O ex-presidente Jair Bolsonaro se defendeu das acusações atacando a Polícia Federal e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante uma entrevista. Alvo de uma operação da Polícia Federal na última semana, o ex-presidente concedeu uma entrevista na sexta-feira (9) à Tv Record. Novamente ele criticou a operação e negou as acusações que justificaram mandados do ministro Alexandre de Moraes.
Como mostrou o Diário de Goiás, aliados do ex-presidente foram atingidos na operação, e alguns até presos, enquanto ele teve o passaporte apreendido. Bolsonaro e aliados são investigados por suposto envolvimento em uma tentativa de golpe de estado.
Foi uma entrevista que durou cerca de 20 minutos, falando com exclusividade ao repórter Pedro Paulo Filho, do Jornal da Record. Ele estava na casa da família, em Angra dos Reis (RJ).
O ex-presidente usou a entrevista para se defender. Bolsonaro falou sobre diferentes pontos da investigação e a classificou como perseguição a ele e também à direita brasileira.
Também negou que a suposta minuta encontrada pela PF no escritório dele na sede do PL em Brasília, prevendo a decretação de um estado de sítio, fosse um rascunho de decreto no sentido literal. Segundo ele, tratava-se de alguns documentos que já faziam parte da investigação e que foram levados por um advogado que teve acesso ao processo.
“Conversei com os advogados e buscamos saber como aqueles papéis estavam lá. No final da tarde, foi descoberto, comprovadamente: aqueles papéis eram peças de um processo que o advogado tinha conseguido junto ao ministro Alexandre de Moraes, que é o relator daquele inquérito. Então era peça de processo. Nada de novidade ali”, justificou.
Além disso, Bolsonaro também negou ter tido conhecimento do outro documento de cunho golpista apreendido. Trata-se da minuta de decreto que, segundo a PF, previa até a prisão de autoridades da República, como o ministro Alexandre de Moraes. “Ninguém botou na minha frente nenhum documento pra decretar estado de sítio, de defesa, ou coisa qualquer”, afirmou.
Jair Bolsonaro reclamou ainda de estar proibido de manter contato com Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal (PL)´, ao qual é filiado. O líder do PL não era alvo inicial de mandado de prisão, mas acabou preso em flagrante com uma arma com problemas no registro (que pertenceria ao filho dele) e uma pepita de ouro em casa.
“Ele está preso. Mas, se não estivesse, eu não poderia falar com ele. É um absurdo essa aí. Eu, por exemplo, como uma pessoa que tem a sua importância dentro do partido, não poder conversar com o presidente [do PL]”, declarou.
Além disso, o ex-presidente insistiu no que considera ser uma perseguição à direita no Brasil. Chegou a afirmar que essa situação impactou as eleições de 2022.
“O que eu vejo: só páginas da direita serem derrubadas. Só gente da direita ser presa. Só gente da direita ser perseguida. Nunca ninguém da esquerda. Então há uma clara intenção por parte de certas autoridades de Brasília de perseguir a direita. Não há nenhuma dúvida no tocante a isso”.
O ex-presidente disse que a reunião de julho de 2022, cujo vídeo foi tornado público por decisão do STF na sexta, nem era para ter sido gravada. Por outro lado, ele disse que não vê problemas na divulgação. “Se alguém tivesse pedido pra gravar eu autorizaria”, disse.
Um dos trechos que mais chamaram a atenção no vídeo é quando o então ministro-chefe do GSI, general Augusto Heleno, fala sobre um trabalho da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O general fala com naturalidade sobre mandar a Abin “montar um esquema para acompanhar a movimentação dos “dois lados” da campanha eleitoral.
“Eu já conversei ontem com o Victor, novo diretor da Abin, nós vamos montar um esquema para acompanhar o que os dois lados vão fazer”, afirma Heleno. Sinalizando que, aparentemente, ele desconhecia a gravação em andamento pela equipe de Bolsonaro, o general ainda ressalta a importância de a informação “não vazar”.
