Vamos brincar? Um convite e um gatilho. Quem tem criança em casa e precisa conciliar o home office com a paternidade sabe como o confinamento pode ser estressante, e sabe que chegar inteiro ao fim do dia é uma aventura. Tem sido assim há mais de um ano.
Patricia Camargo, uma das idealizadoras do projeto Tempo Junto, que desde 2014 traz propostas de brincadeiras em família e viu sua base de seguidores aumentar consideravelmente depois da pandemia da covid-19 (no Instagram são 320 mil seguidores), tem alguns conselhos. O primeiro: não queira ser um recreador. Pais não são recreadores. Tudo bem se você não gostar de brincar, se não estiver com vontade naquele dia, mas é preciso permitir que a criança brinque. Tem que dar espaço e tempo, e objetos. Tem que tirar os ‘nãos’ das frases. Pode sujar, pode bagunçar. Vai ficar tudo bem. “Não precisa brincar, mas esteja presente, interaja, comente, faça perguntas”, sugere.
Seu segundo conselho vai no sentido de mostrar que brincadeiras não são benéficas apenas para as crianças. “Brincar alivia o adulto, tira o estresse. Isso é cientificamente comprovado e usado no mundo corporativo, nas chamadas dinâmicas. Empresas levam seus executivos para um lugar diferente basicamente para eles brincarem e serem criativos”, comenta Patrícia.
Para ela, quando o adulto entende isso, experimenta a brincadeira e percebe essa alegria nele mesmo, a brincadeira passa a servir como um apoio também para ele, para a sua vida e seu dia a dia. Jogar um jogo em família no fim do dia em vez de buscar distração nas redes sociais, por exemplo, ela diz, faz todo mundo dormir melhor e ajuda todos a terem uma relação mais tranquila ao longo do dia.
Mãe de três filhos, Patrícia tem outra dica útil para famílias confinadas e estressadas, que terminam o dia sem terem conseguido fazer o trabalho direito e, ao mesmo tempo, sem terem dado atenção às crianças. Ela explica que pode ser mais produtivo ter momentos de concentração total no trabalho, coisa de uma hora e meia, seguidos por intervalos de 15 minutos (a pausa do café se estivesse trabalhando presencialmente), quando a atenção será toda das crianças (veja dicas de brincadeiras abaixo). Assim, elas conseguem entender que existe um tempo delas, mas que também tem o momento que não é para elas, que vão ter que se distrair sozinhas.
Em sua opinião, isso é melhor do que querer se fechar por quatro horas para trabalhar, almoçar correndo e emendar mais quatro horas. “A não ser que você tenha alguma ajuda, não vai conseguir Seu filho não vai deixar”, diz. E completa: “Aceite a realidade e busque uma alternativa em vez de ficar perdendo tempo brigando com seu filho para que ele te deixe em paz, para que ele se distraia. Você vai chegar exausto e frustrado no fim do dia. Seu filho vai virar um chato dentro de casa, querendo sua atenção. E a relação vai ficando desgastada.” As pausas ajudam a criança a entender que tem hora para tudo, e que a hora de brincar, sozinho ou acompanhando, é essencial.
O pediatra Daniel Becker explica que é por meio da brincadeira que a criança apreende o mundo, que ela se apropria da realidade e a testa, que compreende tudo o que a cerca – os objetos, as relações, as leis naturais e sociais. “O brincar é uma forma de expressão, traz habilidades fundamentais, estimula a curiosidade, as descobertas, a imaginação e a solução de problemas.” Para ele, a natureza é o território onde esse brincar deve acontecer e, neste sentido, é importante levar as crianças a parques, praças ou pelo menos para uma corrida embaixo do prédio – com máscara, claro.
“O brincar livre na natureza é a melhor forma de a criança se expressar, aprender e ser feliz.” Isso tudo também para ajudar a diminuir o tempo de tela. Muita tela e pouco brincar podem resultar, mais cedo ou mais tarde, de acordo com o pediatra, em distúrbios do comportamento, transtornos mentais, problemas no desenvolvimento, retardo na linguagem, distúrbio de atenção, hiperatividade, sedentarismo e consumo de ultraprocessados. “Brincar traz felicidade. Brincar é um antídoto ao estresse tóxico a que submetemos as crianças”, finaliza.
São tempos difíceis, e nem sempre é possível estar bem-humorado – o humor, para Patricia Camargo, é o ingrediente que não pode faltar em casa (depois aparecem as sucatas, os rolinhos de papel higiênico, bexigas, tinta, cola, papelão e tudo o mais que puder virar um brinquedo na mão de uma criança).
No começo da pandemia, relembra Patricia Camargo, pais procuravam dicas de como distrair os filhos – desafio que antes se resumia às férias. Com o prolongamento da quarentena, ela percebeu que algo estava mudando – que os adultos estavam pensando no que queriam que os filhos tivessem de lembrança desse período. E por falar em marcas, ela faz um alerta dizendo que pode ser um alívio quando as crianças maiores já se viram sozinhas e não precisam dos pais para brincar, mas que é nesta hora que os vínculos começam a se perder, algo que poderá ser sentido na adolescência.
Com a palavra, Mateus Ortiz Taleb Marson, de 5 anos: “Brincar é muito legal porque brincar é se divertir. Gosto de brincar de jogos de tabuleiro e carrinho, com a mamãe, o papai, os meus primos e a Pipa, “que é uma cachorrinha muito engraçada”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. (Por Maria Fernanda Rodrigues/Estadão Conteúdo)