O quinto tipo de câncer mais frequente entre os homens no Brasil, em 2022, com mais de 10 mil casos confirmados no ano, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), pode ser evitado com exames de rotina e uma ida ao dentista. O câncer de boca pode começar com uma simples lesão, facilmente diagnosticada, mas que em 70% a 80% dos casos, só é descoberta em estágio avançado.
Segundo o Chefe do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Câncer Araújo Jorge e do Hospital das Clínicas (HC-UFG/Ebserh), e Coordenador do Departamento de Boca e Orofaringe da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Dr. José Carlos de Oliveira, o câncer de cavidade oral, ou câncer de boca, se caracteriza por uma ferida que não cicatriza. “Passou de dez, quinze dias, e essa ferida não cicatrizou, deve procurar um médico”, ressalta. De acordo com o especialista, o câncer de boca pode acometer toda a cavidade oral, sendo mais comum na língua e no assoalho da boca.
Um dos principais fatores de risco para desenvolver o câncer de boca é o hábito de fumar e consumir álcool. O especialista em cirurgia de cabeça e pescoço destaca que a associação de álcool e cigarro aumenta em 70 vezes as chances de ter câncer de cavidade oral. “Quando você faz associação dos dois, você fuma e bebe, essa taxa pode aumentar até 70 vezes mais, comparando com as pessoas que não fazem uso”, explica Dr. José.
Além disso, entre os fatores que aumentam as chances de ter o câncer de boca estão má higiene bucal, o hábito de mordiscar a boca e lábios, exposição solar, uso habitual de fogão à lenha, infecção por HPV (Papilomavírus Humano) transmitido em relações sexuais desprotegidas, pacientes imunossuprimidos, pacientes transplantados, e próteses dentárias mal adaptadas, que acabam causando lesões recorrentes na boca. “O uso da prótese é indicado para em torno de 6 anos, têm pessoas que usam por 12 anos, 13 anos essas próteses, e aí pode provocar lesões”, acrescenta o médico.
Esse tipo de câncer também costuma ser mais comum em homens, com mais de 40 anos, mas a incidência na faixa etária entre 30 e 40 anos têm aumentado no país. Entretanto, com a intensificação de hábitos de fumar e beber, os diagnósticos em mulheres também cresceram nos últimos anos.
Os principais sintomas que sinalizam um possível câncer de boca em estágio inicial, que deve ser investigado, é a presença de sangramentos, lesões na gengiva, e feridas prolongadas. Já nos casos de estágio mais avançado, além destes sintomas, há também a presença de gânglios no pescoço, que sinalizam inflamação na boca.
Dr. José Carlos acrescenta que a presença de nódulos no pescoço também podem ser sinais de que há algo fora da normalidade. “Outra questão que temos que observar também é a presença de nódulos no pescoço. Muitas vezes a pessoa manifesta somente com nódulos no pescoço e, vai ver, a lesão está dentro da boca do paciente”, conta.
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A identificação das lesões é simples e podem ser descobertas em consultas de rotina. O papel do odontologista é essencial nessa etapa, não somente na prevenção, mas também no diagnóstico precoce da doença.
O especialista em Implantodontia e Coordenador do curso de Odontologia do Centro Universitário Universo, Carlos Bandeira, ressalta a importância de fazer consultas periódicas. “É muito importante a identificação das lesões, feita pelas consultas rotineiras ao cirurgião dentista. Hoje, todos nós olhamos a língua, bochecha, o assoalho da boca e, principalmente, perguntamos ao paciente quando existe alguma lesão. Se aquela lesão persiste por mais de 14 dias, nós recomendamos a biópsia para fazer o histopatológico, ou seja, análise microscópica para confirmar ou não se é uma lesão maligna”, pontua. A recomendação é ir ao dentista a cada 6 meses.
Bandeira destaca que é preciso ficar de olho nas lesões que aparecem na boca, principalmente as que demoram para cicatrizar. “É importante procurar o médico de cabeça e pescoço todas as vezes que tiver algum nódulo e esse nódulo persistir por mais aí de 30 dias. Quando tiver uma lesão tipo afta, que já tem um tempo maior do que 14 dias e se visualizar qualquer mancha, nódulo, ou caroço, deve procurar um cirurgião dentista ou um médico, para poder fazer o diagnóstico”.
