As pesquisas de intenção de voto vem mostrando que o atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PL) terá vida difícil no período eleitoral que se aproxima. O cenário pandêmico e a economia às ruínas com uma inflação galopante tornam a campanha do capitão reformado ainda mais complicada, apesar de sua retórica populista. De acordo com a avaliação do advogado Fernando Tibúrcio, os levantamentos divulgados mostram que Bolsonaro está diante de um “beco sem saída”.
Além de ter atuado como secretário da Casa Civil do Estado de Goiás seu trabalho em defesa aos Direitos Humanos rendeu a Tibúrcio a insígnia da Ordem do Rio Branco, a mais alta honraria da Diplomacia brasileira, concedida pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). “Prestando um pouco de atenção nos números divulgados pela última pesquisa Datafolha, não seria exagerado dizer que Bolsonaro provavelmente se encontra num beco sem saída, a quatro meses das eleições”, destaca em entrevista ao Diário de Goiás.
Se é possível reverter o cenário, Tibúrcio explica que será bastante complicado. “É interessante notar que a pesquisa Datafolha mostrou que há uma ampla preferência por Lula entre os beneficiários do Auxílio Emergencial (59 a 20 %), entre os desempregados (57 a 16 %) e entre as pessoas com renda de até dois salários mínimos (56 a 20%). Só esses números dão conta da difícil missão que Bolsonaro terá para reverter esse quadro que lhe é hoje amplamente desfavorável”.
Tibúrcio explica os cenários vividos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo atual presidente da República, Jair Bolsonaro, bem como suas rejeições, além de comentar sobre o porque de uma terceira via (ou alternativa “ao que está aí”) ter minguado. Fernando também avalia como seria uma hipotética transição de governos.
Leia a entrevista na íntegra com o advogado Fernando Tibúrcio:
Domingos Ketelbey: Como avalia os números apontados no último levantamento divulgado pelo Datafolha, em especial no que diz respeito à rejeição de Lula e Bolsonaro?
Fernando Tibúrcio: 54% dos entrevistados na pesquisa Datafolha afirmaram que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum, contra 33% dos que afirmaram que nunca votariam em Lula. O alto índice de rejeição de Bolsonaro sem dúvida está relacionado à alta taxa de desaprovação do seu governo, também medida pelo instituto Datafolha, da ordem de 48 %, a pior avaliação para o mesmo tempo de mandato de todos os presidentes do período de redemocratização do Brasil. Vejo a economia como o calcanhar de aquiles de Bolsonaro. É interessante observar que períodos de inflação alta geralmente repercutem nos índices de aprovação e rejeição, especialmente entre o eleitorado feminino e entre os mais pobres, justamente dois dos segmentos que mais desaprovam tanto o governo Bolsonaro quanto rejeitam o candidato Bolsonaro.
DK: Muitos especialistas apontam que Lula havia atingido o seu teto, mas o ex-presidente conseguiu subir três pontos percentuais nessa nova pesquisa. O que aconteceu de março para cá que poderia ter levado o fortalecimento do petista?
Fernando: A frase cunhada pelo estrategista do ex-presidente americano Bill Clinton, James Carville, resume tudo: “a economia, idiota”. Parece claro que o teto de Lula oscila para cima na medida em que o governo Bolsonaro vem perdendo as rédeas da economia. É fácil ver que os índices de intenção de voto de Lula ainda podem crescer mais. Um exemplo disso é o eleitorado atribuído a Ciro Gomes, caso o candidato pedetista desista de concorrer. A pesquisa Datafolha revelou que 4 entre 10 eleitores de Ciro têm Lula como segunda opção, contra apenas 1 entre 10 que admitiria votar em Bolsonaro.
DK: O que Bolsonaro precisa fazer para reverter o cenário e virar a rejeição que atingiu 54%?
DK: Na contramão de Bolsonaro, Lula tem diminuído sua rejeição. Ao que atribuí isso?
Fernando: A rejeição de Lula vem diminuindo aos poucos, dentro da margem de erro, e hoje está representada por aproximadamente um terço dos eleitores. Curiosamente é um patamar muito parecido com aquele que Lula tinha em 2002 e 2006, ocasiões em que se elegeu presidente.
DK: Nos últimos oito anos os desgastes estimulados em torno do PT trouxe uma sensação muito forte de um “antipetismo” impregnado na sociedade. Agora, parece que os números têm apontado para a existência de um “antibolsonarismo”. Como avalia esse cenário?
Fernando: As últimas pesquisas têm demonstrado que o sentimento antipetista verificado em 2018 perdeu força. De fato, para estas eleições, o eixo foi deslocado indubitavelmente do antipetismo para o antibolsonarismo. Em 2018 teve grande repercussão no eleitorado o discurso anticorrupção. Agora, em 2022, o eleitor está mais preocupado com a perda do seu poder aquisitivo, com o descontrole de preços, com o impacto da deterioração do cenário econômico no seu dia a dia.
DK: As pesquisas mostram que a polarização Lula e Bolsonaro está bem forte apesar das rejeições com o anti-petismo e o anti-bolsonarismo em curso. Porque a terceira via ou uma alternativa acabou não vingando?
Fernando: Acredito que o ambiente de grande polarização, agravado sobretudo pelo discurso bolsonarista de viés antidemocrático por si só, dificultou até aqui e dificultará no futuro o surgimento de uma terceira via viável. Por outro lado, o eleitor parece não ter encampado a tese de que a terceira via seria uma alternativa para Lula e Bolsonaro, que representariam os extremos do espectro político. As pesquisas têm sinalizado que o eleitor vê em Lula uma candidatura de perfil moderado, capaz de falar a eleitores que vão da esquerda à centro-direita. Não creio que possa ocorrer aqui o que aconteceu na França, onde a extrema-esquerda representada por Jean-Luc Mélenchon esteve perto de passar para o segundo turno.
DK: Você disse que o presidente está num “beco sem saída”. Numa hipotética derrota de Bolsonaro, qual seria o clima do governo de transição?
Fernando: Muito ruim, sobretudo se a diferença de votos for apertada. A retórica antidemocrática de Bolsonaro seria inconcebível há dez, quinze anos. Hoje é uma nebulosa realidade. Não seria alarmismo demais dizer, há sinais que apontam nesse sentido, que Bolsonaro gostaria de ver reeditados aqui no Brasil alguma coisa parecida com os deploráveis acontecimentos de 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos, quando houve a invasão do Capitólio. Questionar a segurança das urnas eletrônicas, essa ficção do voto impresso, fazem parte dessa retórica. A melhor arma que temos para afastar o risco de uma ruptura democrática é o voto. Impor uma derrota por larga margem de votos a Bolsonaro é o que nós, cidadãos, podemos fazer para que as nossas instituições se mantenham preservadas.