A Lava Jato ainda estava em suas primeiras fases, em 2014, quando o doleiro Alberto Youssef decidiu mudar sua estratégia de defesa.
Preso havia meses, deixou de ser cliente do advogado Antonio Almeida Castro, conhecido como Kakay, veterano de casos envolvendo políticos em Brasília e que vinha tentando tirar a operação das mãos do juiz federal Sergio Moro, de Curitiba.
A defesa ficou a cargo de Antonio Figueiredo Basto, paranaense à época pouco conhecido no país, mas com bagagem na área de delação premiada.
Figueiredo Basto concretizou o acordo de colaboração de Youssef, que acabou tirando o doleiro da cadeia em 2016. A delação de Youssef ganhou projeção nacional e ajudou a implodir líderes políticos e empreiteiras na sequência -em conjunto com os depoimentos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Episódios como o do doleiro retratam o impacto da Operação Lava Jato no mercado de advocacia.
A difusão do instituto da delação premiada, regulamentado por uma lei de 2013, tirou espaço de escritórios consagrados, muitos focados em busca de nulidades processuais, como a que derrubou operações como a Castelo de Areia, hoje considerada um preâmbulo da Lava Jato.
A operação também provocou a ascensão de profissionais que se dedicam a acordos e conciliação com as autoridades.
Escritórios paranaenses, como o de Figueiredo Basto, de Adriano Bretas ou de Márlus Arns, chamaram atenção de clientes de outros Estados, como Delcídio do Amaral (MS) e Eduardo Cunha (RJ), não sem provocar discórdia na categoria.
Os advogados na área penal passaram a se dividir entre os pró-delação e os críticos do instrumento, adeptos da chamada “defesa clássica”, que questionam a forma, para eles desfigurada, com que o modelo vem sendo aplicado na Lava Jato e seus desdobramentos.
TROCA-TROCA
Tornaram-se recorrentes ao longo de quase quatro anos de operação as decisões de clientes que optam por colaborar com a Justiça de substituir seus advogados.
“Acho que a delação premiada é um instituto super importante, mas que foi completamente deturpado pela Lava Jato. O advogado fica subjugado ao Ministério Público, que está substituindo o Poder Judiciário. Do jeito que está posto pela República de Curitiba, a delação é uma rendição”, afirma Kakay.
Segundo ele, hoje “há advogados com privilégios por ter relações especiais com procuradores”. “Eu não, virei persona non grata porque sou crítico”, afirma.
Desde o início da operação, o simples anúncio de contratação de um dos especialistas paranaenses já passa a gerar especulações sobre tentativas de delação, como aconteceu quando Delcídio passou a ser atendido por Adriano Bretas, no fim de 2015.
A delação do então senador pelo PT acabou sacramentada meses mais tarde.
“Para alguns poucos escritórios que estão atuando na Lava Jato, foi um mercado que se abriu com muitas possibilidades”, diz o presidente da OAB do Paraná, José Augusto Araújo de Noronha.
APRENDIZADO
A Lava Jato forçou uma adaptação relâmpago aos novos instrumentos estabelecidos pela lei de 2013, conhecida como Lei das Organizações Criminosas.
Os novos procedimentos interferiram, inclusive, nas relações entre as próprias defesas de ações relacionadas.
“Antes, os contatos entre advogados eram menos preocupantes. Hoje, se você faz uma consulta, ainda que seja com um grande amigo, ele pode pôr as informações no processo”, diz o criminalista Fernando Castelo Branco.
Segundo ele, após a Lava Jato ficou comum se deparar já no início dos processos com reuniões de “justiça negocial” com o Ministério Público, que tentam propor acordos aos réus.
EXPLOSÃO
A explosão do número de delações premiadas deu abertura até para escritórios que se propõem a explorar novos filões nesse mercado: em São Paulo, o advogado Adib Abdouni revisa processos de delatores que estão insatisfeitos com seus acordos.
Aos clientes, ele propõe acionar a Justiça para conseguir melhores benefícios -mas ainda não houve decisão neste sentido.
Para o professor de direito constitucional da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Oscar Vilhena, a lei de 2013 foi uma mudança “revolucionária para a tradição brasileira”, que gera repercussão também no trabalho do Ministério Público, dos juízes e até no ensino de direito.
“Os grandes escritórios também se renovaram para fazer defesas. Quem fez a defesa da Odebrecht, ou da Camargo Corrêa antes, foram grandes escritórios.”
O advogado Pierpaolo Bottini, que passou a defender o empresário Joesley Batista após firmar um acordo de delação, diz que trabalhar ou não com as colaborações é uma decisão que depende do interesse do cliente.
Para Figueiredo Basto, a recusa em trabalhar com acordos é mais uma questão de “conveniência” do que de “consciência”.
Ele diz que há resistência às delações por elas terem atingido “o andar de cima”, em referência a políticos e empresários.
FELIPE BÄCHTOLD E JOSÉ MARQUES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)