As anormalidades podem ser identificadas também por outros profissionais da saúde, como médicos da família, que geralmente são mais acessíveis em regiões periféricas, médico otorrinolaringologista, cirurgião de cabeça e pescoço e um cirurgião dentista. O diagnóstico é feito através do exame clínico, radiográfico e histopatológico, ou seja, quando se faz a biópsia e leva para análise microscópica.
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O cirurgião José Carlos explica que a maioria dos casos em tratamento são cirúrgicos, “mas pode fazer quimioterapia, radioterapia e imunoterapia”. Entretanto, segundo ele, o Sistema Único de Saúde (SUS), hoje, “libera muito pouco destes tratamentos, porque são caríssimos”. No Brasil, os tratamentos contra o câncer são de alto custo.
O especialista acrescenta que ainda há ressalvas quanto ao tratamento cirúrgico. “Tem limitações, então, é quando o paciente tem condições de fazer a cirurgia. Muitas vezes, ele pode ser mutilado. Pode ser um paciente que pode ficar com uma traqueostomia definitiva, ficar com uma sonda definitiva, isso pode acontecer”, explica.
A retirada das partes lesionada pelo tumor pode trazer danos irreversíveis à vida do paciente. “Pode perder a voz e a deglutição, afetando a fala e a alimentação”, detalha o médico. Isso representa não somente perda da qualidade de vida, mas também um isolamento familiar e social, pois o paciente se sente inseguro em conviver com outras pessoas, por conta do constrangimento e das restrições. Nestes casos, que infelizmente, são maioria, há pouco o que se fazer pelo paciente em relação a tratamento, os cuidados se resumem em tentar amenizar a dor e melhorar a qualidade de vida.
Um dado muito preocupante no Brasil é que a maioria dos diagnósticos é feito em lesões já em estado avançado, que necessitam de tratamentos mais agressivos e invasivos. Com destaca o cirurgião de cabeça e pescoço.
“70% a 80% dessas lesões já são lesões avançadas. Tem que fazer tratamentos, muitas vezes, mutilantes e agressivos. Em muitos que chegam para nós hoje, com tratamento paliativo, você não tem mais o que fazer, só o tratamento sintomático”.
O câncer é a segunda maior causa de mortes no mundo, atualmente. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), todos os anos, são cerca de 15 mil novos diagnósticos de câncer de boca no país.
O especialista ressalta a importância das campanhas de conscientização, no aumento de diagnósticos precoces e na prevenção, com a diminuição dos fatores de risco entre a população. “O grande objetivo nosso, hoje em dia, é estabelecer o diagnóstico precoce e a prevenção. A prevenção, muitas vezes, é ter uma equipe que orienta essas pessoas que fumam, que bebem, como devem fazer para tentar reduzir esse hábito, gradativamente. As campanhas são fundamentais”, pontua.
O Julho Verde, campanha dedicada à conscientização dos tumores de cabeça e pescoço no país, tenta levar mais informações à sociedade todos os anos, destacando o mês de julho como o Mês Nacional do Combate ao Câncer de Cabeça e Pescoço. Além das maiores chances contra as complicações da doença, o diagnóstico precoce é garantia de um tratamento mais tranquilo e com menos custos.
“Se as lesões forem iniciais o tratamento é mais rápido, em torno de 15 dias a 1 mês, e esse paciente está apto a desenvolver suas atividades normais. Paciente com lesões avançadas é tratamento prolongado de 3 meses, 4 meses, ou até mais”, explica o especialista.
Além da demora para a recuperação, com risco de mutilação e invalidez do paciente, o tratamento em casos avançados exige acompanhamento com equipe multidisciplinar. “O paciente precisa estar preparado para essa situação, e depende de uma equipe multidisciplinar, da fisioterapia, da fonoaudiologia, da psicologia, da equipe de enfermagem, toda uma equipe envolta para reabilitar esse paciente”, explica José Carlos.
O médico ressalta que “não é qualquer centro que consegue oferecer esse tratamento”. De acordo com ele, geralmente, “tem que ser um serviço especializado, de preferência oncológico, então nos Hospitais Oncológicos, nas Universidades e nas Santas Casas”. Em Goiânia, o Hospital de Câncer Araújo Jorge e o Hospital das Clínicas (HC-UFG/Ebserh) são referência nesse tipo de atuação.