BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Ciúmes, pedidos de atenção, fofocas e cobranças permearam o relacionamento da Odebrecht com algumas das principais figuras do Congresso Nacional, segundo o relato do ex-diretor de Relações Institucionais da construtora Claudio Melo Filho.
Melo Filho expõe em detalhes, ao longo de 82 páginas, como parlamentares procuravam se mostrar amigos da Odebrecht para conseguir pagamentos. Outras vezes, porém, vendiam mais caro seu apoio, contou.
O ex-ministro e ex-deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), por exemplo, se julgava um injustiçado, na versão do relator, “apesar dos pagamentos frequentes” que recebia da empreiteira. “Geddel sempre me disse que poderíamos ser mais generosos com ele. Ele insistentemente alegava que nunca efetivamente demos a ele o que ele acreditava representar”, disse Melo.
O ex-ministro costumava dizer, segundo o delator, que se considerava “um amigo da empresa” e isso “precisava ser mais bem refletido financeiramente”.
De acordo com o relato, Geddel “se comparava com outros políticos adversários do Estado, como Jaques Wagner e Paulo Souto, e reclamava, por achar que estes recebiam pagamentos mais elevados do que ele”.
A relação entre Melo e Geddel era “muito forte”, conforme o delator definiu. A Odebrecht transmitia ao então ministro de Integração Nacional do governo Lula “pleitos de interesse sem constrangimentos”.
O relacionamento entre Geddel, Melo e a Odebrecht “sempre foi sólido e fundamentado em uma certeza: a sua dedicação a nossos pleitos sempre era retribuído com pagamentos, especialmente em momentos de campanha eleitoral, mas não apenas nesse momento”.
Em 2006, por exemplo, a Odebrecht fez “pagamentos por meio de contribuições oficiais e também pagamentos não declarados via caixa 2”. Somaram cerca de R$ 1 milhão. Quatro anos depois, foram pagos mais R$ 1 milhão ou R$ 1,5 milhão.
Além dos pagamentos, Geddel também recebeu um mimo precioso quando completou 50 anos de idade, em março de 2009. Na época ele era um dos ministros do governo Lula. “Compramos um relógio Patek-Philippe, modelo Calatrava, que foi enviado juntamente com um cartão assinado por Emílio Odebrecht, Marcelo Odebrecht e eu. A compra se deu na loja Grifith em São Paulo e foi efetivada pelo escritório de Brasília”, contou o delator. Um relógio do mesmo modelo é vendido na internet, segundo Melo, por cerca de US$ 25 mil.
Melo, porém, diz que houve certo incômodo com Geddel quando a Odebrecht perdeu a concorrência para um lote na transposição do Rio São Francisco. “Ele poderia ter nos dado mais atenção, pois chegamos a pedir uma reavaliação administrativa”. Mas, de acordo com o delator, a Odebrecht procurou usar a “negativa de apoio dele em nosso favor”, ao se valer desse precedente negativo para pedir ajuda em projetos já em curso atrelados a verbas cuja liberação passava pelo ministério de Geddel.
Outro político que teria pedido mais dinheiro foi o ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS). Em julho de 2012, Cláudio Melo recebeu um e-mail interno da Odebrecht alertando que o então senador “teria reclamado por não ter recebido muita ‘atenção’ de nossa parte após a aprovação” do projeto de resolução do Senado 72/2010, que protegia a Odebrecht de efeitos de regras de importação.
Após receber o e-mail, Melo informou a Delcídio, em um almoço no hotel Fasano de São Paulo, que a Odebrecht havia aprovado “um apoio” de R$ 500 mil. “Delcídio tinha ficado ‘absolutamente satisfeito’ e tinha ‘pressa’ no recebimento”, disse o delator.
Outra relação de altos e baixos foi com o senador Ciro Nogueira (PP-PI). No segundo semestre de 2010, Melo recebeu de Nogueira um pedido de “contribuição financeira”. Foi autorizado o pagamento de R$ 300 mil. Quatro anos depois, Nogueira, diz Melo Filho, pediu “apoio para a campanha de candidatos do PP”, o Partido Progressista. A Odebrecht pagou R$ 1,3 milhão.
