprodução de 16 até 24 novos animais.
No caso das gatas, o número chega a 36 filhotes no período de 16 meses, a partir de uma única fêmea não castrada.
Quem utiliza os serviços, geralmente agradece pelo acolhimento e acessibilidade oferecidos. “Eu pertencia à Aspa Brasil (Associação dos Protetores de Animais) e a gente procurou as clínicas particulares de Goiânia em busca das que poderiam alugar os centros cirúrgicos para as castrações com preços populares. A antiga Vila Felícia foi a única a se interessar”. O depoimento é da servidora pública Cecília Bessa Moreira.
Cecília hoje é protetora independente. Atua sozinha e continua levando cães e gatos para a castração, agora na Vila Pop. “Esse é um serviço de imensa utilidade pública para controle populacional e de doenças como infecções no útero, câncer de mama, tumores”, aponta.
Para ela, a estrutura oferecida é enxuta, eficiente do ponto de vista clínico e acessível economicamente. “Seria maravilhoso contar com clínicas que oferecem suporte completo, com exames cardíacos, internação, anestesistas o tempo todo, mas isso fica fora do alcance da população”, compara.
A professora da Universidade Federal de Goiás, Doutora em Biologia, Maria Nazaré Stevaux, considera absurdo órgãos públicos não investirem na clínica ou contratarem o ICAM para a castração in loco de cães e gatos. “Os órgãos não ajudam e a castração virou uma mina de ouro para muitas clínicas particulares. O mercado é voraz”, reclama.
Para ela, a iniciativa da Clínica Pop “revolucionou” a possibilidade de controle populacional de animais. “Só os hipócritas não aceitam. Aquilo é um trabalho heroico que deveria ser reconhecido pelo CRMV”, defende.
A professora já levou vários cães e gatos da área da própria universidade, que são abandonados no campus Itatiaia, para serem atendidos na Vila Pop, em Aparecida. Segundo ela, a unidade tem um custo inferior ao cobrado até no Hospital Veterinário da UFG para castração. Para quem está assumindo uma ação que é dever do estado, ela salienta o quanto é importante um custo acessível para as castrações de animais sem dono.
Karla Patrícia Gomes R. Albernaz, outra protetora independente, há anos vem de Santo Antônio de Goiás, na Região Metropolitana de Goiânia, trazendo cães e gatos para a castração na clínica de Sibelle. “Sou fã. Acho que já encaminhei mais de 100 animais para a castração solidária”, contabiliza. E depois avalia: “Sem as condições oferecidas, teria sido impossível”.
Ela mora em um condomínio fechado onde o descontrole populacional de animais domésticos tomou uma proporção tão grande que foi criada uma comissão na administração para debater soluções. Karla, claro, faz parte da comissão e mantém a alimentação de ao menos 20 gatos que castrou na Vila Pop e soltou em seu imóvel porque ninguém adotou. “Mas sem isso eles estariam reproduzindo ainda mais”, alerta.
Parece não haver local para desânimo quando se olha para Sibelle. Com um metro e meio de altura, ela anda vigorosamente pelo corredor da Clínica. Sobe com jeitinho, sem escada, até o interior do castra-móvel que tem cerca de um metro de altura para ser acessado por fora.
Vai apontando cada detalhe, fazendo o interlocutor perceber que está diante de um empreendimento corajoso e focado nos princípios ESG (Meio Ambiente, Social e Governança).
Do lado externo, onde estacionam os castra-móveis quando não estão em uso, há um pátio com árvores e balanços infantis para amenizar a espera. Já dentro, televisão, várias cadeiras, dispensador de senhas, sanitários. O ambiente e mobiliário têm boa aparência e ótima limpeza.
Ela explica que tudo é pensado para oferecer à população que mais necessita uma castração digna e com valores menores, “mas em um espaço clinicamente aprovado”. Uma parede cheia de certificados e alvarás bem na entrada atesta que o lugar funciona de forma regular.
No almoxarifado, que também funciona como “escritório” de Sibelle, caixas e mais caixas organizadas nos armários estão cheias de roupas para o pós-cirúrgico dos cães e gatos atendidos dentro da clínica.
