As Forças Armadas apresentaram nesta quinta-feira, 14, no Senado, uma proposta de votação paralela no dia da eleição com cédulas de papel. A recomendação foi feita pelo ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, durante audiência convocada pelo senador governista Eduardo Girão (Podemos-CE). A sugestão segue a linha do discurso recorrente do presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, que tem colocado em dúvida a segurança do processo eleitoral, mesmo sem qualquer prova de falha ou fraude nas urnas eletrônicas.
A proposta das Forças Armadas usa como justificativa a necessidade de reforçar a transparência da votação. Segundo o ministro da Defesa, a votação adicional seria apenas um “teste de integridade” das urnas eletrônicas em 2 de outubro. Além da votação com cédulas de papel, haveria uma segunda urna eletrônica nas seções escolhidas. Essa testagem, segundo os militares, poderia ajudar a dar mais segurança às eleições, apesar de nenhuma investigação oficial já ter detectado fraude nas urnas eletrônicas. Esse “teste” seria uma fase a mais no processo de fiscalização das eleições, como previsto no plano elaborado pela Defesa revelado pelo Estadão.
Os movimentos do governo, com as Forças Armadas atuando mais fortemente a partir de questionamentos ao TSE, fazem parte de estratégia adotada por Bolsonaro de colocar em dúvida a confiança nas urnas. O principal adversário do presidente, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, tem aparecido como líder nas pesquisas de intenção de voto, com chance de vitória ainda no primeiro turno.
Na audiência no Senado, o chefe da equipe das Forças Armadas no grupo de Fiscalização do Processo Eleitoral, coronel do Exército Marcelo Nogueira de Sousa, disse que os militares estudaram os sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e detectaram uma série de possíveis ameaças. Segundo ele, a equipe ainda não conseguiu concluir que tais riscos podem ser neutralizados. Sousa coordena o plano de fiscalização das eleições da Defesa. O TSE tem garantido, no entanto, que o processo é seguro e não há provas de ameaças de falha.
O coronel propôs, então, o “teste de integridade na seção eleitoral”, após as lacração das urnas e dos sistemas, uma etapa a mais de verificação dos sistemas eletrônicos do que o TSE prevê atualmente, a impressão do boletim de urna e uso de pelo menos duas urnas eletrônicas, uma para a votação oficial e outra paralela destinada a testes.
“A gente propõe uma pequena alteração no que está estabelecido, sendo coerente com a resolução do TSE. Ela prevê o teste das urnas em condições normais de uso. Como seria esse teste? Urnas seriam escolhidas, só que em vez de levar para a sede do TRE, essa urna seria colocada em paralelo na seção eleitoral, onde teria eleitores com biometria. O eleitor faria sua votação e seria perguntado se ele gostaria de contribuir para testar a urna. Ao fazer isso, ele geraria um fluxo de registro na urna teste similar à urna original e, após isso, os servidores fariam votação em cédulas de papel e depois dessa votação em cédulas ela seria conferida com o boletim de urna”, sugeriu o coronel Marcelo Sousa. “Essa abordagem, pela escolha aleatória das urnas para teste, modificaria pequenos procedimentos no que está estabelecido, mas traria um grau de segurança e de certeza maior quanto em relação a possível ameaça tanto do código interno quanto de hardware.”
Ataques ‘internos’
Para técnicos militares, as urnas eletrônicas são pouco sujeitas a ataques externos, como invasões por hackers, mas podem sofrer ameaças internas de códigos maliciosos depositados antecipadamente na urna (hardware) ou nos programas computacionais (software) que são carregados nelas para processar a votação.
Segundo eles, o teste no dia da eleição, com uso de biometria, evitaria que um código malicioso oculto (também chamado malware), programado para operar somente dentro de determinadas condições mais próximas do ritmo de votação de uma eleição em si, escape de testes de integridade anteriores.
Uma das hipóteses é que um eleitor cooptado com interesse de fraudar o pleito acione o malware a partir da digitação de uma senha. Ou o código poderia ser instalado de forma latente em urnas reservas, que são usadas em caso de falhas de equipamentos e substituem urnas eletrônicas defeituosas. As urnas reservas não costumam passar por testagens, segundo os militares, e cerca de 10% são trocadas no dia da votação. Apesar da descrição do militar, até o momento não há registro de tentativa semelhante nas eleições, incluindo na de 2018, em que Bolsonaro foi eleito presidente.
Atualmente, os testes de integridade são feitos antes do dia da eleição, com urnas selecionadas dentro das 577 mil urnas disponíveis para a eleição geral. Elas são separadas e levadas aos Tribunais Regionais Eleitorais para simular votações com servidores da Justiça Eleitoral. Os funcionários votam em cédulas (votação paralela) de papel e depois numa urna eletrônica, com tudo gravado por câmeras, e os resultados são checados, entre cédula e o boletim de urna. Para os militares, esse formato é insuficiente.
Protagonismo
A audiência no Senado serviu de palco para parlamentares governistas insistirem no discurso de colocar em suspeição a segurança do processo de votação. Senadores e deputados que apoiam o governo pediram para falar no evento em que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Edson Fachin, fora convidado, mas não compareceu.
A única participação dissonante acabou sendo do representante da Transparência Internacional no Brasil, Michael Mohallem. Ele reforçou que, para a entidade, o sistema brasileiro de votação é seguro e criticou a pretensão das Forças Armadas de passarem a ser protagonistas no debate sobre o tema. “As Forças Armadas têm inúmeras atribuições de importância e grandeza para o País. Entre suas competências não há a de ser protagonista de reformas eleitorais, muito menos de revisoras da eleição. Se houver pretensão de se tornar um ator institucional com papel complementar de revisor do processo eleitoral seria uma iniciativa claramente inconstitucional”, declarou.
Em resposta, o ministro da Defesa disse que os militares não querem ser protagonistas, mas que entraram a fundo no tema porque foram convidados pelo TSE. “Nós, quando somos chamados a alguma missão, a dedicação é exclusiva, a gente vai fundo”, disse, acrescentando: “Não queremos protagonismo. Jamais seremos revisores de eleições. Tudo que a gente tem feito é seguindo as resoluções do TSE. Talvez pela tradição, pela história que as Forças Armadas têm, pelo fato de terem se engajado mais fortemente nesse convite, talvez dê a impressão de que somos protagonistas. O protagonista é o TSE, é o povo, é a transparência e a segurança que a gente quer”. (Por Felipe Frazão/Estadão Conteúdo)