Em meio a dívidas bilionárias da Venezuela com a Odebrecht, o governo do Brasil pressionou autoridades do país vizinho a honrar os compromissos e quitar suas obrigações com a empresa.
As informações constam em relatórios do Itamaraty produzidos durante o governo Dilma Rousseff, obtidos pela reportagem.
Os documentos afirmam que os atrasos, que vinham desde o governo de Hugo Chávez, chegaram a US$ 2 bilhões em 2014, já sob a Presidência de Nicolás Maduro.
Outras empreiteiras, como Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, e a Petrobras também viviam rotinas de atraso, de acordo com os despachos do Itamaraty, mas a Odebrecht era a mais afetada.
De acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o grupo baiano pagou US$ 98 milhões em propina na Venezuela desde 2006 -o maior valor em um país depois dos pagos no Brasil.
Os documentos afirmam que empresas brasileiras tinham vantagens de dispensa de licitação no regime chavista em casos envolvendo “nações amigas”.
Um dos despachos dizia que o governo local buscava, em uma “diplomacia do petróleo”, fortalecer o apoio externo ao bolivarianismo com alianças comerciais.
A embaixada ressalta a importância da aproximação política entre Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, que morreu em 2013, para a concretização desses negócios.
Mas relata o clima de “insegurança jurídica” para o comércio com o país e o medo das empresas brasileiras de estatização de operações pelo governo local, como ocorreu com multinacionais de outros países.
“Não obstante Chávez ter dito, diversas vezes, que as empresas brasileiras estariam a salvo de expropriações, casos como a estatização da Techint argentina reforçam a conveniência de manter sempre fortes os laços políticos entre os dois países”, diz documento de 2011.
CRIATIVIDADE
Também em 2011, em um relatório enviado a Dilma, com informações prévias para um encontro dela com Chávez, a embaixada reforça a necessidade de cobrar do venezuelano “atitude mais assertiva com relação a dívidas e interesses de empresas e investidores brasileiros”.
“A parte venezuelana tem sido, via de regra, evasiva sobre o pagamento de tais obrigações, o que recomendaria uma intervenção presidencial objetiva”, diz o documento.
Semanas depois, um despacho que descreve detalhes da reunião de Dilma e Chávez não traz informações sobre a questão.
Na transcrição dos principais trechos da conversa, há um pedido do venezuelano por um teto mais alto de financiamento do BNDES em projetos em seu país. Ele fala em “acelerar o cronograma de obras”.
Dilma, segundo o despacho, sugere ir a Caracas com uma delegação de empresários e diz que a Odebrecht “pode ajudar muito com habitação”.
Ainda de acordo com a transcrição, Chávez diz à então presidente que a Odebrecht aceitou adotar um outro “mecanismo de remuneração”.
Ele se referia a uma solução encontrada pela empresa para ser paga no país vizinho, chamada de “criativa” em um despacho: compensaria créditos detidos na área de construção civil com compras de nafta da Venezuela pela Braskem, braço petroquímico do grupo.
Com os atrasos, a Odebrecht acabou retirando funcionários e parando projetos, como a construção da hidrelétrica Tocoma, em 2014.
Outro documento do Itamaraty, de 2011, relata cobrança de dívidas em encontro da diplomacia com Maduro, que então chanceler da Venezuela.
O relato da reunião cita que foi dito ao venezuelano que, para continuar com uma boa relação bilateral, seria preciso “não criar dificuldades”, mencionando as dívidas com a Odebrecht e subsidiárias da Petrobras.
Maduro disse, segundo o documento, que Chávez ordenara a quitação da dívida. O diplomata pede “discrição, sem alto-falantes” ao venezuelano na negociação.
Além da hidrelétrica, a Odebrecht mantinha projetos em diversas áreas, como o metrô de Caracas, um monotrilho chamado “Cabletren Bolivariano” e um polo agrícola de soja intitulado “projeto agrário socialista Abreu e Lima”.
Procurada, a empreiteira disse apenas que mantém compromisso de colaborar com a Justiça e que está implantando práticas de controle internas.
(FOLHA PRESS)