O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (22) projeto de 1998 que regulamenta a terceirização no país, liberando-a para ser usada em qualquer ramo de atividade das empresas privadas e de parte do setor público.
Hoje há o entendimento de que jurisprudência da Justiça do Trabalho veda a prática na chamada “atividade-fim”. Ou seja, uma fábrica de sapatos não pode terceirizar nenhuma etapa de sua linha de produção, mas sim atividades não diretamente relacionas ao produto final, como o serviço de copa e cozinha, de segurança e de limpeza.
O painel eletrônico mostrou 231 votos a favor da medida, contra 188 votos e 8 abstenções. Os deputados rejeitaram quatro emendas, mantendo o texto do projeto na íntegra.
Após isso, o texto vai à sanção do presidente Michel Temer, que é defensor da proposta.
A aprovação foi polêmica não só pelas críticas da oposição, para quem a medida representa um claro salvo-conduto para a precarização da mão de obra no país, mas também porque não houve o aval da maior parte dos atuais senadores.
No sistema legislativo brasileiro, as leis são feitas mediante a aprovação das duas casas que formam o Congresso, a Câmara e o Senado.
Sob a batuta do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso sob a acusação de envolvimento no petrolão, a Câmara aprovou a regulamentação da terceirização em 2015. Mas o texto tramitou lentamente no Senado, já que o ex-presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), dizia ver riscos ao trabalhador.
Com isso, o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recorreu a uma manobra, com o apoio da base de Michel Temer: desengavetou uma proposta similar de 1998, apresentada pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Esse projeto havia sido aprovado no Senado em 2002, com relatório de Romero Jucá (PMDB-RR), hoje líder do governo no Senado. Só 12 dos atuais 81 senadores estavam no exercício do mandato na época. A oposição diz que recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a manobra.
O projeto que está no Senado também pode ser votado nos próximos dias. Com isso, Temer pode combinar a sanção e veto de trechos dos dois textos.
O projeto que agora vai à sanção de Temer traz bem menos salvaguardas para o trabalhador do que o debatido em 2015.
Desaparece, por exemplo, a obrigação de que a empresa que encomende trabalho terceirizado fiscalize regularmente se a firma que contratou está cumprindo obrigações trabalhistas e previdenciárias. Desaparecem também, restrições à chamada “pejotização”, que é a mudança da contratação direta, com carteira assinada, pela contratação de um empregado nos moldes da contratação de uma empresa (pessoa jurídica) prestadora de serviços.
Ao defender o projeto de 1998, Maia afirmou “que muitas salvaguardas que foram criadas por bem têm gerado mais desemprego no Brasil e mais emprego no exterior”.
Havia no atual projeto uma anistia a multas e penalidades aplicadas até agora pela Justiça Eleitoral, mas esse artigo foi retirado pelo relator, Laércio Oliveira (SD-SE).
REGRAS
O objetivo principal do Congresso é permitir às empresas terceirizar qualquer ramo de sua atividade, incluindo a principal, a chamada atividade-fim.
O empresariado e parte da base governista diz que isso irá estimular a criação de empregos e tirar travas à competitividade das empresas.
Os críticos dizem que o objetivo é reduzir o gasto com pessoal, com prejuízo claro aos trabalhadores.
O texto também permite a terceirização no setor público, em funções que não sejam essenciais ao Estado. O que está no Senado veda essa possibilidade.
Além disso, o projeto estabelece que as empresas terão responsabilidade “subsidiária” em relação a débitos trabalhistas e previdenciários da terceirizadora, não “solidária”. Ou seja, caberá ao trabalhador lesado buscar reparo primeiro na terceirizadora e só acionar a “empresa-mãe” caso não consiga sucesso na primeira demanda.
EMBATE
A sessão foi marcada por forte embate entre oposição o governo.
“Apontem um artigo que tira direito do trabalhador”, repetiu em várias partes da sessão o relator, Laércio Oliveira (SD-SE). Segundo ele, as salvaguardas aos trabalhadores já estão asseguradas em diversas outras normas.
Ele foi apoiado por outros governistas.
“O que estamos fazendo aqui é regulamentar, é dar mais uma opção para que o trabalhador trabalhe com dignidade”, disse Mauro Pereira (PMDB-RS). “O Brasil não pode mais se render a esse anacronismo ideológico”, afirmou Marcus Pestana (PSDB-MG).
A oposição chegou a afirmar que Temer está pagando uma “fatura” pelo apoio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) ao impeachment de Dilma Rousseff. “Esse projeto é para pagar a conta do golpe, a conta da Fiesp”, disse Paulo Pimenta (PT-RS).
“Ou acaba esse golpe ou esse golpe vai acabar com o Brasil. Vão acabar o direito dos trabalhadores. O sonho deles é fazer como nos Estados Unidos, sempre foi. É pegar um trabalhador que passa fome, pagar uma hora de serviço e depois dispensar. É rasgar o direito dos trabalhadores, é rasgar a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]”, discursou Jorge Solla (PT-BA). “Esse é um governo lacaio do grande capital”, reforçou Chico Alencar (PSOL-RJ).
(FOLHA PRESS)
Leia mais
Traições na terceirização mostram instabilidade na base do governo