O presidente Jair Bolsonaro colocou em dúvida um ponto do acordo entre Boeing e Embraer, o que derrubou as ações da fabricante nacional de aviões e acendeu o sinal amarelo nas duas companhias.
Para ser fechado, o negócio precisa de aval do governo.
Questionado, Bolsonaro disse estar preocupado com a possibilidade de a nova empresa a ser formada pelas duas fabricantes deixar de ter participação brasileira no futuro.
“Logicamente, nós precisamos, seria muito boa essa fusão, mas não podemos… Como está na última proposta, daqui a cinco anos tudo pode ser repassado para o outro lado. A preocupação nossa é essa. É um patrimônio nosso, sabemos da necessidade dessa fusão até para que ela consiga competitividade e não venha a se perder com o tempo”, disse Bolsonaro.
O presidente não detalhou sua opinião, mas o ponto a que se referiu é a opção de venda de ações acertada na proposta de parceria fechada em dezembro e já entregue para avaliação do governo.
Segundo ela, a empresa brasileira pode se desfazer totalmente dos 20% que deterá da chamada NewCo, a nova companhia que produzirá a atual linha de jatos regionais da Embraer e desenvolverá novos modelos.
De acordo com o acerto, se essa opção for exercida nos primeiros dez anos da nova empresa, a Boeing terá de pagar à Embraer o valor dos 20% na data de fundação da NewCo, US$ 1,05 bilhão.
Se isso acontecer depois da primeira década, os americanos irão pagar pelo valor de cada uma das ações da empresa no dia em que o negócio for fechado -ou seja, mais ou menos que o US$ 1,05 bilhão.
As duas empresas não comentaram a declaração, mas a reportagem apurou com pessoas próximas do negócio o temor de que um acerto considerado fechado possa travar novamente. As negociações duraram um ano, com diversos vaivéns para atender as demandas do governo.
A fala de Bolsonaro, ele mesmo um capitão reformado do Exército, ecoa o sentimento nacionalista dos militares, que criaram a Embraer em 1969 e mantiveram forte ligação com ela mesmo após a privatização de 1994. Simbolicamente, a entrevista foi concedida logo após a cerimônia de posse do novo comandante da Força Aérea, em Brasília.
A fala fez com que a Embraer tivesse o pior desempenho do dia na Bolsa, com queda de 5,02%. Ela assustou analistas porque vai na mão contrária a declarações anteriores de Bolsonaro e de outros aliados.
“Sou favorável a ela [à fusão]. Entendo que a Embraer, se continuar solteira como está, a tendência é desaparecer”, disse Bolsonaro em 30 de novembro.
Ele, o vice-presidente Hamilton Mourão e outros concordam com a tese segundo a qual a Embraer terá dificuldades se não associar-se à cadeia produtiva da Boeing.
Sua maior concorrente, a canadense Bombardier, teve a linha de jatos regionais comprada pela europeia Airbus em 2017.
Esse foi um dos estopins para que a Boeing a procurasse, por não possuir aviões dessa classe para competir. Do lado da brasileira, a possibilidade de integrar-se a um dos dois grandes atores mundiais para comercializar seus produtos.
O governo tem direito de vetar negócios da Embraer por meio de uma ação especial chamada “golden share”.
Ela é um resquício da privatização da empresa, garantindo um lugar no conselho de administração para um indicado pela Força Aérea.
Pela proposta entregue em 17 de dezembro e que está sob análise, a Boeing pagará US$ 4,2 bilhões aos brasileiros para formar a NewCo.
Os 20% remanescentes serão da Embraer, embora ela possa se desfazer deles a qualquer momento -um movimento preventivo, segundo observadores do mercado, já que a participação na NewCo é uma das garantias de entrada de dinheiro na “velha Embraer”, que ficará com a divisão de defesa e de jatos executivos da atual empresa.
Também será criada uma joint venture específica para a comercialização de novos contratos do cargueiro militar KC-390, um dos produtos mais promissores da Embraer nesse setor.
Essa companhia terá 51% de controle brasileiro, uma medida que agradou aos militares. Isso e a manutenção da produção de defesa totalmente nacional garantiram o aval ao negócio pelo governo.
Bolsonaro receberá um parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional até o dia 17 e daí tomará sua decisão. (Folhapress)
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