As salas de pós-operatório abrigam várias caixas de transporte de pets. Gaiolas com gatos sonolentos ficam em uma sala e cães adormecidos em outra sala. A separação ajuda a minimizar o estresse de quando os animais acordam da anestesia.
Apontando uma cadela operada, a advogada explica que a roupa dela é diferente porque foi feita pelos próprios donos usando um tutorial de internet aplicado para ajustar uma roupa humana. Pelas mangas e recortes, aparentemente era uma camiseta. Eles foram autorizados a levar a roupinha improvisada porque não tinham dinheiro para pagar pela veste pós-cirúrgica, mas tinham consciência da necessidade de castrar a cadelinha da família.
Cada roupa pode variar de R$ 50 a R$ 80 conforme o tamanho do animal. Na parte da clínica, sob risco de inviabilizar a empresa, ela precisa cobrar esses valores para cobrir o custo das peças. Na parte do ICAM, as roupas do pós-operatório são doadas porque o custo é pago pelas prefeituras e parceiros.
Kits distribuídos durante as castrações gratuitas nas cidades que aderem ao castramóvel do ICAM ficam estocados cuidadosamente na clínica aguardando os mutirões ou campanhas dos raros parceiros. Além da roupa e de um colar elizabetano, os kits têm também uma medicação manipulada por recomendação especial da clínica. A intenção é facilitar os cuidados a pessoas mais simples, que têm dificuldade para dosar e ministrar os medicamentos veterinários dos pets em casa porque eles sofrem variação por peso.
“Somos a única clínica veterinária a manter um farmacêutico 24 horas gerenciando a qualidade dos produtos que serão aplicados nos nossos bichinhos carentes. A maioria deles são recolhidos das ruas por protetoras. Chegam cheios de pulgas e carrapatos, mas são atendidos no padrão de qualidade de uma clínica veterinária vip de um setor nobre de Goiânia”, assegura Sibelle.
No interior dos castra-móveis, aparelhos de oxigênio e ar-condicionado, instrumentais e as mesas cirúrgicas com aparência bem asséptica, sinalizam o nível do que é oferecido. As estruturas estão disponíveis há três anos, mas até agora a única prefeitura a firmar uma parceria substancial e frequente foi a de Aparecida de Goiânia.
Por outro lado, a Clínica Vila Pop se tornou espaço de aprendizado. Por lá se revezam estudantes de Medicina Veterinária e de outras áreas de instituições de ensino superior (IESs) conveniadas. Os de Veterinária têm aulas de prática cirúrgica no espaço da unidade e atuam como auxiliares de cirurgia e de anestesia, nos dois casos sob acompanhamento de um professor de cada área.
“Isso mostrou para as instituições fiscalizadoras, e até para a população, que ainda tinha o pé atrás, que não somos um ‘Zé Mané’ qualquer. Temos quatro faculdades aqui dentro, oras”, cita Sibelle em tom sempre bem humorado.
A professora Lidiana Cândida Piveta, do Centro Universitário de Goiás (Unigoias), coordena grupos de alunos que usam o espaço da Vila Pop para aprendizado. Ela, que já foi responsável técnica pela clínica, hoje coordena as aulas práticas de cirurgias eletivas, em especial as gonadectomias (nome técnico da castração). Geralmente as turmas se revezam com seis estudantes cada.
“É muito bacana. Os alunos primeiro fazem toda a parte inicial, estudando a técnica operatória nas aula teóricas, e com as peças (cadáveres) na faculdade. Em seguida, já pré-treinados, eles têm condições de prestar um atendimento de forma assistida a pacientes na clínica, sejam cães ou gatos”, detalha a professora. Por semana, cada turma dela auxilia em média quatro cirurgias.
Além da relevante “educacional extensiva”, ela enfatiza a importância social do trabalho da castração solidária prestado no espaço. “As gonadectomias trazem grande benefício para a saúde do animal, controle populacional de animais errantes e semidomiciliados (criados soltos ou por ongs e abrigos), prevenção de doenças como neoplasias (cânceres) e infecções de útero”, exemplifica.
