Mais uma da série de vazamentos que o site The Intercept tem produzido desde 9 de junho do mês passado. Desta vez: procuradores da operação Lava-Jato discutem a criação de empresa para arrecadação de palestras, como forma de surfar nos holofotes que a fama por meio da Operação estavam lhes proporcionando. Deltan Dellagnol discute com o também procurador Roberson Pozzobon a criação de uma empresa de eventos para se aproveitarem da repercussão da Força-Tarefa. Suas esposas, chegaram a ser incluídas nos debates. O objetivo era constituir uma empresa em que eles não apareceriam como sócios, aponta o site. Daí a ideia de usarem familiares mais próximos.
Para alavancar os ganhos com o negócio, os procuradores também consideraram a criação de um instituto sem fins lucrativos para pagar altos cachês a eles mesmos, além de uma parceria com uma firma organizadora de formaturas para alavancar os ganhos do projeto.
Não há nenhum problema em procuradores serem sócios, investidores ou acionistas de uma empresa, mas a lei não permite que tenham poderes de administração ou gestão. Nos chats, examinados pela Folha e pelo The Intercept, Dallagnol chega a pedir para que duas funcionárias da Procuradoria em Curitiba organizassem sua atividade pessoal de palestrante no decorrer da Operação.
O procurador talvez tenha tentado fazer um clã de palestrantes em torno da operação: as conversas mostram que ele incentivava autoridades que realizassem palestras remuneradas. Deltan chegou a intermediar uma palestra que o juiz Sérgio Moro concedeu. Mesmo com agenda cheia, o hoje ministro da Justiça, aceitou um convite para palestrar no 1º Congresso Brasileiro da Escola de Altos Estudos Criminais em São Paulo, em agosto de 2017. Também foram identificadas conversas com o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot e outros procuradores que atuaram no escândalo da Lava Jato.
“Não me encham o saco”
As palestras de Dallagnol já incomodavam alguns colegas da Procuradoria Geral em Curitiba, aponta o The Intercept. Em conversa com o procurador Carlos Fernando Santos Lima, Dallagnol tentou justificar sua atividade-extra beirando o desabafo. Para ele, as palestras compensam um prejuízo financeiro advindo de suas novas tarefas na Operação. “Estou a favor de maior autonomia, mas não me encham o saco, pra usar sua expressão, a respeito de como uso meu tempo. To me ferrando de trabalhar e ta parecendo a fábula do velho, do menino e do burro. Uns acham que devo atender menos a SECOM, outros que é importante. Uns acham que devo acompanhar cada um, outros acham que os grupos devem ter mais liberdade. E chega de reclamar dos meus cursos ou viagens. Evito dormir nos voos pra render. To até agora resolvendo e-mails etc”, disparou Dallagnol.
“Essas viagens são o que compensa a perda financeira do caso, pq fora eu fazia itinerancias e agora faria substituições. Enfim, acho bem justo e se reclamar quero discutir isso porque acho errado reclamar disso”, continuou Dallagnol no mesmo chat.
Explica-se algumas situações destas mensagens: Quando se refere a “fábula do velho, do menino e do burrro”, Dallagnol diz que não adianta se importa com críticas, já que elas sempre irão vir, não importa a forma como se procura agir. Deltan também reclamou que não faiza mais itinerancias, que é quando um procurador assume o lugar de outro em outra cidade. Quando alguém assume essa atividade, ele recebe diárias, engordando um pouco mais o contra-cheque. Agora, além de não fazer mais itinerâncias Dallagnol começaria a fazer substituições, ou seja, um membro do MP assume um cargo de alguém com função de chefia – de forma modesta. Dellagnol não poderia exercer as duas atividades, pois sua atenção podia ser direcionada exclusivamente a Lava-Jato.
