Apesar das resistências encontradas na sociedade, há candidatos em Goiás que não se intimidam e levantam abertamente a bandeira da cannabis, seja para uso recreativo, seja para uso medicinal. A reportagem conversou com alguns deles.
O policial rodoviário federal Fabrício Rosa (PT), que está em busca de uma cadeira na Assembleia Legislativa, é um exemplo. “Faço parte do movimento policiais antifascismo, e uma das pautas do movimento é a legalização da maconha”, disse ao Diário de Goiás.
“Nós acreditamos que a guerra às drogas enfraquece o Estado, retira recursos do poder público e entrega para facções criminosas se armarem contra o próprio estado e a população. Ela é uma guerra que, sobretudo, encarcera jovens pobres, sem oportunidades, que não conseguem emprego e, por isso, trabalham com o comércio dessa substância que foi posta na ilegalidade. Ela é uma guerreira que encarcera mães, que mata jovens pobres, jovens pretos. Que mata policiais”, pontuou.
Um dos organizadores da marcha da maconha em Goiânia, que ocorre há doze anos na capital, Fabrício fez mestrado com pesquisa sobre a guerra às drogas e, segundo ele, “legalizar é criar racionalidade para o mercado”.
“É fazer com que a lei da oferta e da procura siga o seu caminho natural. As pessoas utilizam essa substância desde que ela existe. Queremos criar um mercado que seja racional e não seja violento, assassino. A linguagem da violência é a linguagem do tráfico, e o que mata não é o tráfico, é a ilegalidade. Se tantas pessoas morrem, é porque essa substância foi colocada na ilegalidade”, argumentou o candidato a deputado estadual.
“Queremos legalizar para diminuir violência, para gerar emprego, gerar recursos para o Estado, para diminuir o trabalho infantil no tráfico, para diminuir a corrupção policial, para salvar vidas, para dar o direito de as crianças serem criadas por sua mães que são encarceradas. 70% das mulheres encarceradas foram colocadas na cadeia devido a essa guerra. São infinitos motivos que nos fazem manter a coragem, nos manter de pé, para que tenhamos uma população carcerária menor”, complementou.
A marcha da maconha, aliás, é organizada pelo coletivo Mente Sativa, que tem a candidata a deputada federal Kelly Cristina (PT) como uma das fundadoras. “Nossa defesa não é pela direito ao lazer de usar a erva, mas pela vida em si.”
“A gente precisa lutar com muita força contra a política de drogas racista que assassina mais de 60 mil jovens por ano no Brasil e é responsável pelo encarceramento em massa de pessoas pobres. Muitas famílias estão sendo destruídas, porque a coisa mais perigosa que pode acontecer com um maconheiro ou maconheira é ser pega pela polícia usando maconha”, afirmou.
Para ela, “o principal benefício da legalização da maconha para a sociedade será o fim da aliança do narcotráfico com o poder político”, o que pode resultar na diminuição da “corrupção de agentes públicos, aliviar a demanda no Judiciário e no Ministério Público, assim como na Defensoria”.
“Vai diminuir a lavagem de dinheiro e, consequentemente, a Segurança Pública vai poder focar na repressão dos crimes verdadeiramente contra a vida, como tráfico de seres humanos, de órgãos e de armas”, destacou Kelly.
Uso medicinal
Ao listar os motivos que o fazem ser contra a guerra às drogas, Fabrício também ressalta o aspecto medicinal. “Ela é uma guerra que inviabiliza a pesquisa científica com uma planta, que é medicamentosa, terapêutica e tem dezenas de elementos curativos.”
Kelly segue uma linha parecida e defende um olhar para a pauta sob o ponto de vista da saúde pública. “Para além da questão da justiça e da segurança pública, a legalização é uma questão de saúde. Não só porque a cannabis é medicinal, mas porque o Estado deixa de desperdiçar dinheiro público com compras de armas, militarização e repressão para investir em educação, redução de danos, na pesquisa e na ciência.”
E ela vai além do uso medicinal: “Tudo que é de plástico pode ser substituído pela maconha, pelo cânhamo que é derivado. Além de avançar muito na preservação da natureza, a legalização vai impulsionar e alavancar a economia, gerando mais empregos e renda. Seria um enorme incremento à agricultura familiar, ao comércio e à indústria. Então, teríamos mais dinheiro dos impostos para o combate à fome e à pobreza, por exemplo”.