Melo disse que recebeu uma orientação de Marcelo Odebrecht para informar a Nogueira que iria pagar R$ 5 milhões às campanhas eleitorais do PP. Melo foi à casa do senador para informá-lo. No dia seguinte, contudo, Marcelo voltou a ligar para dizer que a doação fora cancelada. Não ficou claro o motivo do cancelamento.
Um dos temas de interesse da Odebrecht era a discussão sobre a queda do veto presidencial que prorrogava contratos de energia elétrica para o Nordeste. No momento em que a matéria era discutida no Congresso, porém, Ciro Nogueira “sequer foi à votação”. “Cobrei Ciro Nogueira sobre o assunto posteriormente e ele se desculpou dizendo não saber que a discussão ocorreria no dia em que ele esteve ausente”, disse Melo.
Outro pedido de dinheiro veio da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), segundo o delator. Melo contou aos investigadores que em certo dia recebeu de Kátia um telefonema em seu escritório. Eles não se conheciam. A senadora disse que a ligação fora “a pedido de Marcelo Odebrecht” e que o dono da empreiteira “iria ajudá-la e por isso ele estava ligando”.
Melo disse que considerou o telefonema “um absurdo” e procurou Marcelo. O dono da empresa, contudo, “desmentiu o fato”, mas disse que já havia pedido a outro funcionário da Odebrecht para que “fizesse um apoio”. Melo soube que o “apoio” foi dado porque outro executivo da Odebrecht intermediou um encontro com “uma pessoa indicada pela senadora”.
“Este relato é apenas para mostrar como às vezes somos abordados por pessoas com quem não temos relação, mas que muitas vezes esses agentes políticos se acham no direito de proceder como querem, apenas em razão de possuir mandato eletivo”, contou o delator.
Muitos pagamentos eram feitos pela Odebrecht a deputados que mantinham relacionamento antigo com a empreiteira. Nesse ponto Melo citou como exemplo o deputado Paes Landim (PTB-PI). O parlamentar “sempre nutriu simpatia pela Odebrecht” e fez “discursos citando a empresa de forma elogioso no plenário do Congresso”. Em uma ocasião, fez “uma homenagem à memória” do pai de Melo, o que o deixou “sensibilizado e agradecido”.
Mas emoções não deixaram Melo perder o pragmatismo: “Acredito que sua postura nutria esperança de receber algum pagamento a pretexto de campanha eleitoral, fato que ocorreu. Por outro lado, o pagamento também tinha como objetivo gerar crédito para eventual necessidade futura”. Com o codinome “Decrépito” em listagem interna da Odebrecht, Landim recebeu R$ 100 mil para sua campanha.
Com o deputado federal Bruno Araújo (PSDB-PE), atual ministro das Cidades e autor do voto decisivo no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara, as relações da Odebrecht eram boas e, com Melo, viraram “uma amizade”, disse o delator. Tanto que Araújo, então líder do PSDB na Câmara, resolveu indicar Melo para “a Medalha do Mérito Legislativo do ano de 2012”, concedida pela Câmara dos Deputados. Fotografias da Agência Câmara mostram Melo recebendo a comenda em novembro daquele ano. “Ele ajudou a impulsionar um momento novo no Brasil levando uma grande empresa nacional a fazer importantes operações fora do país”, disse Araújo, segundo texto distribuído pelo PSDB.
Cláudio Melo, por seu lado, havia “reforçado” a outro executivo da Odebrecht “a necessidade de uma atenção especial ao deputado”. Solicitação no mesmo sentido havia partido do próprio Marcelo Odebrecht.
Sob a luz dos holofotes, políticos defendem com veemência a Operação Lava Jato e criticam empreiteiros envolvidos em corrupção. Nos bastidores da política, contudo, se mostraram bem menos indignados com a Odebrecht.
No segundo semestre de 2015, quando Marcelo Odebrecht já havia sido preso pela Operação Lava Jato, o atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), por exemplo, tomou um café da manhã no hotel Royal Tulip com Melo Filho. O encontro foi a pedido de Padilha, cuja intenção era que Melo transmitisse uma palavra de solidariedade em nome dele para a empresa em razão do problema vivido pela empresa e por Marcelo Odebrecht”.
Um dos principais nomes do PSDB, Antônio Imbassahy (BA), também “se mostrou solidário ao problema vivido por Marcelo Odebrecht e também acreditava que a Bahia sofreria muito com possíveis desinvestimentos que poderiam ser feitos pela Odebrecht em seus projetos”.