Lidiana aponta a necessidade que o mercado não veja esse trabalho desenvolvido, tanto pela clínica, quanto pelas faculdades, como um problema concorrencial.
“Dentro de um contexto social, são públicos muito diferentes. É uma oportunidade de aprendizado no mesmo espaço em que ocorrem campanhas e castra-móvel, não para o cachorro que tem um dono em um lar bem estabelecido. Não é para um público de renda per capita alta. É para as ongs com grande número de animais, protetores e pessoas de baixa renda”, esmiuça.
Os estudantes preenchem as fichas clínicas dos animais e o receituário com medicamentos entregues aos tutores ou protetores. Conforme Sibelle, cerca de 20 estudantes do 8° e 9° ano de veterinária das IES conveniadas passam pela clínica a cada semestre, desde 2015, inclusive durante o período da pandemia de Covid-19. Com isso, bem mais de 300 estudantes de veterinária tiveram contato com o local.
Ela ainda cita que escolas de outros cursos também utilizam a Clínica Pop para estudo de caso em trabalhos de conclusão de curso (TCCs) nas áreas de engenharia ambiental e marketing.
Em seis meses de parceria com o ICAM a Prefeitura de Aparecida de Goiânia ultrapassou 500 pets castrados através de contratos entre o poder público e o instituto. A maioria eram cães, explica a titular da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) da cidade, Valéria Pettersen. Ela festeja: “Nenhum morreu em decorrência do procedimento”.
A secretária argumenta que, pelo fato de a castração ser feita durante mutirões de serviço, que atraem muita gente, e geram barulho, a cirurgia de gatos fica mais difícil. “Mas o resultado tem sido tão positivo que estamos estudando a forma ideal para os gatos, e ainda como vamos ampliar o atendimento”, adianta.
O valor para bancar os serviços é negociado a cada campanha realizada, explica a secretária. O motivo, segundo ela, é que a fonte dos recursos vem de multas aplicadas e compensações ambientais exigidas pela Semma no município. “Estamos tentando outras formas, como parcerias, inclusive com o Ministério do Meio Ambiente”, acrescenta. Além disso, ela cita que recursos de emendas parlamentares também são utilizados.
São realizados exames de sangue dentro da parceria, como uma condição para a cirurgia, vetando animais que possam estar com a saúde fragilizada. “Com as castrações, calculamos que já deixaram de nascer mais de 15 mil animais em Aparecida”, observa Valéria. Segundo ela, somente famílias registradas no CadÚnico são atendidas durante os mutirões.
“Pagamos o exame de sangue, a roupa, o colar, o microchip e o kit de remédios”, cita. Além disso, o município adquiriu um leitor para os microchips e assim pode identificar se um animal localizado nas ruas pertence a alguém e também ter o controle sobre os que eventualmente morrem.
A secretaria prepara-se também para realizar um Censo com a situação dos pets beneficiados com as castrações e o chip. Um dos indicadores vai ser por exemplo, se eles estão nas ruas ou em domicílios.
O ICAM não informa valores de cada procedimento em Aparecida alegando limitações previstas no Código de Ética de Medicina Veterinária (artigos 14 e 15). Por enquanto, as outras prefeituras que procuraram o instituto só fizeram ações isoladas.
Preferindo não se identificar, o veterinário responsável pelo programa de castração de uma cidade do interior goiano, disse que a demora em aprovar projetos e iniciativas junto ao Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás (CRMV/GO) tem sido a única dificuldade para a realização das campanhas de castração através de parcerias.
Outras cidades também tentam iniciativas próprias e não avançam. É o caso de Trindade, a 18 quilômetros de Goiânia.
Há mais de dois anos a prefeitura adquiriu um castra-móvel, mas, conforme o atual secretário de Meio Ambiente, Max Cordeiro, nunca conseguiu as autorizações para a realização dos procedimentos para a população carente do município utilizando o veículo que acaba sendo utilizado apenas para vacinação e consultas durante eventos como mutirões de serviço.
No governo do Estado, as secretarias se desdobram para informar que não há nada programado para suprir essa necessidade. Nem no que se refere à castração para prevenção das zoonoses envolvidas na predominância de animais errantes, nem na questão da proteção animal através da castração.