“Segunda soja”
Candidato a deputado federal, o vereador Lucas Kitão (PSD), de Goiânia, tem um histórico de defesa da cannabis medicinal na Câmara Municipal e disse que também está focado no “impacto industrial” da regulamentação. “Se o plantio for regulamentado, Goiás vai ganhar muito porque é geograficamente bem-posicionado, tem terra boa e clima propício. Pode ser a segunda soja para Goiás.”
O parlamentar lista três momentos em que encampou essa luta como vereador. Primeiro, a lei que obriga “o município a fornecer esse tipo de medicamento gratuitamente para forçar a popularização da terapia e dar acesso a quem não tem recurso financeiro ou jurídico”.
Também houve o Dia da Cannabis Terapêutica “para quebrar o preconceito, a falta de conhecimento que existe, discutir isso com a sociedade, os estudos que estão sendo produzidos e o que tem acontecido mundo afora para trazer para cá”.
Por fim, o projeto de incentivo do município à pesquisa em universidades. “Usar isso para poder ajudar o poder público a prevenir doenças psiquiátricas, ou crianças com epilepsia. Todas essas doenças que a cannabis trata o município tem responsabilidade com elas, já fornece medicamentos alopáticos para os pais e para os pacientes. A ideia é só dar a oportunidade também de entrar a terapia da cannabis, que é sem efeito colateral, orgânica e fitoterápica.”
“A minha fala é no sentido de que, para essa medicina evoluir e ser popularizada, de fácil acesso a todos, precisamos destravar o projeto 399/15. Ele precisa ser o marco regulatório. Porque, a partir daí, vai poder existir mais pesquisa, o plantio controlando e vai baratear o medicamento lá na ponta. Hoje, é caro porque o plantio aqui não é regulamentado, a matéria-prima é importada ou o próprio remédio já chega de fora dolarizado”, explicou o vereador.
“Infelizmente, é restrito a quem tem dinheiro. E quem consegue aval da Justiça para plantar ou comprar de uma associação também é restrito a quem tem acesso a bons advogados. Então, para que seja acessível a todos, precisa ter lei. Porque aí vai ser algo consolidado. Não vai ser, por exemplo, uma liminar na Justiça que pode ser alterada. Não vai ser uma portaria da Anvisa que muda. Precisamos ter uma lei para isso, e essa lei precisa ser discutida no Congresso. Essa é a minha intenção, defender essa pauta como medicina exclusivamente”, disse.
Exemplo em casa
Fundador da Associação Goiana de Apoio e Pesquisa à Cannabis Medicinal (Agape) e candidato a deputado federal, Yuri Tejota (Podemos) contou que seu “trabalho de vida é lutar pela terapia canábica e garantir acessibilidade aos pacientes que necessitam”.
Ele, inclusive, tem um exemplo dessa luta dentro de casa. “Minha mãe, Betinha Tejota, sofreu um AVC e ficou em coma induzido. Ela ficou com algumas sequelas e durante a recuperação dela um médico citou alguns estudos sobre a cannabis. Foi aí que eu decidi cair de cabeça nesse mundo.”
“Com o tratamento, a minha mãe teve um salto de qualidade de vida imenso e conseguiu muito mais autonomia”, frisou Yuri, que fez especialização em cultivo de cannabis indoor e outdoor avançado e business na Universidade de Oaksterdam, na Califórnia, nos Estados Unidos.
Na Agape, é feito atendimento para mais de 200 famílias dentro de um trabalho filantrópico, com assistências médica, farmacêutica, psicológica e jurídica necessárias com vistas a um tratamento seguro e eficaz. “Já conseguimos decisões na Justiça garantindo o direito para que famílias possam fazer o plantio e cultivo em casa para o tratamento.”
Yuri também participou da elaboração dos projetos sobre o Dia da Cannabis Terapêutica e o que obriga o fornecimento gratuito do medicamento em Goiânia, além de um outro, no âmbito estadual, “para promover a ampliação de acesso à saúde por meio da rede pública para a população goiana”.