FÁBIO ALEIXO E PAULO ROBERTO CONDE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O sorteio de grupos nesta sexta-feira (1º) dá o pontapé simbólico para a Copa do Mundo de 2018, torneio que será o auge de um ciclo de megaeventos organizados pela Rússia ao longo da década.
Todos fizeram parte de um projeto do presidente Vladimir Putin, 65, para propagar a imagem do país no jogo da geopolítica mundial e reacender o orgulho nacionalista dos cidadãos, afetado desde a dissolução da União Soviética, em dezembro de 1991.
No afã da reafirmação, muito dinheiro foi gasto.
Competições como a Universíade de Kazan-2013, os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi-2014 , a Copa das Confederações-2017 e o Mundial do ano que consumiram cerca de US$ 67 bilhões (R$ 219 bilhões na conversão atual) para serem organizados -a maior parte de verba pública.
O país também recebe desde 2014 etapa de F-1 em um autódromo ao lado do Parque Olímpico de Sochi e, neste ínterim, sediou Campeonatos Mundiais de esportes aquáticos e atletismo, entre outros.
Os US$ 67 bilhões foram e ainda são empregados na construção da infraestrutura esportiva e em obras das malhas rodoviária, ferroviária e aeroportuária dos municípios envolvidos nos eventos.
Porém, os valores divulgados oficialmente pelo governo são alvos de desconfiança. Denúncias de corrupção são feitas pelos poucos opositores que se levantam contra a liderança no Kremlin.
“Putin usou os maiores eventos esportivos para construir capital político e, o mais importante, distribuir fundos estatais para construir instalações para abrigá-los. Estes fundos foram distribuídos para amigos ou outros leais ao Kremlin”, afirmou à reportagem Steven Lee Myers, repórter do “The New York Times”.
Ex-correspondente do jornal americano na capital russa, Myers é autor do livro “O Novo Czar: A Ascensão e o Reinado de Vladimir Putin”.
“Putin parece acreditar que a Rússia tem mais a provar, pois tem em mente que seu país foi discriminado, humilhado e não foi dado o seu devido valor de poder no cenário internacional”, disse.
A realização de uma Copa do Mundo de sucesso é vital para Putin passar aos críticos a imagem de um país moderno e aberto ao mundo.
Dentro deste jogo político até a Tchetchênia, antes uma região separatista, ganhou espaço. Apesar de não ter nenhuma cidade entre as 11 sedes da Copa, a capital Grozni foi colocada à disposição para as seleções escolherem como base de treinamento -existe a possibilidade de a Arábia Saudita se basear lá.
“Putin quer mostrar que a Guerra na Tchetchênia nos anos 1990 e 2000 ficou para trás e que a região é estável e segura. Ainda que seja um lugar onde os direitos são rotineiramente ignorados e abusos são comuns sob o comando de seu presidente Razman Kadirov”, analisou Myers.
Desde que foi eleita sede da Copa, em 2 de dezembro de 2010, a Rússia envolveu-se nas Guerras da Crimeia e da Síria, o que causou prejuízo a sua imagem e na relação com potências do Ocidente -como EUA e Alemanha.
Também passou por grave crise econômica e viu o rublo se desvalorizar em quase 50%. No dia da eleição, valia US$ 0,032 . Hoje, US$ 0,017.
Na parte esportiva, em que pese a Olimpíada de Sochi ter transcorrido sem muitos problemas, ela ensejou alguns meses depois o maior escândalo de doping que se tem conhecimento na história.
Em 2015, depois de depoimentos de delatores, uma comissão independente instituída pela Wada (Agência Mundial Antidoping) publicou relatório em que acusou a Rússia de promover o doping com ajuda do Estado e até mesmo do serviço secreto.
A comissão recomendou que o atletismo russo, onde estava o foco da operação, fosse banido das competições internacionais até segunda ordem. A Iaaf (Associação Internacional das Federações de Atletismo) acatou e, há dois anos, os atletas do país não competem no cenário mundial sob sua bandeira.
Não puderam, por exemplo, disputar os Jogos do Rio. O país como um todo foi banido da Paraolimpíada.
Muitos dos casos ocorreram durante os Jogos de Sochi, sobretudo no laboratório local. Outros se deram no laboratório de Moscou. A devolução de medalhas fez o país perder o título simbólico da Olimpíada de Inverno para a Noruega e cair para a quarta posição, atrás ainda de Canadá e Estados Unidos.
Na próxima semana, o COI (Comitê Olímpico Internacional) anunciará se a Rússia poderá enviar delegação para os Jogos de Inverno de PyeongChang, na Coreia do Sul, que ocorrerão em fevereiro.
“Os russos veem esta questão do doping como uma continuação do sentimento anti-Rússia no Ocidente, em vez de perguntarem a si mesmos por que seus líderes estavam tão determinados a vencer que autorizaram e apoiaram a trapaça”, disse Myers.
No futebol nacional, o doping ainda não rendeu sanções. Entretanto, reportagem do jornal britânico “Daily Mail” relatou que os 23 atletas que defenderam o país na Copa de 2014 testaram positivo e foram encobertados por autoridades. A Fifa alegou que todos os testes realizados por ela nada apontaram.
Nos últimos dias, o técnico da seleção Stanislav Chersechesov afirmou que a equipe atual está limpa e é controlada rigidamente pelas autoridades antidopagem.
É em meio a este cenário geopolítico e esportivo conturbado e ameaças terroristas crescentes do Estado Islâmico que a Rússia caminha para o Mundial da Fifa.
Copa que terá início em 14 de junho, menos de três meses após o primeiro turno da eleição presidencial, marcado para 18 de março. Putin ainda não se inscreveu na disputa, mas dificilmente não será ele que abrirá o evento como presidente da Rússia.
Nesta sexta, estará no sorteio. Antes da cerimônia terá um encontro com lendas da Fifa, como Pelé e Maradona.