“Essas viagens são o que compensa a perda financeira do caso, pq fora eu fazia itinerancias e agora faria substituições. Enfim, acho bem justo e se reclamar quero discutir isso porque acho errado reclamar disso”, justificou ainda em tons de desabafo Dallagnol no mesmo chat. Tudo certo, nada errado, para o procurador fazer as viagens e palestrar sobre combate à corrupção pelo Brasil.
“Que veeeenham”
Em tempos recentes, no mês de dezembro de 2018, Dallagnol teve a ideia: “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, afirmou em conversa com a esposa. A ideia pelo visto foi adiante e ainda em dezembro o também procurador e colega de Deltan na força-tarefa criou um chat para discutirem o tema, com a participação das esposas.
“Antes de darmos passos para abrir empresa, teríamos que ter um plano de negócios e ter claras as expectativas em relação a cada um. Para ter plano de negócios, seria bom ver os últimos eventos e preço”, afirmou Dallagnol no chat. Pozzobon respondeu: “Temos que ver se o evento que vale mais a pena é: i) Mais gente, mais barato ii) Menos gente, mais caro. E um formato não exclui o outro”.
Após a troca de várias mensagens sobre formatos do negócio, em 14 de fevereiro deste ano Dallagnol propôs que a empresa fosse aberta em nome das esposas, e que a organização dos eventos ficasse a cargo da firma Star Palestras e Eventos.
Após trocar detalhes de como seria a operação da empresa, Dallagnol esclareceu que ele e Roberson ficariam com a coordenação pedagógica da empresa e as esposas ficariam com a questão gerencial da nova firma. “Por questão legal”, pontuou. A estratégia, Dallagnol já previa que poderia render suspeitas. “É bem possível que um dia ela [sócia da Star Palestras e Eventos] seja ouvida sobre isso pra nos pegarem por gerenciarmos empresa”.
“Se chegarem nesse grau de verificação é pq o negócio ficou lucrativo mesmo rsrsrs. Que veeeenham”, respondeu de forma burlesca o procurador Roberson.
Dallagnol também sugere um plano de ação e vendas. A estratégia seria estabelecer uma parceria com uma empresa de eventos e formaturas de um dos seus tios. A ideia era colocar o aluno que estava interessado na formatura para “trabalhar”. “Eles podem oferecer comissão pra aluno da comissão de formatura pelo número de vendas de ingressos que ele fizer. Isso alavancaria total o negócio. E nós faríamos contatos com os palestrantes pra convidar. Eles cuidariam de preparação e promoção, nós do conteúdo pedagógico e dividiríamos os lucros”, sugeriu.
No último dia 3 de março, Dallagnol postou no chat detalhes sobre um evento organizado por uma entidade que se apresentava como um instituto. Ele comentou que esse formato jurídico também poderia servir para evitar questionamentos jurídicos e a repercussão negativa quanto à atividade deles.
“Deu o nome de instituto, que dá uma ideia de conhecimento… não me surpreenderia se não tiver fins lucrativos e pagar seu administrador via valor da palestra. Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”.
Quatrocentos mil reais
Diálogos vazados também mostram que Deltan e Pozzobon cogitaram o projeto mesmo sem que empresa de eventos estivesse formalizada. “Podemos tentar alguma coisa agora em maio tvz. Ou fim de abril. Nem que o primeiro evento a empresa não esteja 100% fechada”, afirmou Pozzobon. Reportagem do The Intercept e da Folha consultaram os documentos da junta comercial de Curitiba e não encontraram nenhum registro de empresas criadas em nome das mulheres, dos procuradores ou de algum instituto que leva o nome deles.
As conversas revelam o interesse de Dallagnol quanto ao valor das palestras. Em um dos chats, o procurador somou os lucros da atividade apurados em setembro de 2018. “As palestras e aulas já tabeladas neste ano estão dando líquido 232k. Ótimo… 23 aulas/palestras. Dá uma média de 10k limpo”, afirmou.
