JOÃO PEDRO PITOMBO E MARLENE BERGAMO
SOBRAL, CEARÁ (FOLHAPRESS) – A política fervilha no Beco do Cotovelo, travessa de 75 metros de extensão por cinco de largura na região central de Sobral (a 232 km de Fortaleza). Nos balcões dos cafés, a conversa gira em torno das eleições, tema que invariavelmente recai sobre a família que faz política na cidade há 128 anos, os Ferreira Gomes.
“Esse, quando saiu daqui, era um menino puro. Depois, virou amigo do poder”, afirma Luiz Melo Torquato, 77, apontando para um álbum de fotografias no qual aparece um jovem Ciro Gomes (PDT) em sua primeira campanha para deputado estadual, em 1982.
Desde então, Ciro foi deputado, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro por duas vezes. Em sua terceira tentativa de chegar ao Palácio do Planalto, ele chega unindo partidos de polos opostos, minando adversários e firmando hegemonia histórica em seu estado natal.
Amparado no governador Camilo Santana (PT), a quem ajudou a eleger em 2014, o grupo político de Ciro praticamente dizimou a oposição em seu estado. Dos 46 deputados estaduais do Ceará, 40 estão na base aliada, que inclui partidos do PCdoB ao DEM.
Neste ano, Camilo deve disputar a reeleição em uma megacoligação que pode chegar a 24 partidos e deve incluir políticos que há menos de um ano eram adversários ferrenhos dos Ferreira Gomes.
É o caso de Domingos Filho (PSD), ex-vice-governador de Cid Gomes de 2007 a 2010. Preterido para um voo mais alto, foi nomeado para uma cadeira no TCM (Tribunal de Contas dos Municípios) e rompeu com os Ferreira Gomes.
Após ascender à presidência do tribunal e mobilizar um conjunto de partidos de oposição seu entorno, Domingos teve a resposta: a Assembleia Legislativa aprovou uma emenda constitucional que extinguiu o TCM, passando suas atribuições para o Tribunal de Contas do Estado.
A medida foi apontada como retaliação ao ex-aliado que, sem perspectivas eleitorais, acabou aderindo à base do governador e deve disputar vaga de deputado estadual.
O mesmo aconteceu com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB). Diante da impopularidade do governo Michel Temer, ele se aproximou de Camilo Santana e deve firmar uma aliança informal com o governador.
“Quem estava do outro lado cuspindo sangue, agora foi beijar o nó do chicote dos Ferreira Gomes”, afirma o deputado estadual Heitor Férrer (SD), um dos raros que restaram na oposição, em crítica à adesão ao governo.
Ciro Gomes credita a aproximação dos antigos adversários ao governador Camilo Santana e diz que não subirá no mesmo palanque que Eunício: “Te garanto que você não verá nós dois na mesma foto”, afirmou Ciro à reportagem na última segunda-feira (2).
Adversários, contudo, dizem que a distância dos neoaliados não passa de jogo de cena de um candidato que, nacionalmente, já falou que vai trabalhar para “destruir o MDB”. Nos bastidores, a família trabalha por concertação na qual quase todos os partidos de estado darão suporte à candidatura de Ciro.
No grupo oposicionista, restou apenas um nome forte: o do senador Tasso Jereissatti (PSDB), que no passado foi o principal padrinho político de Ciro. Ele lançou a candidatura do general Guilherme Theophilo (PSDB) ao governo, mas conseguiu o apoio apenas do Pros.
A atual hegemonia de Ciro no Ceará se reflete em sua própria família. Pela primeira vez, ele e seus quatro irmãos estão diretamente envolvidos na política do estado. Disputarão as eleições deste ano Cid Gomes, pré-candidato ao Senado, e Lia Gomes, que fará sua estreia na política tentando uma vaga na Assembleia Legislativa.
Os outros dois irmãos não estarão nas urnas, mas ocupam cargos públicos: Ivo Gomes é prefeito de Sobral, berço político da família, e Lúcio Gomes é secretário estadual de Infraestrutura na gestão de Camilo Santana.
A atuação política dos Ferreira Gomes data de 1890, quando assumiram pela primeira vez a Prefeitura de Sobral. “Falar em política aqui é falar da nossa família”, diz Euclides Gomes, tio de Ciro que foi vereador por dois mandatos no município, hoje com 205 mil habitantes.
Mesmo com tamanho núcleo de poder familiar, Ciro nega práticas coronelistas. Pelo contrário, apresenta-se como um gestor que rompeu com as práticas que dominavam a política nos rincões do Ceará.
Em Sobral, quem conviveu com os irmãos Ferreira Gomes os classificam como inteligentes e politicamente hábeis. Mas também implacáveis com os adversários.
Exemplo disso aconteceu há cerca de um mês, na própria cidade, quando Ivo Gomes anunciou a desapropriação das sedes de duas rádios que lhe fazem oposição para construir uma área de lazer.
Ao justificar a medida em entrevista, foi sucinto na solução. “Você pode pegar os equipamentos, colocar dentro do porta-malas do carro e levar para qualquer prédio que quiser”, disse, a uma rádio.
Mesmo com atuação controversa, a família recebe elogios de boa parte da população de Sobral, sobretudo Cid Gomes, em cuja gestão como prefeito melhorou a qualidade da educação e trouxe obras para a cidade.
No Beco do Cotovelo, Cid e Ciro e Ivo sorriem em fotografias emolduradas na parede acima do balcão de um dos cafés. Dono do estabelecimento, Expedito Vasconcelos, 73, nem pestaneja ao cravar o voto nos filhos da terra. E ri de quem os chama de oligarcas.
“E quem não é? Cada estado tem o seu líder. Mas o nosso é um cabra inteligente e trabalhador”, diz.