Minutos depois da fala de Heleno, Bolsonaro pede para que o general interrompa o assunto e pede que os dois conversem reservadamente sobre o tema devido ao teor secreto.
“General, eu peço que o senhor não fale por favor. Peço que o senhor não prossiga mais na sua observação, não prossiga na sua observação. Se a gente começar a falar “não vazar”, esquece. Pode vazar. Então a gente conversa particular na nossa sala sobre esse assunto”, afirma o ex-presidente na reunião.
Durante a entrevista, Bolsonaro comentou essa sugestão do general de usar a Abin politicamente: “É o trabalho da inteligência dele, que eu não tinha participação nenhuma. Eu raramente usava as inteligências que nós temos, das Forças Armadas, a própria Abin, a Polícia Federal. Não vejo nada de mais naquilo. E o Heleno queria se estender sobre o assunto e eu falei que não era o caso de ficar entrando em detalhes. Vai fazer uma operação, faça”, afirmou.
E também rebateu as citações do inquérito que o apontam como parte interessada em supostos crimes de golpe de estado e abolição violenta do estado democrático de direito. Bolsonaro ainda repetiu a tese, sobre a qual já havia falado, de que os envolvidos caíram em uma “armadilha da esquerda”.
Ao ser perguntado sobre o tema pelo entrevistador, o ex-presidente iniciou a resposta falando sobre o 8 de janeiro de 2023. Disse que não houve tentativa de golpe e sim uma “baderna”.
“Os movimentos que a direita fez, ao longo do meu mandato, eram uma coisa fantástica, você não via uma lata de lixo quebrada, uma vidraça quebrada, um papel no chão. Pessoas extremamente educadas”, defendeu.
Além disso, ele também negou que tenha havido tentativa de golpe gestada durante seu mandato presidencial. “Nunca existiu uma tentativa de golpe no Brasil durante o meu governo. Eu discutia tudo com os meus ministros, sobre tudo o que acontecia. Exatamente para me precaver.”
O ex-presidente também rechaçou que integrantes do governo dele tenham articulado para que tenha havido um golpe de estado. “Eu não acredito nisso. Vontade de fazer as coisas, indignação, sempre acontece. Agora você pode ver: até nessa reunião de ministros eu falei “vamos esperar, para ver o que acontece”. Eu até falo que ninguém vai querer botar tropa na rua, atirar, fazer nada de violento no tocante a isso”.
Durante parte da entrevista, Bolsonaro voltou a reclamar de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso, desde a campanha eleitoral de 2022. Como exemplo, citou a restrição ao uso de imagens de manifestações do 7 de setembro, a vedação das lives no Palácio da Alvorada e a proibição das imagens que mostravam o então candidato Lula (PT) ao lado de ditadores como Nicolás Maduro, da Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua.
Bolsonaro reclamou até mesmo de uma campanha feita naquele ano pelo TSE para estimular os jovens de 16 anos a tirarem o título eleitoral. “Nós sabemos que os jovens de 16, 17 anos, uns 70% ou 80% votam na esquerda. E, nessa campanha, 4 milhões e pouco de jovens tiraram título de eleitor. Houve interferência ou não houve? Ou você não pode tocar nesse assunto, que é crime e, após a sua matéria ir ao ar, eu posso receber a visita da PF aqui?”, ironizou ao repórter.
Já no fim da entrevista, Bolsonaro falou sobre como têm sido os dias na casa dele na Vila de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ), onde tem permanecido, e as operações da PF que o colocam no alvo.
“Você tem que ter uma estabilidade, não pode se apavorar. Eu sabia que ia ser perseguido. Não tanto, dessa forma”, afirmou.
Perguntado se há temor de ser preso, Bolsonaro respondeu ao repórter: “Até você pode ser preso hoje em dia. Não tem mais estado democrático de direito no Brasil. Não existe isso aí. Não existe”.
E disse ainda que prisões de auxiliares dele por suposta tentativa de golpe de estado “não se sustenta” e fazem parte do que ele classificou como um caso de busca de provas. “Toda hora chega, pega telefone de todo mundo (…) Então esses absurdos vêm acontecendo”, encerrou.