Em novembro, Dallagnol se mostrou animado com a perspectiva futura. “Se tudo der certo nas palestras, vai entrar ainda uns 100k limpos até o fim do ano. Total líquido das palestras e livros daria uns 400k. Total de 40 aulas/palestras. Média de 10k limpo”. 100 mil reais limpos até o fim do ano, somasse com o valor dos livros, ele faturaria 400 mil reais.
Segundo apuração do The Intercept e da Folha de São Paulo junto ao Portal de Transparência do MPF, como procurador, o coordenador da força-tarefa recebe um salário bruto de R$ 33.689,11 por mês – um total que pode superar R$ 430 mil neste ano. Em 2018, ele recebeu cerca de R$ 300 mil em rendimentos líquidos, sem considerar valores de indenizações.
Sem tempo, irmão…
Nos chats, Dallagnol usa o serviço de duas servidoras da Procuradoria para organizar sua atividade pessoal como palestrante. “Tarefinha para volta: Vc faria o favor de preencher a tabela anexa e me passar os documentos comprobatórios conjuntamente (contrato e comprovantes de depósitos)? Quero controlar conforme forem acontecendo, mas não consigo tempo para fazer o conttrole direitinho”. (os erros ortográficos são originários da conversa original)
“Oi amigo, kkkkkk”
Em junho de 2018, Dallagnol tentou convencer Rodrigo Janot a participar de um evento em São Paulo. Fazia quase seis meses que eles não se falavam pelo Telegram, segundo o histórico de mensagens. Depois de abordar o evento, ele emendou: “Tava aqui gerenciando msgs e vi que fui direto ao ponto kkkk Tudo bem com Vc? Espero que esteja aproveitando bastante, tomando muita água de coco e dormindo o sono dos justos rs Agora, vou te dizer, Vc faz uma faaaaaaaltaaaaa”.
“Oi amigo kkkkkk”, respondeu Janot. “Considero sim mas teremos que falar sobre cache . Grato pela lembra”. Dallagnol perguntou se o cachê oficial do ex-chefe era de R$ 30 mil e sinalizou que faculdades normalmente “não pagam esse valor… mas se pedir uns 15k, acho que pagam”.
“Pirotecnia e motivação”
Nas conversas, os procuradores traçaram estratégias para que pessoas – em especial jovens – comprassem as palestras e os eventos. A ideia era sair do tradicional ensino jurídico e focar nos interessados em cursos motivacionais. O chefe da força-tarefa pontuou que os jovens não estavam tão interessados assim na Operação. “Para o modelo dar certo, teria que incluir coisas que envolvam como lucrar, como crescer na vida, como desenvolver habilidades de que precisa e não são ensinadas na faculdade. Exatamente na linha da Conquer”
O procurador então sugeriu o desenvolvimento de um curso com o título “Turbine Sua Vida Profissional com Ferramentas Indispensáveis”, com os temas “Empreendedorismo e governança: seja dono do seu negócio e saiba como governá-lo”, “Negociação: domine essa habilidade ou ela vai dominar Você”, “Liderança: influencie e leve seu time ao topo”, “Ética nos Negócios e Lava Jato: prepare-se para o mundo que te espera lá fora”.
Os cursos e palestras deveriam ter uma pegada pirotécnica, propunha Dallagnol, seriam curtas e deixariam com “gostinho de quero mais”. “Todas as palestras deixariam um gostinho de quero mais (tempo limitado) e direcionariam pra Conquer, com retorno de percentual sobre cada aluno que se inscrever no curso da Conquer nos 4 meses seguintes”.
Um mês depois, Pozzobon voltou ao assunto propondo um curso jurídico mais tradicional sobre ética e combate à corrupção, com o objetivo de atrair clientes de alta renda. “Curso de sexta a noite e sábado de manhã. E poderíamos cobrar bem. Tipo uns 3 ou 5 mil. Público alvo: empresários, advs e altos executivos.”