Na secretaria Estadual de Saúde, o Estado é citado em nota à reportagem como apenas orientador/normatizador das ações. “Não tem papel de executante”.
Com relação ao bem estar animal, a secretaria informa que o Estado conduz o programa de vacinação contra raiva animal, a identificação e vigilância sobre casos de transmissão ou suspeita de raiva ou outros agravos. Mas sobre castração, “não há programas estaduais”. “Por isso a orientação é de que se verifique junto a ONGs e prefeituras que são as responsáveis diretas por manter ações objetivas de incentivo à posse responsável e controle de população animal”, foi a resposta.
Também a Secretaria Estadual do Meio Ambiente se manifestou para informar que, no momento, a Semad não participa de nenhum programa relacionado à castração para controle populacional. O assunto é, “atualmente, trabalhado pelos municípios”.
Contudo, a Associação Goiana dos Municípios (AGM) informou ao DG que não existe um debate institucionalizado entre os prefeitos a respeito do problema.
Procurado pelo DG durante seis dias, ao retornar, o CRMV/GO não comentou o trabalho de castração solidária específico da Clínica Veterinária Vila Pop e do ICAM, como perguntado pela reportagem. Nem a inação de governos municipais, estadual e federal em implantar uma política de controle populacional de cães e gatos.
Também não abordou os valores apurados pela reportagem (de R$ 200 a R$ 1.400 para castração de um gato filhote em Goiânia) que confrontam a realidade das famílias em vulnerabilidade.
Em nota enviada no dia 23 de abril, o órgão cita um Guia de Políticas de Manejo de Ético Populacional de Cães e Gatos do estado de Minas Gerais e destaca a função fiscalizadora do órgão goiano. Além disso, informa a criação de um manual para que as prefeituras se ajustem aos mutirões de castração, um dos pontos também questionados pela reportagem ao órgão.
O guia ajusta condutas do Conselho à Resolução CFMV 1596/2024, publicada em março último. Nesse sentido, entre outras coisas, a resolução dispensa que projetos de mutirões de castração, por exemplo, passem pelo crivo prévio da instituição.
A resolução lista as responsabilidades do responsável técnico médico veterinário no planejamento e execução dos mutirões, campanhas e programas de castrações, “não havendo mais a necessidade de submissão prévia do projeto para aprovação”.
“Segundo o Guia de Políticas de Manejo de Ético Populacional de Cães e Gatos em Minas Gerais, necessita-se que as estratégias preveem legislação específica, censo populacional de cães e gatos, identificação e registro individual dos animais, centros de acolhimento transitório e adoção; controle de acesso aos recursos (água, abrigo e alimento nas ruas); educação; cuidados básicos de saúde que incluem o controle reprodutivo, a vacinação e o controle parasitário, além da regularização do comércio de animais. Desta forma, percebemos que a castração é apenas uma das muitas ferramentas necessárias para mitigar este problema que aflige os centros urbanos.
Neste escopo, o médico veterinário é fundamental na garantia que essas políticas sejam realizadas em prol do bem-estar coletivo.
Assim, a função do CRMV é fiscalizar a ação profissional para que os serviços veterinários prestados sejam de qualidade. Em 2010, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) publicou a Resolução CFMV 962/10, que normatizava os Procedimentos de Contracepção de Cães e Gatos em Programas de Educação em Saúde, Guarda Responsável e Esterilização Cirúrgica com a Finalidade de Controle Populacional.
Nela, era clara a importância e atuação do médico-veterinário na elaboração e implementação de programas de manejo populacional de cães e gatos, inclusive, com a exigência de aprovação do projeto pelo CRMV-GO. Atualmente, entrou em vigor a Resolução CFMV 1596/2024, que elenca as responsabilidades do responsável técnico médico veterinário no planejamento e execução dos mutirões, campanhas e programas de castrações, não havendo mais a necessidade de submissão prévia do projeto para aprovação.
No sentido de auxiliar os profissionais inseridos nessas ações, o CRMV-GO publicou o Manual de Programas de Manejo Populacional de Cães e Gatos – CRMV-GO, disponível no site.