Quem acompanha a pauta ligada aos direitos das mulheres no Congresso terá um tema recorrente a observar em 2017: o aborto.
Desde o fim de 2016, ações no STF (Supremo Tribunal Federal) têm gerado respostas de parlamentares. Em 29 de novembro, o Supremo entendeu que uma mulher que pratica aborto até a 12ª semana da gestação não comete crime. Na ocasião, os ministros julgaram um habeas corpus de cinco pessoas presas preventivamente por trabalhar em uma clínica clandestina de aborto no Rio.
A reação veio no dia seguinte. O deputado João Campos (PRB-GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, pediu urgência para a votação do Estatuto do Nascituro, que dá ao feto as mesmas garantias civis e penais de outros cidadãos.
Defensores dos direitos reprodutivos das mulheres apontam retrocesso no projeto de lei. O argumento é que, ao proteger juridicamente o embrião, o texto ignora as condições de vida das mães, além sua autonomia constitucional.
A “proteção integral” ao feto, prevista pelo estatuto, poderia se sobrepor ao direito de interromper uma gestação mesmo nos casos em que ela é permitida pela legislação e pela Justiça brasileira. Também dificultaria a realização de políticas públicas de contracepção.
Atualmente, no Brasil, é permitido que uma mulher interrompa a gravidez até a sua 20ª semana em três situações: caso ela tenha sido consequência de um estupro, se houver anencefalia do feto ou se houver sério risco de vida para a gestante.
Na segunda (6), o PSOL registrou no Supremo uma ação que pede a legalização do aborto até a 12ª semana da gestação, na esteira da decisão da corte em dezembro.
“Neste ano, esse debate ficou mais reduzido. Mas acho que, com a decisão do PSOL desta semana, a discussão vai voltar nos próximos meses”, disse à reportagem, por telefone, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) na manhã desta quarta (8).
Maia comenta que, após os votos dos ministros, autorizou a criação de uma comissão especial para tratar do aborto na Câmara. O grupo de trabalho foi criado no mesmo 30 de novembro, com a missão de se debruçar sobre a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 58, de 2011.
“A comissão tem um longo caminho. Não é um tema que possa ser votado de qualquer jeito. Há questões que o próprio Supremo decidiu que precisam ser preservadas, como as excepcionalidades em relação à possibilidade de aborto que já estão previstas em lei. Elas estão corretas e acho que devem permanecer”, afirma o democrata, que diz ser “menos conservador” do que outros parlamentares da bancada.
A PEC 58 quer estender a licença maternidade a mães de bebês prematuros, considerando os dias em que o recém-nascido passou hospitalizado.
A princípio, nada tem a ver com o aborto. Porém, em 7 de dezembro, quando a comissão se reuniu pela primeira vez, João Campos sugeriu incluir no texto restrições à interrupção da gestação.
O deputado disse ser “pertinente” que uma outra PEC -de sua autoria com o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso na Operação Lava Jato- fosse apreciada pelo grupo.
Ele se referia à proposta número 164, de 2012, que estabelece a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. Sua consequências, para grupos feministas, são parecidas com a do Estatuto do Nascituro.
O prazo para apresentar emendas à PEC 58 acabou em fevereiro, sem nenhuma proposta.
Para Jolúzia Batista e Masra de Abreu, do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), o debate legislativo sobre os direitos reprodutivos das mulheres perdeu força em detrimento da pauta econômica -como a reforma da Previdência. A organização sem fins lucrativos monitora o debate sobre os direitos da mulher no Congresso.
“Há prioridade [à pauta econômica]? Há. Ela não tem sexo, a crise atinge homens e mulheres e a solução atinge homens e mulheres”, afirma Maia.
O presidente da Câmara diz esperar que os parlamentares na comissão da PEC 58 se movimentem para acelerar os trabalhos. “Mas não pretendo fazer a votação desses temas de forma urgente. Eles precisam ser amadurecidos na sociedade, ampliados, para que a gente não cometa erros ou excessos nem para liberar nem para radicalizar.”
As ativistas temem que a questão do aborto se torne uma moeda de troca, exigida por parlamentares conservadores pelo apoio à aprovação de reformas.
Citam como exemplo a tramitação do PL 7371, de 2014. Apresentado pelo Senado após a CPI da violência contra a mulher, o projeto prevê o aumento de recursos para a rede de assistência a vítimas de violência.
Na internet, campanhas de abaixo-assinado o apelidaram de “lei Cavalo de Troia” ou “PL do abortoduto”. O projeto está pronto para votação, mas foi retirado da pauta em 20 de fevereiro, após requerimento do deputado Afonso Motta (PDT-RS).
Segundo Abreu, deputados ligados à bancada religiosa têm apresentado emendas para proibir o repasse de verbas do fundo aos serviços de saúde capacitados a interromper uma gestação caso de estupro.
Por lei, desde 2013 hospitais do SUS são obrigados a oferecer atendimento imediato e informações a mulheres vítimas de violência sexual.
O presidente da Câmara reconhece que a questão é controversa entre os congressistas. “Ele está sendo muito polêmico porque alguns parlamentares consideram que abre espaço para ampliar a estrutura de aborto no Brasil”, diz. (Folhapress)